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Leia na Fonte: Teletime
[28/10/16]
TV digital: faltam informações e critérios comuns
- por
Samuel Possebon
O próximo coordenador do Gired (grupo de digitalização da TV digital), que
assume a partir do dia 4 no lugar do conselheiro da Anatel Rodrigo Zerbone, terá
pelo menos uma tarefa urgente a resolver: recuperar a confiança, de parte a
parte, para a tomada das decisões necessárias. O processo de desligamento do
sinal da TV analógica em Brasília, que deveria ter ocorrido esta semana mas
ficou para o dia 17 de novembro, evidenciou um problema grave do esforço de
desligamento, contudo. Não é um dificuldade logística, ou falta de recursos, ou
problemas de interferência. O maior problema é a falta de dados sobre a situação
real da radiodifusão no Brasil. E se o problema persistir, o desligamento em São
Paulo tende a se tornar muito mais crítico.
Ao longo de décadas, por irresponsabilidade, conveniência ou falta de urgência,
o Poder Público abdicou de levantar, com precisão, como está o funcionamento do
sistema de radiodifusão no Brasil. Existe um levantamento geral feito pelo IBGE
sobre o número de domicílios com TVs, mas qualquer coisa além disso depende de
informações que chegam do mercado e que são imprecisas ou discrepantes por conta
das metodologias utilizadas. Pouco se sabe sobre o grau de atualização
tecnológica dos televisores instalados (se são ou não capazes de receber sinais
digitais), dos transmissores, sobre a quantidade de pessoas que recebem os
sinais exclusivamente via satélite, sobre as pessoas que recebem os sinais por
alternativas de TV por assinatura, por pirataria ou simplesmente que não recebem
sinal nenhum.
Não existe nenhum levantamento efetivo por parte do governo sobre
a qualidade dos sinais analógicos e digitais de radiodifusão, se eles estão
chegando de fato à população dos municípios, se chegam com qualidade ruim (com
chuviscos, fantasmas) ou sobre as áreas de sombra. É fato que ter esse nível de
precisão em um país das dimensões do Brasil é complicado mesmo para serviços que
têm obrigações de cobertura estabelecidos em contrato ou regulamento, como a
telefonia móvel, mas partindo-se do princípio de que a radiodifusão é um serviço
de imenso interesse público, seria fundamental ter esses dados (para não falar
em dados econômicos ou societários do setor, que simplesmente não existem de
forma sistematizada e atualizada).
No processo de liberação da faixa de 700 MHz, vendida pelo governo às teles por
mais de R$ 9 bilhões em 2014, foi necessário estabelecer uma política de
realocação dos sinais de TV que estavam operando nessa parcela do espectro. E em
muitos casos essa realocação passa pelo desligamento do sinal analógico,
induzindo a população a passar para a TV digital. Como parte dessa política, as
empresas de telecomunicações estão distribuindo milhões de kits de recepção
digital às famílias do Cadastro Único por meio de uma empresa por elas
administrada, a EAD (Seja Digital). Também é a EAD que se tornou responsável
pela coleta de informações básicas que permitissem aferir o grau de aptidão dos
domicílios em relação à capacidade de receber o sinal de TV digital. E é ai que
começa a confusão. Radiodifusores e EAD partem de premissas diferentes, citam
números diferentes e usam critérios diferentes para defender suas posições, e o
governo, sem ter qualquer outro dado, precisa arbitrar sofrendo pressões de
ambos os lados.
Os radiodifusores alegam, por exemplo, que o mesmo instituto
contratado pela EAD (Ibope) para aferir o grau de digitalização tem uma pesquisa
semelhante vendida há muito tempo aos radiodifusores (antes mesmo do processo de
desligamento começar) e que dá sete pontos percentuais a menos em termos de
domicílios capazes de receber o sinal digital. As teles, ao irem a campo para
saber por que as pessoas não estão buscando os kits de recepção, constata que o
sinal de TV digital simplesmente não chega a muito domicílios, pois há falhas de
cobertura expressivas em muitas redes de TV, e sem o sinal ninguém se motiva a
mudar para a TV digital.
O próprio número estabelecido para o desligamento (93%) é arbitrário,
estabelecido sem nenhum critério, tanto que aceitou-se que 90% seria razoável,
pela margem de erro, e em Rio Verde desligou-se com 85%. Se não bastasse esse
problema, os critérios de análise dos dados, ora contando televisores do tipo
tela fina como digitais, ora contando como analógicos, ora incluindo domicílios
com TV por assinatura como aptos, ora considerando apenas os domicílios com TV a
cabo, também levam a dados divergentes. O impasse em Brasília se deveu a isso.
Em São Paulo, se não houver cuidado, o problema será muito pior.
É evidente que a disputa pelas informações é apenas um pretexto para que cada
lado defenda o seu negócio. As emissoras de TV temem perder audiência com a
digitalização, porque hoje elas mesmas admitem que a cobertura digital é pelo
menos 20% inferior à cobertura analógica. O processo de digitalização também é
custoso para as emissoras, que precisam atualizar seus equipamentos de captação
de imagens e transmissão.
Já as teles, que gastaram R$ 9 bilhões comprando o espectro, querem garantir que
a casa estará desocupada a tempo de iniciarem os seus projetos de implantação da
rede 4G na faixa de 700 MHz.
Entre os dois está o Gired, que tem desempenhado um papel importante na mediação
desses conflitos. Até aqui, com todas as dificuldades, o Gired está garantindo,
juntamente com o trabalho operacional da EAD e com o esforço de divulgação dos
radiodifusores, um processo de desligamento da TV analógica mais ou menos dentro
do cronograma. Mas os problemas tendem a aumentar em 2017. E a fluidez do
processo depende, sobretudo, de informações e critérios em que todos confiem.