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Fonte: Teletime
[20/01/17]
Técnica vs. política. Ou, isso é o Brasil - por Samuel Possebon
Duas decisões estavam na mesa do governo e da Anatel no mês de janeiro: adiar o
cronograma de desligamento da TV analógica em São Paulo e postergar em um ano a
parcela do aporte que as empresas de telecomunicações autorizadas a usar a faixa
de 700 MHz precisariam fazer para a EAD em 2017 (coisa de mais de R$ 1 bi).
Nos dois casos, uma decisão favorável atenderia ao desejo das teles. Em ambos,
as teles saíram derrotadas. Nesta quinta, 19, a Anatel indeferiu o pedido de
adiamento do aporte, alegando falta de justificativa técnica. No outro caso, do
cronograma em São Paulo, o ministro Gilberto Kassab jogou para a agência a
análise sobre o adiamento. Kassab optou por uma saída técnica para não ter que
amarrar uma solução política.
Foram duas decisões técnicas, portanto, mas com um forte teor político.
O momento do governo junto à opinião pública, incluindo o do ministro Kassab, é
complicado para dizer o mínimo. Para ficar apenas nas questões setoriais, Kassab
e a Anatel estão sendo torpedeados desde dezembro em função da mudança do modelo
de telecomunicações em discussão no Senado, com o discurso de que o novo modelo
representaria um "presente" de R$ 100 bilhões às teles. Um assunto bem mais
complexo do que isso, mas que se perdeu no simplismo político. A Record, forte
oposicionista do adiamento do cronograma de TV digital em São Paulo, também foi
a emissora que mais "bateu" no governo em seus telejornais por conta do novo
modelo. A emissora tem uma estratégia, especula-se, que passa por vender seus
sinais para as operadoras de TV paga (das teles), e quer se cacifar
politicamente. Outros grupos de comunicação, possivelmente com outras agendas,
seguem caminhos parecidos. Sejam estas as razões ou não, o fato é que, com isso,
o novo modelo, que era para ser uma agenda positiva do governo, se tornou um
problema.
No meio do caminho, o ministro ainda se aventura na questão das franquias de
banda larga fixa, mostrando-se simpático aos argumentos das empresas de
telecomunicações. Ao ver as reações negativas, recua na posição, afirmando que
as franquias não serão permitidas. A Anatel ficou exposta, porque qualquer
decisão em sentido contrário será, agora, oposta à posição política manifestada
pelo MCTIC. Sai de cena o debate técnico, prevalece o discurso político.
No caso do adiamento do aporte à EAD, havia um argumento politicamente
interessante ao governo: o dinheiro não seria necessário já, pois a EAD tem mais
de R$ 1 bilhão em caixa, e ao adiarem o aporte, as empresas poderiam antecipar
outros investimentos previstos, em um ano em que o CAPEX das teles deve no
máximo se igualar a 2016. Se o dinheiro for para a EAD, ficará parado no banco,
rendendo juros e só, dizem as empresas. Uma decisão favorável a este pleito,
contudo, precisaria passar por uma costura política, porque do ponto de vista
técnico, o edital de 700 MHz não dá muita margem para mudanças nesse pagamento.
O argumento técnico seria o adiamento de São Paulo, que o ministério não bancou
politicamente. E não bancou porque não quis criar mais atritos com os
radiodifusores (Abert e Record foram contrárias a uma mudança) mas também porque
um adiamento poderia dar às teles o direito de rever o montante a ser investido,
no futuro, na EAD. Pelas contas do governo, o desconto poderia ser de mais de R$
250 milhões. Um tremendo problema técnico para o futuro.
No caso do adiamento (ou não) do cronograma de São Paulo, a decisão final não
está tomada ainda, mas se depender do Gired, onde é preciso haver consenso, é
difícil que essa indicação aconteça. E mesmo que ocorra, a decisão só viria
depois do pagamento da parcela da EAD.
Nessas disputas, o peso da radiodifusão e a fragilidade política do governo
foram determinantes. Nos casos aqui em pauta, perderam as teles, que até aqui
vinham confiantes no discurso político pró-investimento do governo. Não se sabe
se em outras decisões políticas, como no apoio à mudança de modelo em tramitação
no Congresso, o governo ainda irá recuar. Mas são todos episódio que nos lembram
que, no Brasil, o fator político nunca deve ser desprezado, mesmo nas questões
aparentemente técnicas.