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Leia na Fonte: Tele.Síntese
[11/01/13]
A Anatel e o esqueleto no armário - por Miriam Aquino
Miriam Aquino (foto), jornalista há mais de 30 anos, é diretora da Momento
Editorial e responsável pela sucursal de Brasília. Especializou-se nas áreas de
telecomunicações e de Tecnologia da Informação, e tem ampla experiência no
acompanhamento de políticas públicas e dos assuntos regulatórios.
No
dia 17 de janeiro o Conselho diretor da Anatel retoma o processo deliberativo.
Uma boa oportunidade para uma reflexão retrospectiva sobre as atividades da
agência do ano passado. Duas são as marcas positivas da gestão Paulo
Bernardo/João Rezende no front político-regulatório de 2012: tiraram o esqueleto
do armário e não adiaram decisões importantes.
O fim do caso Unicel, com a cassação e extinção das duas licenças, foi, sem
dúvida, a decisão mais acertada e mais firme tomada pelo colegiado sob o comando
dos dois. Esquecendo-se do grande componente político que envolvia esta empresa,
havia argumentos fortes dentro do atual governo favoráveis à sua revenda.
Aqueles que defendiam a venda da Unicel para a Nextel argumentavam que era a
forma de a União receber o valor devido pelas frequências que não foram pagas.
Agora, avaliam essas fontes, até que a Anatel consiga fazer novo leilão, vai
demorar muito, pois os controladores da Unicel devem recorrer à justiça, que
pode postergar por anos para dar o caso por encerrado.
Mas se a Anatel aprovasse a venda desta empresa para a Nextel, estaria premiando
os seus controladores, que não pagaram funcionários, fornecedores ou a União, e
esses inadimplentes saíram com bons milhões de reais em seus bolsos . Por isto,
a decisão da agência foi a mais acertada.
Uma rápida retrospectiva para mostrar como esta empresa surgiu no cenário de
telecom brasileiro e por que seus donos não poderiam ser premiados pelo Estado
brasileiro:
A Unicel apareceu no mercado de telefonia celular sob o manto da polêmica desde
seu início. Em 2005 a Anatel lança uma licitação para a venda de algumas
frequências de celular. Dela participa a Unicel, de propriedade da família Melo
e Silva, presidida por José Roberto Melo e Silva, um técnico conhecido do
mercado de telecom, que se indagava, porém, quais eram os parceiros que iriam
participar com ele daquela empreitada. E logo se viu que a empresa não tinha
qualquer parceria financeira de peso.
Ganhou a licitação de uma frequência no mais rico mercado brasileiro– a região
metropolitana paulista – mas foi desclassificada pela Anatel, pois não depositou
as garantias exigidas no edital, de meros 10% do valor do preço mínimo (R$ 90
milhões à época). A empresa recorreu e acabou ganhando na justiça o direito de
ficar com a frequência, decisão tomada por cautelar. Em abril de 2007, o
conselho da Anatel declara-a vencedora da licitação. Em julho daquele ano, o
termo de autorização (que é o seu contrato) é publicado no Diário Oficial.
Uma família sem qualquer tradição em outro ramo de negócios, sem recursos e sem
parceria consistente iria se meter neste segmento de altíssima concentração de
capital por que motivo? A especulação mais razoável do mercado era que o grupo
iria vender rapidamente seu principal ativo – a frequência – e sair altamente
capitalizado, mas dando um ponto final nesta aventura.
Comenta-se que a Oi chegou a fazer uma oferta firme à Unicel, pois precisava
entrar no mercado paulista, mas parece que ambição da família e de seus
porta-vozes era grande demais, fazendo com que a Telemar desistisse da compra e
preferisse disputar no preço um novo leilão promovido pela Anatel.
Chegam os árabes
A diferença entre o preço que a família estipulava para este ativo e aquele que
o mercado considerava razoável era tanta, que outra parceria/venda, que chegou a
receber a anuência prévia da Anatel, também não se concretizou. Em 2008,
obrigada pelo edital a cumprir um cronograma de cobertura, a Unicel chega a se
lançar no mercado paulistano, com o esquisito nome fantasia de “a e i o u”. Ao
mesmo tempo, anuncia um acordo de venda de 49% de suas ações para o grupo árabe
Hits do Brasil Empreendimentos e Participações.
No início de 2009, porém, o ex-futuro sócio ingressa com pedido de arbitragem em
fórum internacional, pois alega que teria feito aporte de US$ 22 milhões na
empresa brasileira, mas a família Melo da Silva não teria cumprido a sua parte,
de promover a reestruturação societária prometida, para permitir o ingresso do
sócio.
Por que a família Melo e Silva era tão intransigente na definição do preço de
seu ativo, sabendo que não tinha qualquer condição financeira para tocar o
negócio? Aí entra o ingrediente político. José Roberto Melo e Silva era padrinho
de casamento de Erenice Guerra, que ascendia politicamente no governo petista. E
o marido de Erenice, também José Roberto, mas Camargo Campos, era o porta-voz da
empresa junto ao governo e à Anatel. E Erenice foi ganhando poder, até virar a
ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Trunking
Com o fortalecimento político de tão ilustre consorte, a Unicel tem também
contemplada pela Anatel outro pleito, em uma das maiores ilegalidades já
praticadas por esta agência reguladora.
Tudo começou em 2004, por, dizem alguns, pura disputa de vaidades entre
superintendentes da Anatel. Mas o fato é que foi feita uma chamada pública para
a ocupação da faixa de frequência de 411 MHz. O problema é que esta faixa não
havia sido sequer regulamentada pela área competente. Mas duas empresas se
inscreveram para ter um naco deste espectro. Entre elas, a nossa conhecida
Unicel (que na época tentava firmar um acordo com um fabricante de trunking que
atuava na área de segurança norte-americana).
Convencida de que a inscrição bastava para receber a frequência, a Unicel passou
todo o ano de 2004 em busca da licença, contra o parecer da área técnica da
Anatel. Em fevereiro de 2005, o conselho diretor referenda a decisão técnica,
mas entende que um novo chamamento poderia ser feito, já que a frequência estava
finalmente regulamentada. A Unicel contesta este entendimento. Recursos e contra
recursos foram lançados, até que, em setembro de 2005, a procuradoria da Anatel,
liderada por Domingos Bedran ( depois, ex-conselheiro, que foi abatido em sua
recondução justamente por causa deste assunto) acaba respaldando o argumento da
empresa, mas adverte que a licença só poderia ser concedida pelo Conselho
Diretor da Anatel.
Aí vem a ilegalidade explícita. O então presidente da agência, Elifas Gurgel do
Amaral chamou para si a decisão que seria do conselho e admitiu como legal o
pleito da empresa, referendando o chamamento público de 2004 e considerando que
não havia razões para fazer licitação da frequência. A procuradoria da Anatel,
em outubro de 2005, confirmou a decisão de Elifas, que mandou, então, expedir o
ato de outorga.
Mas os técnicos da Anatel não reconheceram a decisão monocrática do presidente e
o processo volta para o conselho diretor, que tem como relator o ex-conselheiro
Pedro Jaime Ziller de Araujo. Pedro Jaime acaba encontrando a solução para
atender a grupo tão poderoso: anula o ato ilegal, mas reconhece o direito da
empresa à licença e manda seu voto para o conselho diretor. Desfalcado, o
conselho aprova a proposta por apenas três votos favoráveis. José Leite Pereira
Filho vota contra. Ele queria a cassação da licença.
Em fevereiro de 2009, a Unicel e a diretoria da Anatel conseguem um importante
aliado: o Tribunal de Contas da União considera legal o último ato do Conselho
Diretor. Mas aí, a família já estava se perdendo em sua própria ambição, com as
disputas no front da telefonia celular. E o contrato com a outorga de trunking
que deveria ser também assinado, dormia na gaveta do técnico mais atento.
Em setembro de 2010, depois de denúncias de tráfego de influência em diferentes
áreas do governo, Erenice Guerra deixa a Casa Civil e a Controladoria Geral da
União manda a Anatel cancelar a licença de trunking. Este pedido fica parado no
gabinete da ex-conselheira Emilia Ribeiro mais de 18 meses, até que, pelas mãos
de um conselheiro substituto, ele retoma à pauta de deliberação, e é encerrado,
juntamente com a intenção de compra e com a licença do celular. Mas para que a
decisão fosse tomada na instância superior, a área técnica já havia aberto o
processo sancionatório.
Depois de passar por tantas linhas até aqui escritas, o leitor que ainda está
comigo deve estar rindo do que escrevi no primeiro parágrafo: de que a dupla
Bernardo e Rezende não adiam tomadas de decisões, sejam elas as mais complexas
ou politicamente explosivas. Mas continuo pensando isto mesmo, pois a decisão de
tirar o esqueleto do armário foi tomada em rito sumário. Em uma única reunião
acabou-se com os três problemas (uma licença de trunking não outorgada, uma
licença de celular outorgada e uma intenção de compra de uma empresa atolada em
dívidas que só iria premiar aqueles que a levaram a isto).
Outras medidas
Além disso, 2012 foi um ano muito intenso para o setor: Paulo Bernardo quebrou
tabus e reduziu impostos (ato que ainda precisa ser confirmado este ano pelo
Tesouro Nacional), dando uma importante sinalização para o mercado, e,
principalmente, para o governo, de que este é um setor produtivo e não apenas um
setor de arrecadação tributária.
Sob apresidência de Rezende, a Anatel reduziu VU-M, criou um plano de competição
e cortou os preços de atacado da banda larga. A Anatel interveio também nas
vendas das celulares e mudou os planos para ligações móveis “derrubadas” e criou
metas importantes de qualidade para a banda larga. Os resultados deste conjunto
de medidas começarão a aparecer com mais vigor este ano.
Como dívida, a radiodifusão, cuja legislação continua arcaica, e a falta de uma
estratégia para a construção dos próximos 10 anos da sociedade do conhecimento.