FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Abril 2004 Índice (Home)
12/04/04
• Uma grande notícia para a Justiça Brasileira: "Informatização do Processo"
Notícia comentada:
Em uma iniciativa pioneira,
a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de São Paulo e o Tribunal de Alçada
Criminal de São Paulo apresentam este projeto piloto de informatização do
processo. Trata-se de uma experiência inovadora de substituição do papel que
permitirá, ao mesmo tempo, apresentar à sociedade uma alternativa para melhoria
dos serviços judiciais e difundir modernas tecnologias de assinatura digital
entre os profissionais do Direito.
O projeto, tornado público em 30 de março de 2004, será desenvolvido ao longo
dos meses seguintes, com a interposição eletrônica de pedidos fictícios de
Habeas Corpus, a serem apreciados pelo TACRIM. Todos os atos processuais serão
praticados eletronicamente e nesta forma permanecerão, isto é, não haverá
impressão em papel, nem antes nem depois da prática do ato. Nisto reside o
principal mérito do projeto pois, com o uso de assinaturas digitais, o arquivo
eletrônico assinado pode ser considerado a representação original do ato
processual, conferindo segurança técnica e jurídica compatíveis com a
importância do ato.
O nível de segurança obtido com o uso de assinaturas digitais permite
disponibilizar os atos processuais em uma página web, aberta ao público em
geral. Desta forma, segundo a concepção ora adotada, os tradicionais autos em
papel são substituídos por arquivos eletrônicos, disponíveis online em caráter
público e contínuo. As intimações dirigidas às partes serão também realizadas
eletronicamente.
A apresentação deste projeto ao público deve ser vista como um primeiro passo de
um trabalho que se inicia e que deverá amadurecer durante o seu desenvolvimento.
Assim, a comunidade juridica e a sociedade brasileira como um todo estão
convidadas a acompanhar este projeto, apresentando sugestões e críticas para o
seu aprimoramento.
Seguem abaixo, na forma de perguntas e respostas, os principais detalhes do
projeto.
- Como o projeto será desenvolvido?
Um primeiro Habeas Corpus foi apresentado eletronicamente em 30 de março de
2004. Periodicamente, outros HCs serão interpostos e todos eles seguirão o
trâmite processual regular até julgamento final.
- Preciso interpor um HC com urgência. Posso utilizar este projeto?
Todos os processos deste projeto são fictícios. O objetivo é experimentar o uso
cotidiano da tecnologia, simulando situações concretas. Para propor um HC
relativo a fatos reais, utilize a forma aceita pelo Tribunal competente.
- Qualquer pessoa pode participar do projeto?
A prática de atos processuais será restrita aos advogados, juízes e promotores
que foram indicados para os trabalhos. A população em geral e a comunidade
jurídica em particular estão convidadas a acompanhar o desenvolvimento do
projeto. A conferência das assinaturas poderá ser feita por qualquer pessoa, o
que certamente permitirá compreender um pouco mais os conceitos que estão aqui
envolvidos. Sobre esta conferência, serão dados mais detalhes abaixo.
- Como os atos processuais serão praticados?
Os atos serão redigidos e assinados digitalmente no computador pessoal do
sujeito que os pratica. A assinatura digital ficará gravada em um segundo
arquivo eletrônico. Por exemplo, se o advogado salvou em seu computador um
pedido de HC como hc123.html, a assinatura digital será gravada em outro
arquivo, como hc123.html.sig. Uma vez conectado à Internet, o sistema pedirá que
estes dois arquivos sejam indicados, fazendo-se o seu envio ao Tribunal.
Uma vez recebidos os dois arquivos, procede-se imediatamente à conferência da
asssinatura pelo sistema. O arquivo será recebido se estas duas condições se
verificarem: a) a assinatura digital for válida para o ato praticado, indicando
que o conteúdo do ato não foi modificado; b) a assinatura emanar de sujeito
autorizado a participar do projeto.
Aceito o arquivo, o sistema também o assinará digitalmente, reforçando a sua
segurança. Assim, todos os atos do processo estarão protegidos por duas
assinaturas digitais, uma de quem pratica o ato e outra produzida pelo sistema,
impedindo sua modificação posterior. Além disso, para as partes, tal assinatura
terá função análoga à do carimbo de protocolo, comprovando a entrega da petição.
Em questão de segundos, e sem intervenção humana, o ato praticado é "autuado",
ou "juntado", ficando imediatamente disponível na página web que representa os
autos eletrônicos do processo.
- O que são assinaturas digitais?
A assinatura digital é o resultado de uma complexa operação matemática aplicada
sobre o documento eletrônico a assinar. Para produzir uma assinatura digital, o
sujeito deve previamente possuir um par de chaves criptográficas, composto de
uma chave pública e outra privada, que seja reconhecido como seu. A assinatura é
produzida com o uso da chave privada e pode ser conferida com a chave pública.
Se a conferência com a chave pública for positiva, isso indica que a assinatura
foi produzida pela chave privada correspondente e que o documento não foi
posteriormente modificado.
Apesar de se tratar de um conceito bastante sofisticado, a tecnologia necessária
para utilizar assinaturas digitais é de domínio público. Um aplicativo foi
desenvolvido especialmente para este projeto, a fim de facilitar a produção e
conferência das assinaturas digitais.
- Como o sistema reconhece que a assinatura pertence a um integrante do projeto?
Utilizando certificados digitais. A certificação digital é um mecanismo para
identificar o titular de chaves públicas, que, por sua vez, servem para conferir
assinaturas (v. questão anterior). A organização das técnicas e procedimentos de
certificação é conhecida no jargão técnico pelo nome de Infraestrutura de Chaves
Públicas (ICP).
Segundo a concepção deste projeto, cabe à OAB, ao Poder Judiciário e ao
Ministério Público expedir certificados digitais para os seus membros. Desta
maneira, basta que um sistema informático possua as chaves públicas destas três
entidades para que todo e qualquer membro destas carreiras jurídicas esteja
habilitado a praticar atos processuais. Não é necessário arquivar dados de todos
os operadores do Direito, nem tão pouco suas chaves digitais individuais. A
chave da entidade certificadora, no caso, OAB, PJ ou MP, é suficiente para
validar as chaves públicas de todos os integrantes das respectivas carreiras.
A Ordem dos Advogados do Brasil já instituiu sua infraestrutura de chaves
públicas, que entrou em funcionamento oficial em 14 de outubro de 2002. Desde
então, o certificado eletrônico da ICP-OAB é considerado documento de
identificação do advogado para fins profissionais.
- Tenho um certificado expedido pela ICP-OAB, mas ele não foi aceito pelo
sistema.
Uma vez que este projeto piloto não foi concebido para apreciação de casos
reais, mas apenas para experimentar a tecnologia em processos fictícios, as
chaves oficiais da ICP-OAB não foram instaladas no sistema. Criou-se uma ICP
fictícia, expedindo-se certificados apenas para os participantes do projeto.
E considerando que, na divulgação deste projeto, as chaves de assinatura serão
utilizadas em ambientes pouco seguros, como em computadores destinados a
apresentações públicas, por mais esta razão optou-se por não utilizar as chaves
oficiais da ICP-OAB.
- Como serão feitas as intimações?
Intimações, do modo como as fazemos hoje, custam caro. Eletronicamente, do modo
como sugerido neste projeto, não custarão quase nada. Diante desta vantagem, e
para simplificar o desenvolvimento e operação do sistema, optou-se por intimar
os advogados de todos os atos do processo, e não apenas das determinações
judiciais.
Assim, na medida em que um ato é praticado, o sistema inclui o processo
automaticamente, sem intervenção humana, no rol das intimações do dia seguinte.
Ao final do dia, um arquivo único, contendo todas as intimações, é assinado
digitalmente pelo sistema e publicado online no dia imediato. As intimações são
consideradas efetuadas na data de publicação do referido arquivo, à semelhança
do que ocorre com as publicações no órgão oficial.
Uma vez que todos os atos do processo estão disponíveis para acesso remoto,
basta que a intimação informe que houve a movimentação, sem necessidade de
incluir textualmente o seu conteúdo. Basta um hiperlink, apontando para a página
web do processo.
- Como serão os autos eletrônicos?
Os autos de cada processo são aqui representados por uma página web, em que cada
ato processual ocupa uma linha contendo três hiperlinks. O primeiro aponta para
o arquivo eletrônico contendo o ato processual; os outros dois apontam,
respectivamente, para as assinaturas digitais do sujeito que praticou o ato e do
sistema.
Assim, o conteúdo dos atos processuais ficará publicamente disponível, para
qualquer um conhecer, mesmo que não possua conhecimentos mais profundos em
informática ou em lidar com assinaturas digitais. As assinaturas, que garantem a
autenticidade do ato, também estão disponiveis para conferência pública, mas
para isso é necessário algum conhecimento e o uso de aplicativos específicos.
- Como é possível conferir as assinaturas digitais que estão nos processos?
As assinaturas seguem um padrão público internacional conhecido por PKCS7.
Qualquer programa de computador que siga este padrão poderá ser utilizado para
conferir as assinaturas digitais dos integrantes do projeto. Será necessário,
apenas, instalar as chaves da ICP fictícia que foi criada para emitir estes
certificados.
Para facilitar, a OAB-SP desenvolveu um programa de fácil uso que está
disponível gratuitamente. Neste caso, basta baixar o programa para o seu
computador e instalá-lo. As chaves da ICP fictícia serão instaladas
conjuntamente com o programa.
Uma vez de posse de um programa que permita conferir assinaturas digitais no
formato PKCS7, o segundo passo é salvar em seu computador os arquivos que estão
na página web do processo eletrônico.
Importante: os arquivos devem ser baixados diretamente a partir do link. Ao
apertar o botão contrário do mouse (em regra, o botão direito, se o usuário é
destro) sobre o hiperlink, o programa navegador (browser) exibe um menu onde se
encontra a opção de salvar o conteúdo do link no disco rígido de seu computador.
Se o ato processual for aberto no navegador e salvo a partir desta janela, é
bastante provável que o arquivo seja modificado no momento de gravar, o que
invalidará as assinaturas em relação à cópia guardada no seu computador.
Tendo o arquivo contendo o ato processual e suas assinaturas, pode-se proceder à
conferência, seguindo as especificações do programa de computador que foi
escolhido. Um teste que certamente será ilustrativo acerca da segurança do
sistema consiste em alterar o ato processual gravado em seu computador e tentar
realizar a conferência das assinaturas.
- O processo eletrônico é 100% seguro?
Nenhum mecanismo de segurança, físico ou eletrônico, é 100% seguro.
Em comparação com o papel, os atos assinados digitalmente são certamente mais
seguros sob o ângulo de sua preservação. Os arquivos eletrônicos contendo o ato
processual e suas assinaturas podem ser reproduzidos infinitamente e cada uma
destas “cópias” conserva as mesmas propriedades do “original”. Isso significa
que, em caso extremo de destruição dos arquivos armazenados nos computadores do
Poder Judiciário, qualquer cópia de segurança, mesmo em poder das próprias
partes, poderá ser utilizada na recomposição do processo, bastando que as
assinaturas sejam válidas. Igualmente, não se mostra tecnicamente viável a
falsificação posterior de documento já assinado digitalmente. A constatação de
adulteração do conteúdo do documento é feita de forma imediata.
Assim, é praticamente nula a possibilidade de alguém invadir o sistema e
modificar o conteúdo dos atos processuais sem que isso seja detectável de forma
imediata pela mera conferência das assinaturas. Após eventual invasão, bastaria
recuperar os arquivos de uma cópia de segurança.
De outro lado, o uso de assinaturas digitais cria novas necessidades de
segurança, inexistentes quando se lida com o papel. É fundamental que cada
usuário proteja suficientemente a sua própria chave privada, pois o acesso a ela
permitirá produzir assinaturas digitais como se fosse o verdadeiro titular. É
importante que o usuário tenha plena consciência disso, bem como seja instruído
a corretamente proteger o acesso à sua chave privada.
- A OAB-SP e o TACRIM estão desenvolvendo tecnologia para uso no processo
judicial?
Não. A OAB-SP e o TACRIM estão desenvolvendo conceitos jurídicos que aplicam
tecnologia já existente. A tecnologia utilizada é de domínio público e estão
sendo utilizados alguns programas livres. Este é um aspecto importante do
projeto, que utiliza padrões internacionalmente estabelecidos.
----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
wirelessbr@yahoogrupos.com.br ; Celld-group@yahoogrupos.com.br ;
Sent: Monday, April 12, 2004 10:34 PM
Subject: [wireless.br] Uma grande notícia para a Justiça Brasileira: não
deixem de ler
Prezados,
Pela importância histórica tanto para os meios de TI quanto jurídicos, tomo a
liberdade de repetir aqui a notícia.
Conheci os detalhes deste projeto abaixo pelas mãos do dr. Alexandre Atheniense,
que, juntamente com o dr. Marcacini/SP, convidaram-me para o recente lançamento
do projeto-piloto, semana atrasada, em SP, num convênio fantástico, do TACrim
(Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo) e OAB/SP.
Li, com muita atenção, todos os detalhes da também recém-instalada ICP-OAB,
voltada para o uso de certificado digital baseado em software "freeware", criado
e adaptado às últimas exigências da lei brasileira (inclusive da MP 2200 e do
NCC).
A ICP-OAB pode ensejar a instalação, gratuita, no âmbito de qualquer Tribunal
brasileiro, de uma própria infra-estrutura de chaves de encriptação, que poderá
"falar" e interagir com os certificados OAB, sem quaisquer custos de aquisição
de softwares proprietários, ou de pagamentos de "royalties", flexibilidade que
torna a questão da segurança no tráfego de documentos absolutamente resolvida,
para os níveis de segurança que se exige para o trabalho técnico-jurisdicional.
E o projeto, em si, do Processo Eletrônico, tal como detalhado abaixo (além de
receber a infra-estrutura de segurança por software livre, não-proprietário), é
uma das mais belas propostas destes últimos tempos.
Uma comunidade de Magistrados e Advogados, que, surgidos há séculos do mesmo
seio, renasce agora, de mãos dadas, por obra de um piloto-único de tecnologia,
no ato de experimentarem, juntos, caminhos e opções de telemática e informática,
para que advogados e Juízes (com eles, o interesse comunitário brasileiro)
possam estar, em suas funções, atados ciberneticamente, ou, interconectados, no
exercício de seus respectivos ofícios.
Os Advogados irão peticionar os interesses das partes e os Juízes irão decidir
esses interesses à distância, livres dos deslocamentos físicos, dos entraves
burocráticos, das filas de protocolos, da insuportável lida com os volumes
físicos de papéis, e com uma soberba de economia, nas duas pontas (da iniciativa
privada e do serviço público-jurisdicional), de tempo, espaço, e dinheiro.
Os dados eletrônicos que hoje a sociedade civil já produz em grande volume,
complexidade, e magnitude, serão absorvidos, para análise jurídica e judicial,
com compatibilidade de forma, e a prova da vida civil e de sua dinâmica será
interpretada e visualizada não mais no seio inóspito do papelório físico dos
processos, guardados na escuridão das prateleiras forenses, mas no ambiente
clarificado e democratizado dos bancos eletrônicos de dados e das redes que unem
os computadores e suas capacidades de processamento.
Juízes e Advogados de SP vão, em suma, mudar a cultura "do processo"
encadernado, físico, anti-higiênico, desestimulante.
Vão romper com a idéia barroca do monumento (ao conservadorismo e ao
engessamento) que tem cruzado os tempos e feito da Justiça (em seu sentido lato)
pouco mais do que uma caricatura, que, hoje, acaba por enodoar a todos,
Magistrados e Advogados.
O prestígio de uns e outros, não tenhamos dúvida, será proporcional ao sucesso
ou ao insucesso de iniciativas modernizantes como essa.
Sem qualquer ufanismo, estão lançando, em São Paulo, para o mundo, amarras
brasileiras da mais pura modernidade, tal qual fizemos com o processo eleitoral
inteiramente eletrônico, que hoje está sendo copiado em vários países, inclusive
do "Primeiro Mundo".
Fica aqui, portanto, uma ode, um convite, a uma celebração, desde já justa e
merecida, que homenageie esta FANTÁSTICA (com "F" maiúsculo) união de São Paulo,
que, em tudo e por tudo, há de ser copiada em MG, no RJ, e no resto do país.
Particularmente, tão logo inteirado do projeto pelo dr. Alexandre, levei a
iniciativa ao conhecimento da Comissão de Informática do TJMG-Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, da qual faço parte por designação da Presidência do
TJMG.
Espero que ela se repita um dia por aqui.....para cuja realização são
necessárias "andorinhas de boa-fé", como essas que acabaram iluminando São
Paulo, especialmente o TACRIM-SP e a OAB-SP.
Abraços,
Fernando Botelho