FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Setembro 2004 Índice (Home)
02/09/04
• Unbundling (EUA x Brasil)
----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br ; abdimg@yahoogrupos.com.br ; Celld-group@yahoogrupos.com.br
Sent: Thursday, September 02, 2004 12:31 PM
Subject: [wireless.br] Unbundling (EUA x Brasil)
Prezados,
Não deixem de conferir (abaixo) notícia recente sobre o unbundling
norte-americano.
A FCC, premida por decisão judicial, acaba de extingui-lo, como um instituto de
caráter obrigatório, para a última milha - serviços fixos-locais.
Trata-se de notícia tão importante quanto a da sua instituição, anos atrás.
Foi um curto período de sobrevivência do instituto/obrigatório, cuja fundação
partiu de numa premissa: a da necessidade de flexibilização do monopólio natural
da infra-estrutura de redes em serviços locais, em prol do estímulo à
concorrência e proteção ao consumo.
Mas, o complexo regulatório a ele destinado, em tempo algum, durante sua curta
vida nos USA, conseguiu impedir ou conter em níveis suportáveis, dois problemas
consequentes:
(a) a intensificação de disputas judiciais surgidas desta obrigatoriedade entre
incumbents e novos entrantes (leia-se, a "quaestio" da "quebra" forçada do
conceito de propriedade da rêde, em favor da concorrência e do atendimento ao
consumo); e
(b) a inibição da inovação tecnológica destas mesmas rêdes, que deixaram de
receber, por parte de seus primitivos proprietários, substanciosos investimentos
em modernização, com prejuízo (paradoxal) para o próprio consumo.
A FCC, lutando contra as mais intensas sazonalidades do unbundling instalado, já
vinha sinalizando esta extinção (da aplicação obrigatória) - ou caminhando na
sua direção - há algum tempo.
Ela está consolidada agora.
O problema, de ora em diante, passa então a ser outro.
É que a instituição do unbundling/obrigatório, nos EUA, constituiu leading case
internacional, e a experiência norte-americana vinha sendo estudada para
adequação de iniciativas similares noutros lugares do mundo.
Mas, agora, tem-se apenas a história passada do unbundling (da última milha):
história de conflitos, de decisões judiciais intervencionistas e modificativas
de normas regulatórias, de inibição de investimentos indispensáveis à inovação,
e, hoje, de extinção total da experiência.
O Brasil, recentemente, teve instituído o unbundling, ainda sem detalhamento
regulatório mais rigoroso, e sem ter colhido, por enquanto, prática mais densa
do novo instituto, consequentemente sem ter visto, ainda, intervenção judicial
quanto a querelas ligadas ao tema.
Em resumo, estamos começando a construir a nossa história em termos de
unbundling - que acaba de acabar nos EUA.
Abs.,
Fernando Botelho
O paradoxo do unbundling
O setor de telecomunicações
viveu nos últimos dois meses uma fase de decisões importantes, tomadas pelos
órgãos reguladores no Brasil e nos Estados Unidos.Trata-se de ações estratégicas
que influenciarão diretamente os mercados dos dois países, mas uma delas, em
especial, chama a atenção por representar a tomada de direções opostas sobre um
assunto bastante polêmico: o unbundling (normalmente traduzido como desagregação
ou desmembramento de rede, ou seja, a exigência de que as redes das teles fixas
sejam alugadas para que outras empresas também possam operar a telefonia local
fora de suas áreas de concessão).
Ao mesmo tempo em que a Anatel, no fim de junho, abria ao debate público a
regulamentação das tarifas de interconexão e remuneração pelo uso das redes das
operadoras de telefonia fixa, a FCC, o órgão americano regulador das
telecomunicações, começou a fazer o movimento inverso. Naquele mesmo mês, o
Tribunal Superior de Justiça daquele país emitiu sua posição final, mantendo a
decisão da agência reguladora que acabava com a obrigação do unbundling por
parte das chamadas incumbents. Com isso, a partir de agora, quem quiser – por
opção ou necessidade – compartilhar a rede de outra operadora para ter acesso
local à última milha nos EUA terá que negociar livremente o preço a ser pago com
a dona da rede.
Como era de se esperar, após oito anos trabalhando com os preços definidos pela
FCC, nenhuma das operadoras entrantes na telefonia local (CLECs) gostou da idéia
de negociar diretamente com as incumbents (ILECs), mesmo diante dos fortes
sinais de que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde.
Para entender os motivos que levaram a essa decisão é preciso relembrar o
processo de constituição daquele mercado.A telefonia fixa foi regulamentada nos
EUA em 1984, quando a AT&T (similar à Telebrás) foi dividida em uma operadora de
longa distância e outras sete empresas de telefonia local (as famosas Baby Bells).
Seis anos depois, essas empresas foram autorizadas a competir em outras regiões
do país. Em 1996, de acordo com a Telecommunications Act (lei que inspirou a Lei
Geral das Telecomunicações no Brasil), as operadoras podiam oferecer serviços de
longa distância, mas para vendê-los tinham de manter “condições isonômicas de
competição”, além de serem obrigadas a compartilhar suas redes com as
concorrentes e empresas-espelho.
Naquela época, a FCC recebeu 14 pedidos de empresas para prestar serviços de
longa distância. Depois disso, estabeleceu os preços para cada parte da rede,
incluindo a última milha, considerada até hoje em todo o mundo como um dos
maiores monopólios “naturais” do mercado de telefonia fixa. Hoje o que se
verifica é que das 14 operadoras que obtiveram autorização, menos da metade atua
com sucesso. Com isso, o mercado ficou dividido praticamente entre as incumbents
SBC, BellSouth, Verizon e Qwest, que detêm as redes, e as entrantes AT&T, MCI e
Sprint, que detêm as maiores participações no mercado de longa distância, mesmo
sem possuir infra- estrutura própria.
A reação do mercado diante da decisão da FCC de acabar com a exigência de
desmembramento de rede foi recebida a princípio com histeria pelas empresas que
perderam a garantia de preço, mas com alívio pelas donas das infraestruturas,
que agora podem investir livremente em novas tecnologias, sem ter que dividir
suas novas redes com as concorrentes por preços que, segundo elas, não cobrem
nem a metade dos seus custos.
Para Steven Shepard, consultor especializado em telecomunicações que veio ao
Brasil em julho para participar de um evento com representantes do setor, a FCC
percebeu que o modelo adotado não estava funcionando conforme o previsto, além
de gerar uma enxurrada de ações nos tribunais contestando a regulamentação. “A
FCC viu que a propriedade da rede não é o fator decisivo para o usuário, mas sim
a entrega do serviço de forma diferenciada, que pode chegar até a casa dele via
pares de cobre, cabo ou até com o WiMax”, afirma o consultor.
Com o endosso do Tribunal Superior de Justiça à decisão da FCC, a expectativa no
mercado americano, especialmente dos fornecedores, é que haja uma nova onda de
investimentos na rede das incumbents. Um sinal claro nesse sentido foi anúncio
recente feito pela SBC de que irá investir US$ 6 bilhões na construção de uma
rede de fibra óptica. A operadora garante que até o ano que vem, 20 milhões de
linhas de acesso estarão conectadas à nova rede em 13 estados norte-americanos.
A reação das operadoras que não possuem rede à esses anúncios não foi muito
positiva. Quando a Bell South, por exemplo, informou que pretende lançar um
plano de leasing para alugar sua rede antiga, a oferta foi descartada e
ridicularizada publicamente pela AT&T. A MCI, por sua vez, tentou usar seu poder
de barganha alegando que seria obrigada a aumentar o preço cobrado aos usuários
finais ou, em última hipótese, suspender a oferta de serviços em algumas
regiões, caso os novos preços subissem para um patamar inviável economicamente.
De concreto até agora está o fato de as incumbents terem concordado em manter os
preços até o fim do ano e rever os planos somente após o resultado das eleições
presidenciais.
Outro desdobramento da decisão judicial, ao que tudo indica, será a retomada das
fusões e aquisições entre operadoras menores, que precisarão de maior escala
para conseguir negociar preços em condições menos desfavoráveis. “As operadoras
estão revendo suas estratégias para atuar no novo modelo. Algumas terão
realmente que se unir a outras empresas para manter a viabilidade comercial.
Isso depende da estratégia de cada uma”, prevê o consultor Shepard.
Equilíbrio do mercado
O analista ressalta, porém, que o comportamento monopolista do setor ainda está
impregnado no modo como as operadoras se posicionam em todo o mundo. Por isso,
para elas é mais difícil entender o sentido real de uma aliança, que é uma
relação na qual os dois lados ganham. “No mercado de telecomunicações só um quer
ganhar ou faz um acordo para, no máximo, matar um terceiro concorrente, e isso
não tem nada a ver com parceria”, ressalta.
Ao contrário do mercado americano, que caminha para uma discreta
desregulamentação, no Brasil a Anatel, após um longo tempo protelando uma
definição, resolveu intervir para tentar regulamentar o unbundling, já que as
operadoras não conseguiram chegar a um acordo. Na opinião do consultor da área
de telecomunicações da Bearing Point, Carlos Rocha, a intervenção é necessária
para que o setor consiga evoluir, no médio prazo, para uma etapa mais madura.
Segundo ele, o unbundling é um assunto crítico em todo o mundo e nenhum país
pode afirmar que conseguiu superar a questão de forma totalmente
satisfatória.“Nos EUA, as agências reguladoras estaduais tinham regras
contraditórias entre si, que acabaram gerando uma enorme quantidade de ações
judiciais, enquanto na Europa as incumbents continuaram com participações de
mercado altíssimas, porque lá elas forneciam tanto os serviços locais quanto os
de longa distância. Enfim, o unbundling não pode ser resolvido em alguns meses
porque é um processo que é construído com o tempo”, avalia Rocha.
Apesar da LGT não ter obrigado as incumbents brasileiras a fazerem o unbundling
como condição para a oferta de serviços de telefonia fora de suas áreas de
cobertura, a exemplo do que aconteceu nos EUA, ainda existem alguns pontos
positivos no modelo brasileiro que podem garantir um certo equilíbrio no
mercado, desde que sejam bem trabalhados.
Na opinião de Serafino Abate, analista da Ovum especializado em interconexão, a
regulamentação única da Anatel é uma dessas grandes vantagens. Ele explica que
como existe um só órgão regulador em todo o País, as brechas para decisões
paralelas, em âmbito estadual, são bem menores do que as existentes nos EUA.
Além disso, segundo ele, como o mercado nacional não está tão evoluído quanto o
europeu e o americano, a agência não só tem a possibilidade de evitar as falhas
existentes nos outros modelos, como também tempo hábil para corrigir possíveis
desvios de rota. “Todos os modelos tem grandes falhas. O europeu, implantado em
1998, é totalmente diferente da nova regulamentação adotada em julho de 2003,
que ainda está em transformação. Nos Estados Unidos, por outro lado, percebemos
que a decisão da FCC serve muito mais para aliviar a pressão das grandes
operadoras do que realmente aumentar as opções para o usuário final”, opina.
Outro ponto importante a ser levado em conta pela Anatel é que, apesar do
unbundling tratar da quebra de um monopólio físico, baseado na rede da
operadora, a evolução das tecnologias, cada dia mais dinâmica, está criando um
modelo mais convergente, no qual serviços e até mesmo empresas concorrentes
terão que atuar de forma única, chegando ao usuário de várias maneiras, além do
fio do telefone. “Na hora de decidir uma questão como o unbundling, a agência
deve levar em conta a convergência desses serviços, que pode não ocorrer agora,
mas virá em algum momento.Nesse momento, a regra não pode ser tão rígida a ponto
de inviabilizar a oferta de novos serviços”, alerta Ron Cowles, vice-presidente
do Gartner.
Por tudo isso, ao tratar de uma questão tão complexa como o unbundling, a Anatel
não pode esquecer que além da competição, o modelo de telecomunicações
brasileiro tem como outro pilar promover a universalização dos serviços. “Na
minha percepção, o objetivo da regulamentação não é criar competição, mas mudar
a maneira como os serviços são fornecidos aos usuários. A competição pode ser
usada para criar essa nova experiência. Mas ela é o caminho e não o destino da
trajetória”, conclui Shepard.
Autor: Ana Paula Oliveira
Data: 25/08/2004