FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Junho 2005 Índice (Home)
07/06/05
• Assinatura Básica (2)
----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: Celld-group@yahoogrupos.com.br
Sent: Tuesday, June 07, 2005 9:38 AM
Subject: Re: [Celld-group] Assinatura Básica
----- Original Message -----
From: <rodrigoof@brturbo.com.br>
Ao ler a análise do Fernando Botelho achei que seria interessante apresentar
alguns argumentos em sentido contrário até porque, em minha opinião, acabar com
a assinatura básica é completamente despropositado.
A idéia de que leis não podem afetar contratos já celebrados e em andamento há
de ser tomada com reservas pois, a meu ver, as obrigações decorrentes de
contratos firmados devem ser cumpridas apenas se a nova lei não as tiver
proibido.
Imaginem que a rinha de galo fosse atividade admitida e que eu firmasse contrato
para realizar um campeonato dessa natureza, obrigando-me a sediar e promover o
evento, bem como a fornecer alguns galos para treinamento dos campeões. O
contrato, no caso, seria ato jurídico lícito, perfeito e acabado.
Todavia, lei posterior caracteriza como crime a promoção ou participação em
rinha de galo. Sem que se possa dizer que a lei está a retroagir, o contrato
passa a versar sobre objeto ilícito, proibido por lei, e não pode ser cumprido,
nem posso eu ser compelido a fazê-lo. O simples fato de existir um contrato
prévio não me autoriza a praticar ato que passou a ser tido como ilegal.
Assim, se o Congresso Nacional decidir tornar ilícita a cobrança de assinatura
básica, ilícita ela será.
Ademais, é de se ressaltar o princípio da mutabilidade dos contratos de direito
público. O interesse público contido na prestação adequada do serviço público
permite até mesmo a alteração unilateral desses contratos,
conforme prevê a legislação.
Repita-se, não é caso de lei retroagindo no tempo, mas sim de lei gerando
efeitos futuros e impedindo uma determinada estrutura tarifária que o legislador
resolveu vetar.
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Evidentemente que, abolida a assinatura, cabe analisar os efeitos financeiros
decorrentes dessa modificação contratual, pois nesses contratos é imutável o
equilíbrio econômico-financeiro, aí entendido como uma relação
equilibrada entre a remuneração e o custo do serviço prestado.
A estrutura tarifária vigente é basicamente uma tarifa de duas partes, uma fixa
e outra variável ou, conforme denominado anteriormente, uma com medição e outra
sem medição. A literatura econômica é farta em demonstrar como mais apropriada
essa estrutura tarifária. Basicamente porque, como em qualquer indústria, o
custo do serviço pode ser decomposto em um custo fixo, que independe da
quantidade de serviço produzido ou consumido, e em um custo variável, que
depende da quantidade de serviço utilizado. Em se tratando de serviços em rede
e/ou infraestrutura, os custos fixos são muito maiores que os custos variáveis,
de modo que a forma mais eficiente, adequada e justa de se cobrar por esses
serviços é justamente reconhecendo-lhes essa característica. Não é sem razão que
essa estrutura é a mais utilizada no mundo todo em todos os serviços de rede
(água, energia, telefone, etc).
Ocorre que, se a lei proibir uma estrutura tarifária que permita a cobrança de
uma assinatura básica, será preciso reequilibrar o contrato para assegurar que
esses custos serão remunerados de outra forma. Como o concessionário é
usualmente remunerado pela cobrança de tarifas, bastaria reequilibrar as tarifas
e pronto.
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Notem que não é possível nenhuma mágica para baixar as contas. A tarifas
atualmente cobradas pela duração das chamadas não foram fixadas de modo a cobrir
custos fixos. Então não se trata de fazer com que consumidores
suportem novos encargos decorrentes de reequilíbrio econômico-financeiro, mas
tão somente de assegurar que sejam remunerados os custos efetivos de prestação
do serviço - custos fixos, custos variáveis e custos de capital.
Ou seja, nada será cobrado a mais dos consumidores, mas apenas os custos fixos e
outros custos que eram remunerados pela assinatura básica passarão a ser
remunerados pelas demais tarifas.
Ilícito seria não permitir às concessionárias cobrar tarifas que não cobrissem
seus custos. "Empobrecimento ilícito" seria forçar as empresas a cobrar tarifas
que sabidamente são inferiores aos custos médios de prestação
do serviço.
Acabar com a assinatura básica é quase trocar o 6 por meia-dúzia, só que é pior
pois, por razões econômicas, é uma estrutura ineficiente de preços que distorce
as decisões de consumidores (que irão desejar mais telefones) e de investidores
(que deixarão de investir, uma vez que as tarifas fixadas não permitirão cobrir
os custos nem remunerar os investimentos). Ou seja, trata-se de estrutura
tarifária que leva a níveis piores de produção e de
bem-estar da sociedade.
Se não houver esse re-equilíbrio os consumidores estarão pagando pelos serviços
muito menos que o custo efetivo de sua prestação. Haveria injustificada
transferência de renda das empresas para consumidores, ensejando o
enriquecimento sem causa destes.
Noto, ainda, que sequer seria possível lei que proibisse o reequilíbrio por meio
da recomposição tarifária. Há quem entenda que a Constituição prevê
expressamente a garantia de equilíbrio econômico-financeiro ao referir-se à
manutenção das condições efetivas da proposta vencedora da licitação. Nessa
linha, se houver lei que suprima a assinatura básica e impeça o aumento de
outras tarifas para compensar essa supressão, estaríamos diante de lei
inconstitucional, pois estaria a impossibilitar o reequilíbrio, a justa
contraprestação por serviços, a devida remuneração de investimentos realizados
por imposição estatal e, ainda, toda sorte de efeitos perversos sobre o mercado,
a inviabilidade da continuação da prestação das serviços, o afastamento de
investidores privados, inclusive o completo aniquilamento da concorrência. Quem
há de competir com uma empresa que cobra pelos serviços menos que o custo de sua
prestação? O efeito mais grave seria o excesso de linhas não rentáveis, todos
querendo duas ou mais linhas que nunca irão gerar receitas para cobrir o
investimento feito pela companhia para colocar tais linhas em operação. Teremos
todos telefones, dezenas de linhas por residência, e as concessionárias,
obrigadas por contrato a atender e instalar linhas em até 4 semanas, estariam
condenadas a investir e investir
e investir para colocar em operação todas essas linhas que jamais serão
rentáveis. Em pouco tempo quebrariam. É o samba do crioulo doido.
Com economia, não se brinca. Custa caro demais ao país. É absurdo pretender
suprimir a assinatura básica como se ela não existisse por alguma razão, como se
ela não remunerasse parte dos custos de prestação dos serviços.
Abraços
Rodrigo Fernandes
Rodrigo
Embora ambos de acordo quanto à necessidade do re-equilíbrio
(econômico-financeiro) para a hipótese de aplicação da nova lei, estamos em
divergência sobre a constitucionalidade dessa nova lei frente aos contratos
atuais.
Não quero polemizar aqui - pela total impropriedade do cenário - questões
jurídicas profundas ou teses jurídicas polêmicas, o que iria, seguramente,
afastar a comunidade (que é heterogênea) do interesse pelo debate, absolutamente
saudável, e para o qual nós, da área jurídica, temos um certo compromisso
natural, digamos assim, de fornecer a visão que se tornará inevitável nesse
assunto, que é a da repercussão sustentação jurídica da inovação pretendida.
Portanto e apenas para não deixar sem esclarecimento o ponto motivador da
divergência ressaltada abaixo, gostaria, sempre com o maior respeito pela
opinião contrária, de chamar a atenção para o fato de que questão criminal
(isto é, lei nova que defina como crime uma da atividade anterior) foge,
completamente, aos limites de análise dos contratos públicos que não tenham,
como objeto, matéria criminal.
Pois são esses contratos públicos - de delegação de serviços (públicos) - que
serão atingidos pela nova lei e que estão em foco aqui.
Não são outros. São apenas eles.
A nova lei - ainda sob exame do Congresso - não irá definir atividade anterior
como crime.
Não é esse o seu propósito.
Acho, por isso, que o princípio da incriminação de novas condutas não pode ser
aplicado a esta discussão.
A lei nova não fará mais do que inserir um tópico parágrafo no art. 103/LGT,
proibindo a inserção, no preço público por serviços de telecomunicações, de
tarifa-assinatura, sem, com isso, criar qualquer tipo-penal, qualquer crime,
novo.
A questão a saber é, assim, a do reflexo jurídico dessa tópica inserção nos
contratos públicos (de delegação) que a esta altura já estará, como estão,
firmados há muito tempo e em franca execução, pois este é o ponto crucial da
divergência (querendo, alguns, que esses contratos sejam restringidos pela nova
lei - para, com ela, retirar-se a exigibilidade da tarifa-assinatura; querendo,
outros, que eles sejam mantidos e respeitados integralmente, aí, então, sob a
regra de que os contratos não podem ser alterados por lei nova, pois são atos
jurídicos perfeitos e inalteráveis, como tais protegidos, dos efeitos de leis
novas, pela Constituição Federal).
Neste ponto - que não equivale a incriminação de qualquer conduta - a lei nova
irá se tornar aplicável a contratos já celebrados, ou será considerada
inconstitucional quanto ao intuito de sua aplicação a estes contratos anteriores
?
Esta, a questão.
Pessoalmente - e para o fim exclusivo de contribuição ao debate geral do tema,
aqui - não me parece possa a nova lei (que, insisto, não criará figura criminosa
nova) reduzir o objeto licitado contratado anteriormente.
É a Constituição que o diz, não sou seu !
Abs.,
Fernando Botelho