FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Junho 2005 Índice (Home)
08/06/05
• Assinatura Básica (3)
----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: Celld-group@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, June 08, 2005 10:00 AM
Subject: Re: [Celld-group] Assinatura Básica
----- Original Message -----
From: <rodrigoof@brturbo.com.br>
Em Direito, felizmente (ou não) mais de uma opinião é sempre possível e
defensável, por isso os debates são infindáveis. Nunca há verdades absolutas,
salvo aquelas que são definidas pelo STF, mas apenas enquanto os
Ministros não mudarem e opinião.
Apenas para deixar claro, a hipótese de tipificação de uma conduta foi apenas um
exemplo. Não pretendi colocar nesse plano o teor do projeto de lei (que até
mesmo desconheço, nunca o li). A idéia foi apenas de fazer um
paralelo em um contrato privado cujo conteúdo passa a ser proibido e, mutatis
mutandis, um contrato de concessão cuja estrutura tarifária contempla uma
determinada cobrança que a lei passa a proibir.
Mas fugindo da infeliz área criminal, há diversos exemplos de leis que alteraram
contratos de concessão em andamento. Algumas até a prorrogar contratos vencidos.
No setor de telecomunicações eu me recordo das permissões de Serviço de
Radiochamada Móvel Público-Restrito (acho que era esse o nome) que, com a Lei
Mínima, foram transformadas em concessões de serviço móvel celular.
Posteriormente, com a LGT, os contratos de concessão foram "adaptados" e as
concessões viraram autorizações de SMP. A permissão virou concessão e, depois,
transformou-se em autorização. As obrigações contratuais assumidas pelos
concessionários viraram pó.
No setor elétrico, as concessões possuíam tarifas fixadas pelo custo do serviço
mais uma remuneração de 12% ao ano e eram revistas a cada três anos (segundo uma
lei de 1993, se não me engano). Em seguida veio a Lei das
Concessões que adotou a "tarifa pelo preço" e acabou com a exclusividade das
concessões. Depois veio a Lei 9.074/95 e, enfim, a Lei 9.247/96, que redefiniu o
conceito de tarifa pelo preço e introduziu novas obrigações como
o compartilhamento de ganhos de eficiência. Em função da crise de abastecimento
e de inúmeras falhas regulatórias, diversas outras leis e medidas provisórias
foram editadas para alterar as regras de presatção do
serviço, instituindo sobretarifas, retirando sobretarifas, impondo novas
obrigações, impondo contratos forçados, impondo leilões de energia com diversas
restrições.... enfim, uma salada de leis a alterar preços, estruturas
tarifárias, mecanismos de fixação, revisão e reajuste de tarifas, obrigações,
etc.
O STF, ao julgar ADINs e ADC (acho que ADC nº 9) sobre as medidas provisórias
atinentes ao setor elétrico, entendeu constitucional que a lei alterasse a
estrutura tarifária para melhor atender ao interesse público. Em
linhas gerais, entendeu que era possível que lei criasse sobretarifas para que
os preços refletissem a escassez de energia.
Se o Supremo entendeu constitucional que, por razões de interesse público, a lei
viesse a alterar a estrutura tarifária, impor quotas de consumo e alterar
completamente o que estava pactuado - e apenas porque se tratava de serviço
público, óbvio -, é razoável ter como constitucional que uma lei venha a
modificar a estrutura tarifária de modo a suprimir uma cobrança que o Congresso
entenda ser indevida ou que não atenda ao interesse público.
Isso, que fique claro, é possível apenas se forem respeitados os direitos do
concessionário.
Qualquer contrato de direito público é mutável. Se pode a Admiministração
alterar unilateralmente clausulas contratuais "para melhor adequação às
finalidades de interesse público", por que não poderia fazê-lo a lei?
Não é o caso de reduzir o objeto do contrato, mas tão-somente de alterar a forma
como o concessionário será remunerado pela prestação do serviço, ou seja, a
forma como ele poderá cobrar dos usuários os serviços prestados.
Toda alteração em prol do interesse público pode ser realizada, desde que sejam
respeitados os direitos do contratado. No caso do concessionário, não faz ele
jus a uma dada estrutura tarifária, não tem direito à manutenção dos itens
tarifados cobrados no momento em que recebeu a concessão. Todavia, tem ele
direito ao equilíbrio que essa estrutura tarifária original assegurava.
Se ao concessionário coubesse o direito a uma determinada estrutura tarifária,
essa estrutura também seria um direito do usuário que contratou com a entidade a
prestação do serviço. Assim, jamais uma lei posterior
poderia impor sobretarifas aos usuários do serviço concedido - a lei estaria a
afetar contrato entre as partes.
Mas a questão é controversa, sem dúvida alguma. É só olhar a inicial da ADC 9,
com mais de 100 páginas, elaborada pelo Gilmar Mendes quando ainda era Advogado
da União. Se alguém precisa de uma centena de páginas para defender uma opinião,
é pq ela é extremamente controvertida.
Em todo caso, há que se assegurar o equilíbrio econômico-financeiro. O interesse
público - no caso de concessões de serviço público - se sobrepõe ao interesse do
particular mas isso não pode acarretar prejuízo ao
concessionário. Não estamos em uma ditadura socialista, mas em um Estado de
Direito.
As normas do setor elétrico fizeram tal bagunça com os contratos que a Aneel
está até agora tentando fazer as contas para compensar aumentos e sobretarifas
com redução de consumo de energia de modo a compor interesses
de consumidores e concessionários e assegurar o equilíbrio rompido.
Seria igual no setor de telecomunicações. Uma balbúrdia.
A solução não está no fim da assinatura básica, e sim na apuração do seu valor
justo.
É mais ou menos por aí!
Abraços,
Rodrigo Fernandes
Sem polemizar ainda mais, mas já polemizando...rs, basta ver o fato de que essa
inúmeras questões exemplificadas abaixo chegaram ao exame de constitucionalidade
pelo STF para sabermos que, no mínimo, a questão também
da constitucionalidade da modificação do contrato público por nova lei será
tornada nova demanda, uma nova "quaestio iuris", como costumamos denominar, no
meio jurídico, e, provavelmente, a ser levada às barras dos Tribunais, ou do
próprio STF.
Dizer que a nova lei irá extinguir o importante item tarifário (a
Tarifa-assinatura) que compõe a estrutura de formação do preço público que
remunera os serviços telecomunicativos brasileiros e que, como tal, foi
licitada para, ao ao final dos processos licitatórios, ser contratada, será
considerada constitucional (isto é, pacificamente aceita como norma respaldada
pela Constituição) foge à própria realidade de litígios, que está
exemplificada abaixo, que mostra que inúmeras modificações, como esta, tiveram
ácidos debates de constitucionalidade, sob o exato fundamento de que o ato
jurídico perfeito que o contrato firmado representa não vem sendo,
pacificamente, alterado por norma nova.
Posso estar completamente enganado, mas não acredito que esta nova lei, pura e
simplesmente, vá ser admitida como modificação pacífica dos contratos atuais,
para retirar deles o relevante item remuneratório-contraprestacional.
Ou me engano, ou a exata questão de sua constitucionalidade, frente ao princípio
da imutabilidade dos contratos, será debatido intensamente - talvez até
judicialmente - e o será sob o rigoroso enfoque de sua (in)constitucionalidade
frente ao mandamento (da Constituição), de intangibilidade do ato jurídico
perfeito, já que a mutabilidade unilateral dos contratos públicos - outro
princípio da contratação pública - não autoriza a extinção pura e simples, por
novas leis, de itens remuneratórios-contraprestacionais.
Em suma, a polêmica que parece estarmos revelando mostra ser, "mutatis mutandis",
anúncio da que pode estar por vir na realidade próxima...