FERNANDO NETO BOTELHO

TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS

Setembro  2005               Índice (Home)


07/09/05

[3G] Reflexões sobre a situação atual no Brasil (2)

----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: Celld-group@yahoogrupos.com.br ; wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, September 07, 2005 4:26 PM
Subject: [Celld-group] Re: [wireless.br] Re: [3G] Reflexões sobre a situação atual no Brasil.

Marcelo,
Dificilmente, se vê uma análise tão precisa e concisa de realidade tão densa e extensa como essa. (mensagem abaixo)
Parabéns !
Estou certo de que sua visão-resumo dessa realidade atual irá importar para muitos aqui, como eu, como referência a ser não só refletida mas guardada.
É o que eu estou fazendo com ela, preservado, claro, o devido copyright (rs).
Bem.
Não há dúvida de que o SCM passa a ser a grande outorga brasileira diante do poder convergente e agregador da tecnologia, que vemos hoje.
Tecnologia x Regulação = Unificação Normativa ! É uma proposta !
Diante de inovações modificantes como VoIP (que você bem lembra), a Regulação brasileira tem, agora, de se adaptar e, para a adaptação, é inevitável a racionalização da visão normativa, para adoção de equações do tipo Norma/SMC + Norma/SMP + Norma/SVA + Norma/Radiação-restrita = Norma-Única/SCM.
É a única saída.
Noutras palavras, o approach tecnológico empurrará e espremerá a visão positivisto-Kelseniana do direito, ou, do espírito normativo de nossas relações sociais, para um impasse nunca antes experimentado por aqui.
Tivemos, arraigada, à nossa secular cultura jurídica, uma visão positivista segundo a qual o direito (aplicado, ou, a solução de questões sociais em geral) constitui mecanismo que extrai, da norma escrita, detalhada, casuística, sua fonte primeira de inspiração.
Estamos todos, profissionais da solução de conflitos, impregnados dessa visão, que, reconheça-se, não é mais praticada no mundo moderno atual, da Europa ou do norte da América.
Por isso mesmo, a norma vem, não é de hoje, perdendo terreno para a velocidade dos fatos.
Mas, ainda assim, resiste o espírito positista-nacional-brasileiro, que insiste em fomentar um denso debate sobre a adoção, ou não, de visões mais integracionistas-ativistas do direito no nosso país.
A tecnologia de telecomunicações, acho que como carro-chefe de mudanças também neste setor (o jurídico) - vai pondo por terra dúvidas e incertezas como essa, na medida em que todos vamos nos convencendo de que não adianta mais criarmos trezentas, quatrocentas (como a ANATEL criou e já tem, hoje, editadas) normas jurídicas para um mesmo setor ou tema, segmentadas em micro-temas, pois, num segundo, tudo pode ruir diante de uma brusca mudança tecnológica, frente à a norma jurídica editada-escrita, detalhista, "fica velha e a ver navios", principalmente quando aplicações até então segmentadas são, como num passe de mágica, unificadas, convergidas, para um único conceito, um único meio físico, uma única modalidade aplicativa.
Esta semana - apenas nesta última semana que termina - participei, aqui, em MG, de duas reportagens sobre os hoje debatidos (e crescentes) "crimes virtuais", ou "crimes na rede mundial", ou, ainda intitulados, "crimes na Internet, ou cybercrimes".
Os jornalistas insistem em querer saber se já temos ou não temos, prontas, no Brasil, leis específicas para o que consideram novos crimes da Internet, ou, o crime da rede (praticado, das mais diversas formas - webforuns, blogs, fotologs, webpages, e-mails, etc.- contra a honra alheia, contra os costumes, contra o patrimônio, contra o sistema financeiro, etc., etc.).
Minha visão do assunto é exatamente esta a que vc, de um modo preciso embora voltado para a análise da convergência tecnológica (das gerações, de telefonia e de tecnologias wireless), se refere, isto é, a de que não há mais campo para essa corrida, louca e sôfrega, de sempre (centrada em nossa cultura latina, de normatizar tudo, a todo tempo), atrás de normas novas, leis novas, regulamentos novos, textos normativos novos, redações novas, casuísticos, de novas e mutantes realidades como a de telecomunicações (no caso específico das reportagens, dos variadíssimos meios de uso ilícito da Internet).
Como vc disse com rara felicidade, a impossibilidade de controle normativo é tão grande na atualidade que assistimos, perplexos e preocupados, já não é de hoje, ao novo passo que terá de ser dado na tentativa de normatização (leia-se, de controle do incontrolável) sobre a convergente realidade VoIP, ou, sobre a mais sensível convergência de um serviço básico (a comunicação por voz) em serviço considerado agregado (o tráfego de dados pela rede mundial).
O que era para ser meramente adicionado/agregado, ou acessório, torna-se, repentinamente, o principal, e, o principal, torna-se acessório.
Como solucionar isso ? Via de nova e casuística norma regulatória, que inverta a disciplina anterior ?
Outras mais virão, outras ainda além da questão intrincada 3G/4G (telefonia) versus Wi-Fi/Wimax irão surgir, e o serão em prazos cada vez menores, ciclos de curtíssimo prazo de sobrevivência de dada tecnologia serão assistidos. É fato a ser considerado por qualquer comunidade que resolva tratar soluções e problemas de um setor mutante e aprimorado como o de telecomunicações.
Não é mais possível, por isso, e até pela imensa limitação gramatical diante de tal poder inovador, pensar em re-normatizar, segmentadamente a todo o tempo, serviços e aplicações como esses, inserindo, em novas normas, pretensa disciplina de toda a realidade tecnológica possível em dado momento.
Nem o mais inimaginável legislativo conseguiria fazê-lo.
Espírito resistente como esse tende a contribuir para um complexo, ainda maior, de problemas para o setor e, ao final, para o fomento da própria insatisfação com o mecanismo estatal de solução de conflitos (a Justiça), pois não teremos (disso, tenho absoluta certeza) meios de acompanhamento de tanta velocidade, de tanta mudança, empilhada em normas regulatórias extensas, sucessivas, superpostas, adicionadas por um plexo de detalhes tecnológicos do qual o menos complicado, para se ter apenas uma idéia, já é uma quase-infinita "sopa de letras" do alfabeto tecnológico-telecomunicativo (3G, 4G, WIMAX, Wi-Fi, SMC, SMP, SCM, e por aí afora) ao qual o leigo (e nós, os profissionais da solução de problemas jurídicos, seremos leigos sempre da questão tecnológica) não terá jamais poder pleno de compreensão.
Temo, com sinceridade, por uma perda sensível de qualidade nos serviços públicos de solução de conflitos em questões de tecnologia de última geração, como essas - que crescem em progressão geométrica, na medida em que a planta de serviços e de assinantes das prestadoras cresce, e cresce, com elas, o approach tecnológico inovacional - frente à proporção, também crescente, do espírito regulador-segmentado.
Com o perdão pela apologia do paradoxo aparente, profissionais do Direito hão de apreciar a convergência da tecnologia e abominar a segmentação regulatória.
O Direito (aqui, o Direito regulatório) segue a tendência natural dos fatos, em busca, como natural mecanismo de organização da vida social, de disciplina minimamente racional de convívio, e, não, o contrário.
A norma regulatória, por isso, segmentada, ou, obsessivamente criadora (ou recriadora) de serviços e e aplicações estanques não atende à tendência mundial atual, de convergência da tecnologia (que deve sintetizar, insisto, a convergência também da regulação).
Se a tecnologia converge, a norma tem que convergir; se diverge (da convergência tecnológia), contraria a tecnologia, e viola a realidade factual a que se propõe disciplinar.
Não podemos, no Brasil, cometer esse erro, esse vezo latino, de almejar disciplinar, normatizar, tudo, a todo o tempo, frente a realidades que não mais se tornam cativas de moldes.
O espaço e a lacuna para uma interpretação razoável - que surge quando surge a questão controvertida (a que nós chamamos de "quaestio iuris") - serão, cada vez mais, da essência da própria realidade mutante.
Wi-Fi (uma LAN, como vc bem salienta) transforma-se em WIMAX (uma MAN), não porque algo ilógico quis, mas por obra de racional e evolutivo aprimoramento da técnica de transmissão (melhores aplicações de compressão, de uso de bandas, etc.) e, se assim o é, o WIMAX, do ponto de vista tecnológico, não poderá mais ser enquadrado, sem perda de razoabilidade (razoabilidade que deriva da técnica), em conceito normativo de radiação restrita.
Se o WIMAX supre (ou, até, ultrapassa) a capacidade de prestação de serviços e aplicações da telefonia, 2G, ou 3G, passa a adequar-se à própria abrangência do serviço essencial de interesse coletivo, e, assim, passa a suprir, "de factum" , um interesse público que não vê, na limitação normativa, mas na capacidade intrínseca da aplicação, a verdadeira utilidade material do serviço.
Não é norma que molda o serviço, mas sua capacidade útil-material, para o interesse comunitário.
É por isso que a interpretação da norma regulatória - e os campos de sua aplicação integracionista - devem ganhar maior espaço a partir de agora, espaços esses que deverão ser abertos com a redução da casuística da regulação de telecomunicações.
A proposta é mesmo de normas regulatórias mais abertas, mais amplas, mais genéricas, mais estáveis, portanto, para novos e convergentes serviços e aplicações.
Esta proporcionalidade invertida (o aumento de lacks normativo-regulatórios, com a melhoria, proporcional, dos foros de interpretação - juízo arbitral/ANATEL e Justiça Pública - e a redução de disciplinamentos segmentados, nas novas normas regulatórias, que deverão tender, também, a uma convergência revocatória de micro-disciplinas atualmente vigorantes) espelhará melhor o fenômeno da convergência das amplas (e até agora segmentadas) tecnologias.
Do contrário, vamos intensificar o conflito tecnologia/regulação, com redução, conseqüente, dos mercados e afetação do interesse comunitário.
Em suma, o WIMAX tem de equivaler ao 4G, não apenas de fato mas também juridicamente, mesmo que normas regulatórias formais tratem-nos, ainda, como serviços distintos e inconciliáveis.
É neste ponto que me ponho inteiramente de acordo com você, Marcelo: só a disciplina atual dos SCM-Serviços de Comunicação Multimídia , por ser a norma, talvez, de maior abertura e generalidade vigorante, será capaz de produzir abrangência interpretativa suficiente e necessária à amplitude atual do fenômeno tecnológico.
A ela (à norma do SCM) deve-se voltar o espírito de re-disciplina destas novas aplicações.
Abraços,
Fernando Botelho

----- Original Message -----
From: M L A
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, September 07, 2005 12:22 PM
Subject: Re: [wireless.br] Re: [3G] Reflexões sobre a situação atual no Brasil.


Fernando,

Primeiramente, agradeço sua mensagem e seus questionamentos, sempre muito interessantes e bem escritos...

Em segundo lugar, gostaria de apresentar alguns pontos que talvez poderão nos indicar uma saída possível para o futuro impasse regulatório previsto por você:

(a) Poderíamos muito simplificadamente expressar a essência de cada geração celular da seguinte maneira, tendo em conta sua aplicação matadora (killer-application): 1G = voz móvel (analógico); 2G = "olho-mágico" ou BINA (B identifica número de A); 2,5G = dados móvel (SMS,WAP); 2,75G = downloads (MP3); 3G = videofone; e 4G = TV digital. Note que tal classificação é inteiramente baseada em serviços pois é isso que o usuário percebe e não a tecnologia. Assim, entendo que 3G ou 4G são essencialmente um conjunto de serviços avançados. Os padrões e as tecnologias apenas determinam quais serviços podem ou não ser suportados pelas redes das operadoras, podendo até mesclar alguns serviços de diferentes gerações em uma mesma rede (infraestrutura).

(b) As recentes declarações da própria Anatel afirmam que a convergência tecnológica, cujo nome comercial passou a ser divulgada como "triple-play", está mostrando que não faz mais sentido criar uma grande multiplicidade de licenças, pois o meio físico (par-de-cobre ou ar) são capazes hoje em dia de transportar os serviços de voz, dados e TV simultaneamente. Assim, já caminhamos para a unificação da licenças em torno do serviço SCM (serviço de comunicação multimídia). Ou seja, uma operadora futuramente deveria apenas ter duas licenças: uma SCM (para prestação de serviços) e um meio físico (cobre ou ar, para suportar a transmissão). O termo jurídico "destinação" (criado pela Anatel para regular o uso primário e secundário de uma banda de freqüência) cada vez mais seu perde significado .

(c) Por outro lado, as limitações tecnológicas de outrora permitiram criar historicamente um arcabouço regulatório em torno dos serviços de comunicação de interesse coletivo, isto é, os serviços de segurança pública (bombeiro, polícia e escuta telefônica), integração nacional (longa-distância) e progresso econômico (agilidade nos negócios). Sobre tais serviços básicos surgiram os serviços de valor agregado (SVA), aproveitando os pesados investimentos já feitos para prestar os serviços básicos. Entre os SVA, destacamos a Internet. Porém, apesar da Internet ter nascido comercialmente como SVA por volta de meados dos anos '90, hoje em dia, com a difusão do VoIP (ou voz sobre internet), começamos a nos dar conta da inversão dos papéis: A internet está se transformando em serviço básico e a voz um agregado! Assim, a Anatel estaria enfrentando a dificílima situação de passar a ter de regular um serviço agregado...

(d) Acredito que os caminhos do 3G e do WiFi/WiMax sejam atualmente complementares e, portanto, conciliáveis. Enquanto 3G/4G são redes WAN (nacionais ou interurbanas), concentrando um acompanhamento mais próximo da Anatel, WiFi/WiMax são respectivamente redes LAN (locais ou residenciais) e MAN (metropolitanas), desfrutando de maior liberdade regulatória. Porém, caso o WiFi/WiMax acelere sua evolução e adoção com a inclusão da mobilidade (handover inter-células e roaming inter-redes), então haverá uma ruptura. No caso do Brasil, há 20 anos neo-liberal e onde se vive uma falsa democracia (pois temos a liberdade de escolha, mas as opções nos são impostas pelo poder econômico), o 3G_UMTS está sendo inviabilizado com o atraso do leilão das core-bands pela Anatel. Ainda não sei avaliar os impactos positivos e negativos desta tendência, mas certamente estaremos nos alinhando à situação do resto das Américas, incluindo dos EUA, apesar de termos 110MHz livres nas core-bands do UMTS e nossos vizinhos não.

(e) Por fim, enquanto a Anatel se vê contingenciada em seu orçamento anual, sendo exposta à humilhação pública de desativar seu call-center, os fabricantes (redes e terminais) investem dezenas de bilhões de dólares por ano em inovação tecnológica... sem contar as startups financiadas por capitais de risco. Assim, a velocidade da Anatel em regular os serviços seria muito inferior à velocidade da tecnologia em obsoletar as regras...

Considerando a defesa do interesse público (emergência e segurança) e estratégico (universalização e competição), acho que uma saída seria unificar as licenças em torno da SCM; concentrar apenas em voz, numeração, interconexão, portabilidade, espectro e saúde; e operar a transição equilibrada para a nova realidade convergente.

Abraços,

Marcelo Luiz Arakaki.


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