FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Janeiro 2006 Índice (Home)
20/05/06
• Celulares nos Presídios
----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br ; Celld-group@yahoogrupos.com.br
Sent: Saturday, May 20, 2006 9:05 AM
Subject: Re: [Celld-group] Celulares nos Presídios
Na França, recentemente, foi aprovada norma que permite a telemonitorização.
através de pulseiras GPS, de condenados que ganhem liberdade condicional
(aqui, prá nós, o livramento condicional...passam a usar pulseiras para
serem telemonitorizados a partir da saída do estabelecimento penal).
Tenho notícia de uso da tecnologia em alguns Estados norteamericanos.
No Brasil, o Zebu (o gado nelore) - de Uberaba - está sendo monitorado à
distância por chips, e não é de hoje (não sei se RFID ou GPS)....nenhuma
comparação intencional com humanos, claro...apenas um exemplo de que a
telemetria começa a ganhar escala para aplicações de controle de movimentos
não só de objetos, mas de animais e humanos....
Chips para coleta de dados orgânicos, com foco em acompanhamento médico à
distância (telemedicina), foram, também, aprovados pela FDA-USA, e já chegou
ao Brasil a tecnologia para uso em humanos.
Concordo, portanto, que a telemetria - por satélite ou por RF "horizontal" (RFID)
- já devia estar sendo cogitada, há muito tempo, como providências
relacionadas com o cumprimento da pena criminal no Brasil.
Mas, não me parece útil em ambiente interno-penitenciário ("intra muros"),
onde os detentos e condenados podem ser monitorados sem a necessidade do
emprego de tecnologias como essa, até porque o deslocamento físico é
restrito ali e não se justifica empenho de recursos, por ex., de satélite,
que não fariam mais que permitir, por ex, saber quem saiu do pátio (do
"banho de sol") e foi prá cela....não creio que isso ajude em algo para a
solução do problema atual....!!
Já para a finalidade do controle "extra muros", a idéia me parece
fantástica. Precisa ser discutida, pois reduz um imenso custo operacional
com o controle que é hoje feito através da ida periódica de condenados em
liberdade condicional a fóruns, juízos, etc.
Um (novo) debate sobre direitos humanos - dignidade da pessoa humana - e
limitação da liberdade individual como conseqüência da condenação, aliado à
demonstração do poder de controle à distância por telemetria (RFID ou GPS),
iria adiantar muito, penso.
Dito isso, voltemos ao que interessa nesse momento, que não é propriamente o
controle externo do movimento de condenados, mas interno.
Cortar a energia elétrica das tomadas dos presídios ? Seria a solução ? Não
funciona....
Em estabelecimentos penais - sobretudo em penitenciárias com grande número
de condenados recolhidos (milhares, às vezes) - há estruturas (ou
infra-estrutura) essenciais à manutenção de um "piso", digamos, de qualidade
de permanência humana no local (chuveiros elétricos, mini-fogões,
equipamentos vários...como de música, jogos, etc.).
Sem eles, a vida (humana), minimamente aceitável, não terá como se
estabelecer ali.
Não adianta pensarmos, nesse difícil momento, que podemos implantar, por
ali, impunemente, um espírito de retaliação absolutista, algo como um
retorno à "Lei de Talião", subjugando populações imensas (só em SP são
100.000 encarcerados....em MG, 50.000) a um ambiente sub-humano de
permanência, em que não haja, além de luz de iluminação, energia elétrica
prá mais nada.
Não irá funcionar. Pior. Irá fazer tudo "explodir" mais rapidamente, aí com
a adesão, não tenham dúvida, de uma comunidade muito maior que aquela
supostamente liderada por "A" ou "B".
Já estamos assistindo, nesse momento, a um rol de cogitações completamente
non-sense como suposta solução do problema.
Elas começam pela imputação, injusta, a empresas operadoras celulares, pelo
ocorrido em SP, como se tudo, nos presídios, de ruim e irregular (e não é
pouco !), se resumisse ao uso de celulares e à operação de serviços móveis
em si.
Ir mais, tirando, agora, elementos da própria infra-estrutura de vida mínima
"intra-muros", como se a comunidade "extra-muros" quisesse verdadeiramente
vingar-se da outra, sem uma alternativa mínima de pacificação, de
coordenação das atividades internas, é suicídio coletivo (das duas
comunidades, a livre e a reclusa) !
Não conheço, do pouco da leitura da história humana, um só lugar no mundo em
que uma privação unilateralmente imposta, e com esse grau de profundidade,
haja terminado bem, sem que uma guerra intensa e um banho de sangue sem
precedentes tenha se instaurado como efeito !
Se for essa a opção da comunidade ferida pelos problemas recentes (a de
retaliação pura e a de pôr fogo no circo já em chamas), a idéia é eficiente
!...desculpe a sinceridade !
Precisamos analisar a questão, nesse momento, sabendo que, ao tempo em que
não há ambiente para contemporizações, facilidades, relaxamento, não há,
também, para endurecimento desmedido, desumano, ou vingativo.
É duro dizer isso, eu sei - afinal, estamos todos feridos com o impacto do
problema !
Tirar tudo dos presídios - quem sabe até a bola de futebol que jogam nos
pátios - é, seguramente, o pior.
Não tirar nada, não mudar nada, e ficar só no bloqueio (supostamente
eficiente !) de celulares, é também o pior, creiam !
Esse é o (dificílimo "x") da questão: dosar, em busca de razoabilidade, de
racionalidade, de lucidez, e do equilíbrio, uma solução aceitável, sob o
ponto de vista não só legal, mas humano....a emocionalidade e a
inexperiência, nisso, farão pouco....
Afinal, desde Beccaria e do término da "lei do Tibre", a privação da
liberdade, como penalidade para infração, sujeita-se, no mundo todo, a um
intenso debate, a intensos problemas, e a cogitações de alternativas (como a
de implantação de estabelecimentos penais mais humanos) que precisam ser
examinadas.
Não deixa de ser, nesse contexto, interessante, curioso, ver, como
alternativa brasileira, o surgimento apenas de um novo debate: o de
engenheiros de redes de telecomunicações e seu expertise em RF aliado ao de
gestores de presídios, que imputam a esses a solução da crise.
A interface que localizam para o debate é aquele ponto, aquele hardware - o
bloqueador/misturador de sinais de radiofreqüência e a melhor forma de se
impedir, por ele, que novos conflitos se instalem !!
Fico um pouco chocado de imaginar que tudo que se examina, nesse momento,
irá se resumir a um misturador eficiente de sinais de RF no pátio de
presídios..."ele" (o misturador-bloqueador) é o novo salvador "da pátria"
penitenciária !
O que se teme é que, ficando nisso só a discussão, tenhamos, em curto prazo,
surgimento de novas tragédias...por outro lado, se passa também por isso a
crise, convém que os "experts" em RF se ajustem na busca de algo eficiente
para a mistura e bloqueio dos sinais-celulares...e o mais rápido
possível...sob pena de termos, em breve, uma crise não só penitenciária, mas
de regressão dos próprios serviços móveis-celulares...afinal, são centenas
de presídios em todo o país....e milhões de usuários ("extra muros")
compartilhando os mesmos sinais de RF da comunidade "intra muros".
Fernando Botelho
mailto:fernandobotelho@terra.com.br
http://www.wirelessbrasil.org/fernando_botelho/fb01.html