FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Agosto 2007 Índice (Home)
13/08/07
• Novo artigo de Fernando Botelho: "Controle do Poder e Poder do Controle"
Controle do
Poder e Poder do Controle
O exercício do poder estatal deveria ser, em suma, expressão enxuta e balanceada
do poder popular.
Por Fernando Botelho
Crimes e Cybercrimes
"SEM LEI VOTADA SOBRE O CYBERCRIME NÃO
SE PEÇA JUSTIÇA ELETRÔNICA NO FUTURO"....é o que anuncia o magistrado, Fernando
Neto Botelho, na quarta e última parte de seu artigo sobre o tema.
Por Fernando Botelho
I -
Introdução
II –
O Crime Cibernético
III –
O Cybercrime noutros Países
IV –
A Convenção Internacional do Cybercrime
V – O projeto de
lei brasileira
(...)
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Fonte:
AliceRamos.com
Controle do
poder e poder do controle
• Fernando Botelho
“Só o poder freia o poder!” A frase, cunhada pelo iluminista francês
Charles-Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu, revela um dos mais
importantes dogmas da civilização contemporânea. Consolidado no século 18, em
sua obra O espírito das leis, Montesquieu desenvolveu com ele o clássico sistema
tripartite de poder, que moldou feições de Estados e influenciou tendências
constitucionalistas mundiais.
A teoria, que propunha a divisão do poder em harmônicas fatias – o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário – integrou, ainda, o livro dos pensadores do Século
das Luzes (a Encyclopédie), compartilhado, na “era da razão e das ciências” por
Rousseau e Voltaire. Nasceram, com ela, células libertárias e democracias, como
a dos Estados Unidos e da França.
O exercício do poder estatal deveria ser, em suma, expressão enxuta e balanceada
do poder popular. Sublinhemos o ingresso de um certo insumo nessas estruturas
públicas. Ele tem promovido sólidas confusões conceituais. Trata-se dos recursos
da tecnologia, mais precisamente da tecnologia da informação (TI) aportada a
atividades do Estado.
Uma mostra entristecedora dessa realidade parece ser o acidente trágico, que
acaba de vitimar cerca de 200 pessoas em São Paulo. A aviação mundial sabe-se,
usa recursos tecnológicos de ponta. Uma aeronave – modelo equivalente ao
acidentado (A-319) – não tem, por exemplo, manche, que se substitui por um
“joystick” no controle de certos movimentos de direção.
Guia-se, nas vias aéreas, por dados colhidos por equipamento de posicionamento
global (Global Positioning System – GPS), que recebe sinais de radiofreqüência
emitidos por uma constelação de satélites. Emite outros, contendo dados que
devem ser “lidos” por equipamentos sensíveis, em terra, destinados ao controle
de aproximação (Instrument Landing System – ILS).
A gerência espacial-aérea – que define preferências, altitudes, planejamentos de
vôos – constitui, por sua vez, atividade estatal, cujo desempenho está a cargo
do serviço militar-aeronáutico, que o executa, no Brasil, por agentes
especializados. O contexto é, então, eminentemente tecnológico e fornece
elementos vitais para a segurança da navegação.
Noutro episódio, ocorrido em junho deste ano, o controle estatal desta mesma
aviação nacional – de Brasília (Cindacta 1) – esteve fora do ar por horas.
A causa, noticiada na imprensa, teria sido uma controvérsia estabelecida entre
responsáveis pelo controle tecnológico e operacional do tráfego e seus
superiores hierárquicos. Os profissionais teriam divergido sobre a capacidade de
resolução visual dos monitores de aeronaves. Uns teriam negado essa capacidade.
Outros a teriam reafirmado. Convocados peritos em telas de controle resolveu-se
pela troca, ad cautelam, de todos os monitores da unidade.
Fora do País, o horror dos ataques às Torres Gêmeas lecionaram possibilidade de
frustração do poder constituído (de defesa do Estado) por expertise na lida com
o recurso tecnológico – aeronaves usadas no atentado navegaram com o localizador
global (GPS) desligado da emissão de radiofreqüência ao equipamento ILS do
aeroporto mais próximo, o que lhes garantiu total anonimato aéreo.
Inúmeros outros exemplos poderão ser mencionados. No Brasil, a urna eletrônica
mostrou seu poder de transferência, para redes, circuitos e armazenadores
computacionais, dos bits da cidadania (o voto eletrônico, sem papel). Com ela,
antigos controles convencionais do voto foram aposentados, pois o controle
efetivo se transferiu para centros de processamento de dados (CPDs) dos
tribunais eleitorais.
O sistema e-gov – serviços públicos federais prestados pela Internet (como as
certidões do INSS, Receita Federal, Superior Tribunal de Justiça) – soma-se a
recursos computacionais usados em votações plenárias legislativas (votações
eletrônicas em painéis). Sistemas sensíveis – como os do controle orçamentário,
patrimonial, pessoal-funcional – e recursos de segurança da informação conduzem
outras atividades do Estado.
No âmbito do Poder Judiciário, tem início a mais profunda de suas mudanças, que
virá com a implantação do processo eletrônico (completamente sem papel). Milhões
de processos judiciais deixarão, em todas as instâncias, a clássica matriz (o
papel). Irão se transformar em dados computacionais (ancorados em Inteligência
Artificial – IA). Provas e direitos das partes trafegarão não mais por
corredores físicos, mas por redes de comunicação de alta velocidade, formando,
ao final, autos eletrônicos.
Onde estará, em todo esse cenário cibernético, o poder do Estado? Lawrence
Lessig, professor de direito constitucional e de tecnologia da informação em
Stanford, nos Estados Unidos, faz, a esse respeito, importante advertência no
seu consagrado Code and other laws of cyberspace: Code is law (O código é a
lei!). Refere-se a código em sentido lato, num paralelo entre o poder gerado
pela tecnologia da informação e o poder público concedido pela Constituição.
A tecnologia e o seu domínio são elementos que definem, agora, o poder efetivo
do Estado.
Providências são exigidas, por isso, para evitar possibilidades como a da
criação de feudos tecnológicos, sistemas proprietários, cujos logs e dados de
acesso se submetam a interesses exclusivistas-internos ou alheios ao controle
administrativo do Estado.
Do contrário, estaremos sob incertezas inaceitáveis em questões da vida
pública-institucional, como a correta definição do controle do controle. O poder
estatal não se define por aparências de controle ou por níveis executivos da
administração, ainda quando detentores estes do conhecimento ou do ferramental
tecnológico.