FERNANDO NETO BOTELHO
TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS
Novembro 2007
Índice (Home)
19/11/07
• Processo Judicial Eletrônico (6) - Artigo de
Fernando Botelho + Artigo publicado no IRIB
01.
Continuamos com o "Serviço ComUnitário"
sobre o "Processo Judicial Eletrônico".
De um modo simplório e simplista este "Processo" nos interessa pois além
do seu aspecto revolucionário vai gerar um enorme mercado de trabalho
para o pessoal de TI e Telecom.
02.
No início da Série resgatamos uma mensagem de 20/12/06 do
nosso participante Desembargador Fernando Botelho que foi
transformada em artigo e pode ser consultada no site WirelessBR
aqui.
Nesta mensagem foi comentada a notícia da sanção da lei LEI Nº 11.419,
DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006 que dispõe
sobre a informatização do processo judicial e que está transcrita
no texto da mensagem.
03.
Como todos sabem, gostamos de descobrir novas fontes e
valorizá-las e destacar os autores das matérias.
Nesta Série vamos enfocar, ente outros, um trabalho de enorme fôlego do
Dr. Fernando Botelho que vem sendo publicado por partes no site
AliceRamos.com, nosso "parceiro
informal".
Nossas mensagens seriadas são homeopáticas, para forçar um pouco
a leitura por aqueles que não têm muito tempo disponível (todos
nós?). :-))
Mas, para quem gosta de dose única, o trabalho "O processo eletrônico
escrutinado" (já na Parte 08) pode ser visitado nestes links do
"Alice":
04.
Matérias transcritas nesta mensagem:
Fonte: AliceRamos.com
Fonte: IRIB -
Instituto de Registro Imobiliário do Brasil
05.
Matérias transcritas nas mensagens anteriores:
Fonte: AliceRamos.com
Judiciário digital
Fonte: WirelessBR
Aguardamos a colaboração de todos, especialistas ou não, inclusive
com sugestões de novos links para enriquecer ainda mais esta Série.
Obrigado!
Fonte: AliceRamos.com
Não se pode deixar de dizer, em lógica conexão
com a informática, que, submetido a dinâmica telecomunicativa, isto é,
transportado por recursos que o retiram de determinado ponto geográfico – ou
nó – e o levam a outro, em ambos posicionados “hardwares” e “softwares”
computacionais incumbidos do transporte/tráfego, o dado se submete a outro
fenômeno da física, realizado, agora, pelo curso da eletricidade por circuitos
de redes telecomunicativas.
Estamos falando da telemática.
Telemática é a comunicação à distância de dados
informáticos, realizada através de rede de telecomunicações.
Tecnicamente, “telemática é o conjunto de
tecnologias da informação e da comunicação resultante da junção entre os
recursos das telecomunicações (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc)
e da informática (computadores, periféricos, softwares e sistemas de redes)”.
Ela é o fenômeno físico que possibilita “...o
processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes
quantidades de dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de
tempo, entre usuários localizados em qualquer ponto do planeta18..”.
O processo telemático, a exemplo do processo
informático, permite dupla possibilidade de transmissão elétrico-eletrônica
(de dados): a analógica e a digital.
Na transmissão analógica, os circuitos se
“fecham”, isto é, se estruturam, pela passagem da energia circulante, para que
a conexão elétrica (o “campo elétrico”) se forme; isso ocorrerá de modo
contínuo, vale dizer, para não haja interrupção na transmissão da informação
(na corrente elétrica, que se torna contínua no circuito analógico); a
corrente, na transmissão analógica, prossegue, instaurada, pelo circuito,
ocupando-o por inteiro, e com exclusividade.
Na transmissão digital, por sua vez, não há
ocupação de um só circuito pelo sinal elétrico que conduz a informação e o
dado intelectual. O sinal elétrico, no processamento digital, se divide em
pequenos picos, pequenas interrupções, que terminam por formar grupos ou
conjuntos de picos eletrônicos em vários cursos da transmissão elétrica, picos
estes que, observando certo padrão específico de codificação, através da qual
passam a representar conjuntos/composições de algarismos binários (“0” e “1”19
), compõem “pacotes”, ou frações, da informação.
Esses pacotes (os “pedaços” dos sinais elétricos
digitalmente codificados) trafegam, assim, não por um mas por vários circuitos
– do computador e/ou da rede telemática – recompondo-se, no destino, através
do emprego de decodificadores inteligentes do (mesmo) sinal elétrico
(“empacotado”).
Com isso, o tráfego do sinal digital,
contrariamente ao do sinal analógico-contínuo, se faz descontinuado, ou seja,
de modo dinâmico, ocupando não um, mas pequenas frações de inúmeros circuitos
eletrônicos, o que se possibilita pela atuação de softwares potentes, capazes
de gerenciarem, progressivamente, a comutação de pacotes de sinais por
circuitos sucessivos e, com eles, da informação proveniente das mais diversas
origens, tornando-a mais célere, eficiente, e capaz de transmissão mais ampla
e robusta (dados digitais por segundo – chamados “bits” por segundo, ou
“bps”).
Processo Eletrônico: A definição
Não será incorreto dizer, finalmente, e diante
de todo o exposto até aqui, que “justiça eletrônica”, “processo eletrônico”,
“justiça virtual20” são expressões novas, que indicam, na essência, uma única
e verdadeira “justiça”: a formada pelo recurso físico da eletricidade, em
oposição à clássica figura da justiça do papel.
A matéria-prima do serviço jurisdicional que
constitui o processo eletrônico sucede, como instrumento e matriz, o clássico
elemento vegetal, extraído, como tem sido, da polpa industrializada de
ciprestes (como pinhais e eucaliptos).
Passam a eletricidade e os circuitos elétricos e
eletrônicos a constituir a inovadora plataforma da tramitação processual.
Serão os circuitos – formados pelos materiais
condutores e semicondutores, e seus transistores e chips – os elementos
físicos que substituirão o papel como matriz do processamento judicial dos
feitos.
Serão os hardwares nos quais a ação da
eletricidade fará depositar, lógica e codificadamente, os arquivos e os dados
informativo-intelectuais que moldam o valor ideológico dos processos o novo
locus de armazenamento das provas, dos pedidos, e das decisões do
estado-jurisdição.
Podemos aqui, agora, definir o processo
eletrônico. Ele é a união física-lógica-computacional dos circuitos
eletrônicos e hardwares ao instrumento de solução estatal de conflitos,
através da qual passam estes a se processar e documentar com valor legal.
O traço documentativo-humano
Para responder convincentemente à indagação
sobre a razão do uso da computação na documentação informativa (de litígios e
instrumentos de sua solução), é preciso re-visitar, ainda que brevemente, a
história (da evolução da espécie).
Só ela será capaz de explicar a motivo que levou
o estado, ao longo dos tempos, a mais fazer, em termos tecnológicos, que
absorver recursos inovadores disponíveis no meio social para a estruturação de
seus serviços.
Desde os primórdios da civilização, o homem, por
um traço que o diferencia das espécies, registra, externamente a seu ambiente
psíquico intelectual, impressões que colhe do meio em que vive e do universo
que o rodeia. É a forma com que aprendeu a externar, a exprimir, e com a qual
tenta dominar as forças que o cercam.
Utilizou-se, para isso ou como elemento de
registro, primeiramente, do mineral – a pedra (era da Pedra Lascada, 10.000
a.c.); posteriormente, e em razão das restrições naturais do mineral para
atendimento da mobilidade e portabilidade dos registros, passou ao uso do
vegetal – o papiro egípcio21 surge em 2.200 a.c.; ainda com uso do vegetal
como matriz de registro documental da informação, obteve nova técnica, agora a
de extração de novo elemento, formado pela polpa da madeira de árvores ricas
em celulose (eucaliptos e pinheiros) – o papel chinês, datado de 105 a.c.
O papel, nesta sua última feição, cruza a era
antiga e contemporânea, regendo toda a estrutura, inclusive atual, de
documentação intelectual-humana.
Os códigos de armazenamento da informação também
evoluíram: dos símbolos pré-históricos (sinais empíricos, desenhos) gravados,
analogicamente, nas pedras, ao hieróglifo e pictogramas gregos (gravados em
papiro); da escrita grega (alfabeto grego), ao demótico, e à escrita
cuneiforme dos Sumérios, chegando-se, finalmente, à escrita ocidental,
codificada e gravada em papel, como marcos das evolutivas linguagens.
Os estados, filosoficamente concebidos como
entes estruturados para realização do bem comum, não fizeram mais que absorver
estas evolutivas disponibilidades técnicas de registro, voltando-as, a cada
momento da história, para a documentação de seus atos; ao fazê-lo,
incorporaram as matrizes disponíveis no meio físico e social e as utilizaram
na estruturação de seus instrumentos de atuação, inclusive e especialmente, na
solução dos litígios.
O processo judicial formado historicamente por
papel surge, neste contexto, como um instrumento, ou, como matriz física de
documentação dos conteúdos intelectuais com que formadas as instâncias
estatais para a solução de conflitos.
Esta matriz física-documental-processual foi, um
dia, estruturada sobre o papiro, assim como também se registrou por outros
cânones – como o da própria memória humana-volátil de personalidades, a
exemplo das do clero, representativas de um poder armazenador superior-divino
(cléricos usados como memoristas-seculares de certos atos jurídicos), ou,
ainda, quando se utilizou das pedras e das madeiras, para gravação de regras
da convivência e inscrição das decisões e das penas.
Mas há muito os atos estatais se documentam e se
externam ao conhecimento público através do papel vegetal.
Entretanto, este meio físico-documentativo, com
o surgimento da computação e do emprego da física eletrônica, vale dizer, com
os evolutivos vetores que determinaram a aplicação da eletricidade ao
processamento e armazenamento da informação, sofre o efeito do uso progressivo
da energia elétrica como meio de registro substitutivo, ou, como substitutiva
codificação dos conteúdos.
O meio eletrônico ingressa, assim, no século 20,
na vida e nas atividades universais.
O estado, seguindo sua mesma tradição de
absorção das modernidades disponíveis no meio social para o aprimoramento de
seus serviços, também se apropria dele para registro de atividades que
constituem suas metas, com as quais cumpre sua missão filosófica e
institucional.
Surge, com a apropriação estatal da inovação
(tecnológica-computacional), a causa primária, histórica, da substituição do
papel – do elemento vegetal antigo – pelo recurso inovador da física.
Não sendo há muito o mineral o elemento central
da documentação dos atos estatais (substituído que foi pelo vegetal), a razão
que marca a antiga e orgânica busca por inovação, economia, celeridade,
portabilidade, e, agora, proteção ao meio-ambiente – sacrificado este por
verdadeiras exterminações de matas e reservas na corrida para o plantio da
matéria-prima do papel - explicam, hoje, o campo progressivo da absorção dos
circuitos eletrônicos-computacionais pelos serviços públicos dos estados.
Atividades sociais as mais variadas cruzam o
século 20 sob a égide desta conversão: a um novo cenário, agora formado por
extensa Sociedade da Informação, ou “Sociedade do Conhecimento” (SOINFO),
também chamada “Sociedade da Nova Economia22”; formalizada no âmbito da
própria Organização das Nações Unidas (ONU) e com endosso de seus
estados-membros, que centra suas atenções não mais sobre o papel como elemento
de registro e processamento da informação, mas sobre sua substituição pelo
meio eletrônico e pela aumentada capacidade processadora e documentativa das
redes computacionais (de grande, médio, e pequeno porte).
Neste contexto, o de uma nova sociedade da
informação (eletrônica), as preocupações começam a saltar do exame evolutivo
da era do papel – do papel à eletrônica – para a de um papel da eletrônica.
No âmbito dos estados que se adiantaram no
ingresso nesta nova era, particularmente no dos Judiciários que já o fizeram,
a cogitação não está mais centrada em teorética discussão sobre a função do
“papel na Justiça”; está, no ápice das cogitações efetivas, sobre o que
constituirá o novo papel da justiça: o de uma justiça eletrônica totalmente
sem papel, praticada com emprego, apenas, de circuitos eletrônicos, como sua
única ou principal matriz física.
18 “Apud” Wikipédia
19 Daí a origem etimológica do vocábulo
“digital” = dígitos binários (em inglês, “binary digit”, a que equivale a
sigla “bit”).
20 Temos evitado o uso desta expressão –
“virtual” – diante do alcance semântico ambíguo, dual, do vocábulo, que tanto
serve para referenciar uma emulação fisicamente computacional de determinado
objeto ou valor intelectual, portanto, uma aplicação estrita da ciência física
(eletrônica), conseqüentemente palpável, tangível - quanto para sintetizar
mera possibilidade, ou possibilidade hipotética, indicativa de realidades
totalmente intangíveis (“Apud” Dicionário Aurélio), por isso distantes da
ciência física que marca a feição do “processo eletrônico”. A ambigüidade,
parece-nos, serve menos para esclarecer e informar, que para confundir e
subjetivar o fenômeno (do processo eletrônico), que é, em seu todo, tangível.
Consideramos que, pela ruptura que promove, dos paradigmas históricos, pela
composição que gera, de ciências até o momento não fundidas, o método de
compreensão do processo eletrônico deve se afastar da ambigüidade semântica e
se aproximar, “a contrario sensu”, da precisão conceitual, aspecto que torna
inconveniente o uso do vocábulo (“virtual”), que, apenas em um de seus
ambíguos significados, se mostra capaz de externar, com exatidão, a finalidade
buscada.
21 Papiro é o nome de uma planta aquática,
denominada Cyperus papyrus, da qual extraíam os egípcios antigos o miolo do
talo – que chega a medir seis metros de altura. Dele e de seu material
ressecado, foram feitos os primeiros papiros.
22 A ONU, em Tunis, na Tunísia, em 2.003,
instalou, pela primeira vez, a WSIS-World Summit of Information Society,
Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, a partir de quando se discute,
naquele âmbito e em reuniões periódicas, critérios de gestão da rêde mundial
de computadores (internet), exclusão social-eletrônica, direitos civis
eletrônicos, serviços públicos eletrônicos, segurança da informação, convenção
universal sobre direitos, garantias, e deveres eletrônicos etc.
Fonte: IRIB - Instituto de
Registro Imobiliário do Brasil
Palestra apresentada pelo secretário executivo
do CNJ, Sérgio Tejada, no XXXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis
do Brasil, no dia 27 de setembro, no hotel Majestic Palace, em Florianópolis,
SC
Em 2007, o poder Judiciário do Brasil está
fazendo 200 anos. Estamos 200 anos atrasados em processamento. No Judiciário,
ainda usamos carimbos e certidões, fazemos exatamente aquilo que fazíamos há
200 anos.
Nada mudou. A diferença do processo judicial dos
últimos 200 anos talvez seja o ph que foi suprimido. É claro que hoje estamos
usando editores de textos e computadores, mas o processo judicial continua o
mesmo. Informatizamos a burocracia da Justiça, as ordenações Manuelinas e as
ordenações Filipinas que Portugal nos legou.
No entanto, o mundo de hoje não é o mesmo de 200
anos atrás, É um mundo globalizado. Assistimos, ao vivo, o ataque às torres
gêmeas, nos Estados Unidos. No jornal das oito vimos o funcionário dos
Correios recebendo propina, bem como a advogada que se tornou suspeita no
assassinato do coronel Ubiratan.
Não podemos mais pensar num Judiciário de há 200
anos se hoje o mundo é imediato, on-line. É por isso que se critica, com toda
razão, o Judiciário. Ele é moroso, não reflete mais a velocidade de seu tempo.
Na verdade, o problema da morosidade não é do Judiciário, mas do processo. É
um problema de funcionamento, de estrutura. Mas o cidadão reclama com razão,
porque ele precisa de uma Justiça ágil.
Uma manchete publicada pelo jornal O Estado de
S. Paulo, em abril de 1998, dizia: “A Justiça no limite do impossível”, em
razão de o STF ter recebido pouco mais de 40 mil processos para serem julgados
por onze ministros. De lá para cá, a situação só piorou. Em 2005, foram 79 mil
processos, quase o dobro. Em 2006, quase o triplo. Até junho de 2007, o STF
havia julgado 93 mil processos. Se, em 1998, estávamos no limite do
impossível, imaginem a situação que estamos vivendo dez anos depois.
Em todo o Brasil, 35 milhões de processos estão
em andamento, dos quais 20 milhões novos por ano. Em 2006 foram 23 milhões de
novos processos em todos os ramos da Justiça no Brasil.
Com uma Justiça eficiente, a produção nacional e
o índice de emprego cresceriam; o desemprego cairia
O poder público é um grande cliente da Justiça.
Em todos os levantamentos que fizemos, o poder público representa uma parcela
muito grande dos usuários da Justiça. São entes públicos os onze maiores
demandantes do STF, os 24 maiores demandados e os 15 primeiros da lista.
Somente a União representa 43%, de acordo com a UNB.
Somente a Caixa Econômica Federal tem mais de um
milhão de processos na Justiça. A própria CEF já anunciou que manter cada
processo na Justiça custa R$ 1,2 mil por ano. Se quem estiver demandando
contra a CEF estiver pedindo três salários, fica mais barato a CEF dar os três
salários à pessoa do que resistir na Justiça. Com um milhão de processos a
R$1,2 mil, a CEF gasta por ano mais de R$1 bilhão, somente para manter os
processos na Justiça.
No ano passado, 680 toneladas de processos
tramitaram no STF. Quando esses processos imensos vão para o STF, apenas
algumas peças deles são examinadas, uma vez que o STF não examina matéria de
fato nem reexamina prova, mas tão-somente matéria jurídica constitucional.
Portanto, de acordo com levantamento feito pelo próprio STF, de toda aquela
montanha de processos, apenas doze peças processuais interessam ao STF para
julgamento. Assim, aquele monte de processos só vai a Brasília para passear e
atrapalhar as doze peças que precisam ser vistas.
O cidadão está cada vez mais ciente e exigente
de seus direitos, por isso recorre mais à Justiça. A criação de novos
direitos, o problema do caos legislativo, o excesso de recursos, tudo isso faz
com que tenhamos sempre um volume muito grande de processos. A população em
geral desconhece a estrutura do poder Judiciário, o que faz com que o
Judiciário, muitas vezes, seja responsabilizado por deficiências que não são
de sua responsabilidade.
O poder Judiciário está em crise? Não tenho
dúvidas que sim. É uma crise de qualidade ou de quantidade? Evidentemente é
uma crise de quantidade, porque a qualidade dos serviços da Justiça é muito
boa, mas demorada. Não se reclama de decisões indevidas, apenas que elas
demoram demais.
A população reclama da Justiça, políticos falam
de nepotismo, de altos salários na Justiça, de corrupção e de lentidão. É
evidente que nepotismo, altos salários e corrupção existem no Judiciário, por
isso o Conselho Nacional de Justiça tem a missão de combater esses problemas,
mas essas são questões pontuais. Não é isso que traz o problema da Justiça,
mas a lentidão.
Quando se fala em morosidade da Justiça,
lembramos do cidadão que espera anos para receber um dinheirinho que nunca
vem, da viúva que pediu um benefício previdenciário e ainda não recebeu, do
aposentado que queria aumentar sua aposentadoria, mas morreu e o dinheiro foi
para os filhos, etc.
É evidente que tudo isso é grave e precisa ser
combatido, mas também é evidente que uma Justiça lenta causa prejuízo para o
país como um todo. Ainda que não tenham ações na Justiça, todos sofrem os
efeitos de sua morosidade. Se o Judiciário fosse mais eficiente, poderíamos
crescer mais 0,8% ao ano. Em razão de sua lentidão, a Justiça causa um
prejuízo de 25% no crescimento de longo prazo. A produção nacional poderia
aumentar 14%, e o desemprego cairia 9,5%. O governo, que combate o desemprego,
poderia ajudar mais o Judiciário no combate à morosidade, o que aumentaria o
índice de emprego no país em mais de 10%.
O spread bancário é 20% maior em razão da
morosidade processual, isto é, os bancos emprestam dinheiro, sabem que certo
percentual de mutuários não vai pagar, sabem que se o banco entrar na Justiça
uma ação de cobrança vai demorar X anos, etc. Por isso, eles aumentam os juros
naquele mesmo percentual e o bom pagador pagará pelos outros.
Precisamos encontrar soluções para esse quadro.
As externas seriam as reformas constitucionais, reformas processuais,
estabelecimento de formas alternativas de soluções, etc. Ao mesmo tempo,
precisamos de uma solução interna de administração da Justiça. Podemos propor
uma lei, mas dependerá do Congresso nacional aprová-la ou não. No entanto,
podemos administrar a Justiça, ou continuando com nossos 200 anos
conservadores, ou modernizando-a.
A tecnologia invade nosso dia-a-dia, mas
profissionalmente somos conservadores preocupados com a segurança
Esse conservadorismo vem de nossa matriz
portuguesa. Nos seus Sermões, o padre Vieira já reclamava da burocracia do
processo judicial português. Herdamos exatamente isso, trouxemos para o Brasil
o que já estava atrasado em Portugal. Portanto, o conservadorismo é um
problema nacional a ser combatido com modernização.
Para reformar o Judiciário, temos de tomar
medidas estruturantes, desburocratizantes, orçamentárias e fazer planejamento
estratégico, reformas legislativas e investimento em tecnologia.
Quanto ao funcionamento da máquina da Justiça, é
preciso criar varas especializadas para combater o crime organizado. É preciso
rever procedimentos, audiências de conciliação, trabalhar com estatísticas,
fazer economia e investir em tecnologia. Temos de riscar do mapa esse
procedimento secular e substituí-lo pelo uso da tecnologia.
A Receita federal e o voto eletrônico são uma
fonte inspiradora no uso de tecnologia. No dia-a-dia de nossas atividades,
achamos difícil, senão impossível, usar a tecnologia. Ficamos apreensivos, com
medo dela, no entanto, usamos o celular. Não percebemos que a tecnologia faz
parte do nosso dia-a-dia, mas profissionalmente tornamo-nos conservadores
preocupados com a segurança.
Graças ao voto eletrônico, conseguimos apurar em
poucas horas o resultado de uma eleição presidencial de um país de dimensão
continental. Quem gostaria de voltar à época do voto em cédulas? Hoje usamos a
urna eletrônica e acreditamos no sistema.
Todo comércio de importação e exportação do
Brasil passa pelo Siscomex da Receita federal, sistema totalmente eletrônico.
O despachante registra a importação ou exportação pela Internet, e o auditor
da Receita confere-as eletronicamente com absoluta segurança. Nossa balança de
pagamentos está no sistema eletrônico com segurança total. A declaração de
imposto de renda on-line substitui definitivamente o preenchimento de
formulários.
Antigamente, para tirar um saldo da conta ou
retirar dinheiro, era necessário ir ao banco. Alguns visionários diziam que um
dia ninguém mais usaria talão de cheques, mas um cartão para utilizar no
supermercado. Ninguém acreditava nisso. No entanto, hoje vivemos isso no
dia-a-dia. Quase não se usa mais talão cheque e a maioria das pessoas não vai
mais ao banco.
No Judiciário e em muitos cartórios ainda
estamos no tempo da ficha, resistindo à modernização dos serviços.
Conservadorismo: foi necessária uma lei para
usarmos a tecnologia na Justiça
Um marco histórico para o poder Judiciário é a
sanção da lei 11.419, que trata da comunicação eletrônica dos atos
processuais, legalização completa do processo, diário oficial on-line,
tratamento jurídico para documentos virtuais, requisição e cumprimento
eletrônico dos documentos, utilização da certificação digital, alterações no
CPC.
Penso que não seria necessária nenhuma lei no
Brasil para que a Justiça entrasse na era da tecnologia. Talvez tenha sido
necessária uma lei em razão do nosso conservadorismo. Há um artigo no Código
Penal de 1940 que permite que as sentenças sejam datilografadas. Era mesmo
necessário dizer isso? Na época não se aceitava que o juiz desse uma sentença
transcrita em laudas datilografadas. Não deve ter sido diferente com os
cartórios, uma vez que os livros tinham de ser escritos à mão. A mesma coisa
valia para os advogados, que não podiam peticionar em máquinas de escrever,
uma vez que se entendia que a autenticidade do documento não poderia ser
comprovada.
No Brasil, temos quase três milhões de processos
totalmente virtuais. Hoje, 60% da distribuição da Justiça federal, nos
juizados especiais federais, é totalmente virtual, e 80% dos juizados já são
virtuais.
Estou absolutamente convencido de que o melhor
instrumento de combate à morosidade da Justiça é o processo virtual.
Impossível continuarmos processando nossas ações à maneira antiga. O mundo já
não a admite mais.
Em um discurso, a ministra Ellen Gracie falou em
“tempo neutro do processo” e “tempo nobre do processo”. Por “tempo neutro” ela
quis referi-se ao tempo gasto pela burocracia do processo para carimbar,
perfurar e numerar as folhas, costurar o processo, etc. Definitivamente, essa
burocracia não interessa ao cidadão, não é prestação jurisdicional, não é o
“tempo nobre do processo”. A burocracia do processo, o tempo neutro, consome
até 70% do tempo gasto.
No processo virtual, esses atos desaparecem ou
se tornam automáticos, isto é, se uma petição ingressar no processo,
automaticamente isso fica registrado sem necessidade de carimbo ou
certificação. São procedimentos que levam dias, senão meses, e viram milésimos
de segundo no processo.
Quando instalamos o processo virtual nos
juizados especiais de Porto alegre, havia uma norma da coordenação dos
juizados segundo a qual, uma vez instalado o processo virtual, não se
receberia mais processos em papel.
No processo eletrônico, o advogado poderá
distribuir o processo do seu próprio escritório. Em vez de qualificar a parte
na petição inicial, qualificará no nosso sistema, uma vez que não há problema
algum em delegar essa função ao advogado. Confiamos no advogado a ponto de
copiar no nosso sistema aquilo que ele escreve na petição. Então, que o faça
diretamente. O que levávamos oito meses para fazer, o advogado o faz
rapidamente de seu próprio escritório. Isso é suprimir tempo neutro no
processo judicial eletrônico.
Efeitos da modernização: o que interessa para o
cidadão?
Combate à morosidade, mais acesso à Justiça, uma
vez que ela não terá mais ponto de atendimento nem horário de funcionamento
nem feriados, sábados e domingos. A Justiça funcionará de segunda a segunda e
terá mais transparência, porque os processos estarão na Internet ao alcance de
todos; as informações serão em tempo real; e haverá enorme economia de papel
para benefício ao meio ambiente.
Em agosto de 2005, um levantamento em Porto
Alegre apontou todas as sentenças que haviam sido proferidas de janeiro a
julho, contando da data da sentença até o dia da distribuição. Na Justiça
comum, o juiz levava 789 dias, em média, para dar a sentença. No juizado
virtual, a sentença saía em 37 dias.
Dizem que o custo da virtualização é muito alto,
o que não é verdade. Em Porto Alegre, na quarta região da Justiça federal,
gastamos R$ 800 mil para comprar máquinas e equipamentos. Depois de instalado
o sistema, gasta-se R$ 20 mil para virtualizar um cartório judicial. Entre
capa, tinta, folhas e grampos, gastam-se R$ 20 para imprimir um caderninho
processual, o que significa: os primeiros mil processos já pagam o
investimento. Como já foram distribuídos 400 mil processos totalmente virtuais
na quarta região, a R$ 20 cada um, houve uma economia de R$ 8 milhões somente
nos insumos do processo, ou seja, já foi recuperado todo o investimento e já
estão na conta do Judiciário R$ 7,2 milhões para aplicar em melhorias de
serviço para o cidadão. Se multiplicarmos isso para o Brasil, que tem 20
milhões de novos processos por ano, teríamos uma economia de aproximadamente
R$ 400 milhões.
Os 20 milhões de processos/ano do Brasil
representam 46 milhões de quilos de papel, que consomem 690 mil árvores. Para
a produção de papel consumido pelo judiciário, desmata-se o equivalente a 400
hectares por ano e gastam-se 1,5 milhão de metros cúbicos de água, suficientes
para abastecer uma cidade de 27 mil habitantes.
Mas ainda há outras vantagens: reduz-se a
mão-de-obra, uma vez que a distribuição de 160 mil processos consome 40
servidores. Em 2006, a Justiça federal teve 2,825 bilhões de processos, o que
significa que poderíamos ter 600 servidores deslocados. No Brasil inteiro
seriam mais ou menos cinco mil servidores, quase um exército trabalhando em
algo, hoje, totalmente inútil. Sem contar imóveis, prédios. A maioria dos
tribunais está alugando prédios para abrigar seus arquivos mortos, apesar de
já haver respaldo legal que permite, depois de cinco anos, eliminar esses
processos.
Sistema CNJ padroniza processo eletrônico
judicial
Em razão disso, o CNJ está patrocinando o
Sistema CNJ cujo objetivo é padronizar o processo eletrônico judicial no
sistema brasileiro. No Brasil há várias experiências de processo judicial,
especialmente nos tribunais regionais federais, bem como muitas iniciativas
locais, se bem isso esteja na contramão do que precisamos. O Judiciário não é
mais um arquipélago sem comunicação. Temos de conseguir uma plataforma única,
desafio esse que o Conselho Nacional de Justiça está enfrentando e evoluindo
rapidamente, não sem algumas dificuldades.
O CNJ já conseguiu implantar o processo
eletrônico virtual em quinze estados da Federação, dentre eles a Paraíba,
Roraima, Minas Gerais, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso. Em Santa Catarina
está em fase de implantação, uma vara em Florianópolis, outra em Brusque e a
terceira em Navegantes.
Além do Tribunal Eleitoral, o Tribunal Regional
Federal de São Paulo deverá instalar trinta varas virtuais até o fim de 2007.
A Justiça eleitoral talvez seja a que mais recorre ao sistema virtual, uma vez
que seus prazos, em algumas circunstâncias, são de horas.
O usuário acessa o processo eletrônico pela
Internet. Os dados ficam armazenados no servidor, que é interligado. Em razão
de economia, fizemos um backup remoto, isto é, por meio da Internet copiamos
tudo que está acontecendo no servidor para um outro banco de dados que está
num local diferente. Se tudo estivesse armazenado nesse servidor teríamos de
construir a chamada sala-cofre, que custa cerca de R$ 10 milhões... Por isso
fizemos uma cópia num lugar remoto, em outro computador. Em caso de algum
problema, teremos um backup bem longe.
Além disso, fizemos também um espelhamento, um
computador que funciona on-line com outro computador. Tudo que um deles
processa é copiado pelo outro. Se acontecer algum problema, o sistema
automaticamente passa para o segundo computador.
O CNJ também está pensando em outros projetos.
Um deles é a criação do www.dominio.jus.br.
Seria muito bom se os cartórios fizessem parte desse projeto já em fase de
implantação.
Serão implantados também quatro pilotos em
quatro tribunais, responsáveis pela uniformização taxonômica, ou seja, todas
as ações iguais terão o mesmo nome. Hoje, o tratamento é totalmente díspar,
uma vez que cada tribunal escolhe um nome diferente para a mesma ação. Numa
época em que pretendemos que todos os tribunais transacionem entre si, como
saber que a mesma coisa é a mesma coisa?
Essa diferença terminológica acontece também
entre os próprios tribunais. Por exemplo, para se referir à mesma coisa, a
Justiça do Trabalho fala em “hora extra”, “hora de trabalho extraordinário”,
“prorrogação de expediente”, etc.
Estamos incentivando a aplicação do sistema
Bacen Jud e, em acordo com o Banco Central, poderemos usar o cadastro de
clientes do Sistema Financeiro Nacional, evitando assim aquelas questões de
nomes indevidos.
Somente em agosto de 2006, o poder Judiciário
transacionou eletronicamente 296.573 requisições com o Banco Central, o que
significa 296 mil ofícios que não precisaram ser feitos e outros 296 mil que
não precisaram ser respondidos. Neste ano, eles já chegaram a quase dois
milhões de requisições.
O sistema Infojud permite que os juízes,
mediante troca de informações eletrônicas com a Secretaria da Receita Federal,
tenham informações on-line sobre os contribuintes. Em breve, o poder
Judiciário também terá acesso à DOI e, posteriormente, à restrição judicial de
veículos. Um dos piores gargalos da Justiça é a execução, uma vez que os bens
não são encontrados para a penhora, que é muito demorada. Com esses sistemas,
ela ser feita imediatamente.
Um projeto implantado em caráter experimental é
a liquidação eletrônica de processo, um alvará eletrônico, isto é, se alguém
fizer um depósito bancário para cumprir uma decisão judicial, com a
autorização eletrônica do juiz o banco poderá pagar o interessado.
Nosso projeto de informatização também pretende
alcançar os cartórios. Mediante uma rede judiciária que deve entrar em
operação até o fim do ano, isto é, mediante um anel que interligará todos os
tribunais de todas as capitais, abrir-se-ão as portas para que os cartórios
possam somar-se a essa rede.
Com a resolução 344, o Supremo Tribunal Federal
já aderiu ao processo virtual, que significa digitalizar aquelas doze peças
mencionadas do processo, inserir nelas os dados do processo, nome da parte e
nome do advogado, e enviá-la eletronicamente ao STF.
Esse sistema já foi aprovado em quatro estados e
inclui os processos federais de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Ponderações sobre o futuro
Peter Drucker, filósofo austríaco radicado nos
Estados Unidos, foi a maior autoridade em marketing. Para ele “só sabemos duas
coisas sobre o futuro: que não se sabe o que será e que será diferente do que
existe agora”.
Essas duas certezas geram vastas implicações.
Qualquer tentativa de basear as ações e os compromissos de hoje em predições
de eventos futuros é fútil. O melhor que temos a fazer é prever efeitos
futuros de eventos que aconteceram e são irrevogáveis. O futuro vai ser
diferente e não pode ser previsto, por isso é possível fazer acontecer o
inesperado e o imprevisto. Tentar fazer o futuro acontecer é arriscado, se bem
seja uma atividade racional e menos arriscado do que continuar a trajetória
com a confortável convicção de que nada vai mudar. É menos arriscado do que se
pautar por uma predição do que deve acontecer ou do que é mais provável.
Há uma lacuna temporal entre o grande evento
social econômico-cultural e seu impacto social. Essas são as oportunidades do
futuro que já aconteceram. Não é possível saber realmente com que rapidez o
impacto vai ocorrer, mas que vai ocorrer podemos afirmar com muita certeza e,
até certo ponto, descrevê-lo.
O processo judicial eletrônico é uma antecipação
do futuro que já aconteceu ou estamos fazendo o futuro acontecer? Ele rompe
com nosso modo tradicional de realizar a atividade judiciária. Inúmeras
funções – distribuição, atuação, numeração, certificação de prazos –, tudo
isso é automatizado ou será extinto. O fluxo do processo será racionalizado
com ganho de eficiência. A Justiça mais rápida será mais atraente para o
cidadão, que será estimulado a se valer dela com mais esperança e otimismo. O
acesso ao Judiciário ficará mais fácil e econômico, o que servirá de estímulo
ao aumento natural de demanda num país de muita violência e impunidade. Não
haverá mais gargalos na estrutura cartorária burocrática que impeçam o
processo de fluir mais rapidamente para a fase final da decisão.
A atividade de decidir própria do magistrado
será cada vez mais exigida bem como será mais exigido o melhor apoio técnico e
assistência de pessoal qualificado, o que demandará mais recapacitação dos
tribunais para transformar antigos burocratas cartorários em auxiliares
criativos que ajudem efetivamente o magistrado a impulsionar o fluxo do
processo.
“A melhor forma de poder prever o futuro é
criá-lo”, diz Peter Drucker.
“É muito melhor arriscar coisas grandiosas,
alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila
com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem
nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota” (Theodore
Roosevelt).
*Sérgio Tejada é secretário executivo do
Conselho Nacional de Justiça.
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