FERNANDO NETO BOTELHO

TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS

Setembro  2007               Índice (Home)


09/09/07

Videoconferência na Justiça

----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Sunday, September 09, 2007 10:36 PM
Subject: Re: [wireless.br] Videoconferência na Justiça

Prezado Hélio,

O artigo abaixo foi publicado por mim há mais de dois anos, embora, como vc bem acentua, o tema continue muito atual, importante, e merecedor de aguda análise, principalmente por parte dos especialistas no emprego da ferramenta.
Abs.,
Fernando Botelho
E-Mail: fernandobotelho@terra.com.br
Web Page: http://www.wirelessbrasil.org/fernando_botelho/fb01.html

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Olá, ComUnidade WirelessBRASIL!
 
Uma das decisões do Supremo Tribunal Federal de maior repercussão, nos últimos meses (a maior foi o histórico enquadramento dos 40 "mensaleiros"), foi a da 2a Turma, que considerou que interrogatório criminal realizado por videoconferência fere o direito constitucional da ampla defesa.
 
O ministro Cezar Peluso relatou o caso e afirmou que "a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal" e torna a atividade jurídica "mecânica e insensível". Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa.
 
A videoconferência é uma realidade e sua utilização pela Justiça interessa a todos.
 
Reunimos e transcrevemos abaixo vários textos sobre o tema para que o leitor/participante possa formar sua própria opinião.
 
Entre os autores estão o nosso participante Desembargador Fernando Botelho, o Governador José Serra, o "guru" e jornalista Ethevaldo Siqueira e o juiz Josemar Dias Cerqueira: 
 
Fonte: Terra
[14/08/07]   STF: videoconferência viola Constituição
 
Fonte: Estadão
[02/09/07]   Falando de tecnologia com os ministros do STF  por Ethevaldo Siqueira
 
Fonte: Estadão
[24/08/07]   Justiça e novas tecnologias por José Serra, Governador de S. Paulo

Fonte: WirelessBR
Videoconferência na Justiça por Desembargador Fernando Botelho
 

Fonte: Jus Navegandi 
[Ago 2007]   A videoconferência, o boi e a borboleta por Josemar Dias Cerqueira - juiz de Direito em Rio Real (BA)  
 
Fonte: Consultor Jurídico
[26/08/07]   Videoconferência: contato entre juiz e réu é ilusão por Francisco César Pinheiro Rodrigues
 
Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa
Thienne Johnson
 

Fonte: Terra
[14/08/07]   STF: videoconferência viola Constituição
 
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou nesta terça-feira que um interrogatório realizado por meio de videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. A decisão anulou uma condenação de 14 anos de prisão.
 
O condenado havia sido julgado pelos crimes de extorsão mediante seqüestro e roubo. Os ministros do STF julgaram ilegal o interrogatório, que aconteceu em 2002, ilegal.
 
O ministro Cezar Peluso relatou o caso e afirmou que "a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal" e torna a atividade jurídica "mecânica e insensível". Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa.
 
Ele esclareceu que países como Itália, França e Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada. Ao contrário, no Brasil ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência.
 
Segundo Peluso, o acusado o juiz não justificou a necessidade do interrogatório ser realizado por meio de videoconferência.

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Fonte: Estadão
[02/09/07]   Falando de tecnologia com os ministros do STF
 
Ethevaldo Siqueira
 
Respeitáveis ministros do Supremo Tribunal Federal. Antes de mais nada, devo confessar que, como brasileiro, fiquei muito feliz com o enquadramento dos 40 do mensalão.
 
Como é bom acreditar que a impunidade vai acabar, ainda que, lá no fundo, meu coração me diga que, daqui a três anos, a maioria esmagadora desses 40 réus será absolvida.
 
Mas meu tema é tecnologia. Aceitar o novo não é fácil. Assim tem sido ao longo da história. A inovação sempre encontra resistência dos guardiães do direito, da justiça, da educação, da religião ou da economia. Digo isso ao referir-me de forma especial à recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a realização de interrogatórios por meio de videoconferência, no dia 14 do mês passado. Decisão unânime.
 
Recordando: o STF decidiu que a tomada de depoimentos por meio de sistemas de áudio e vídeo, sem a presença física do réu perante o juiz, é inconstitucional, uma vez que fere o direito de ampla defesa e torna os julgamentos ''''mecânicos e insensíveis''''.
 
No caso em pauta, o Supremo concedeu habeas corpus e anulou a condenação de um réu interrogado por meio de videoconferência, em São Paulo, condenado em primeira instância a 14 anos, dois meses e 20 dias de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo.
 
Eis aí uma típica vitória do formalismo conservador contra o interesse da coletividade. Lembra-me a resistência de alguns bispos e clérigos - que, felizmente, não prevaleceu - contra as primeiras edições impressas da Bíblia de Gutenberg, produzidas segundo uma técnica "fria, metálica, artificial, sem o toque humano e sem a bênção de Deus".
 
RESISTÊNCIA
 
A história tem centenas de exemplos de preconceito e resistência diante das inovações. Por volta de 1840, alguns médicos norte-americanos chegaram a condenar as viagens de trem por considerar "antinaturais e prejudiciais ao ser humano quaisquer deslocamentos a mais de 40 quilômetros por hora, já que o homem não consegue correr a mais de 36 km/hora".
 
Outro caso clássico da luta do novo contra o velho, ocorreu em 1925, no Tennessee, Estados Unidos, tendo como personagem central o professor secundário John T. Scopes, processado num caso de repercussão internacional, por ensinar a teoria evolucionista de Charles Darwin. O defensor do professor, Clarence Darrow, foi proibido pelo juiz de discutir a validade do evolucionismo darwinista. O resultado foi desastroso. Considerado o maior advogado da época nos Estados Unidos, Darrow desafiou o promotor, o fundamentalista William Jennings Bryan, a defender a validade da interpretação bíblica ao pé da letra, criando-lhe os maiores embaraços e situações ridículas. Mesmo assim, o formalismo obscurantista venceu. O professor foi condenado a pagar uma multa de US$ 100 - importância maior do que seu salário de três meses, na época.
 
No passado, professores de matemática proibiam o uso da calculadora eletrônica, obrigando seus alunos a fazer cálculos infindáveis, sob pretexto de que aquelas maquininhas "emburrificavam seus alunos".
 
ATRASO
 
Vejam, senhores ministros, como anda atrasada a Justiça quanto ao uso de novas tecnologias, como informática ou telecomunicações. Rejeitar a videoconferência - que em nada prejudica o direito de defesa dos mais perigosos criminosos, mas protege a população e economiza milhões - é mais uma decisão terrível na direção oposta ao progresso e à eficiência dos tribunais brasileiros.
 
Se vier a prevalecer, a imputada inconstitucionalidade da videoconferência é dessas decisões que confundem o povo, reforçando-lhe a impressão de que a defesa dos direitos humanos está muito mais centrada na integridade e na proteção ao bandido do que em suas vítimas.
 
Como entender a insensibilidade de magistrados diante dos riscos e elevados custos que o Brasil continuará tendo com a remoção de milhares de presos, muitos deles de alta periculosidade, apenas para interrogá-los com o rito tradicional?
 
No sistema de videoconferência implantado e utilizado pela Justiça criminal paulista, a comunicação entre juiz, promotor, advogados e depoentes se tem dado em tempo real com a utilização de canais exclusivos de áudio para que o réu possa conversar em sigilo com seus defensores.
 
Com a chegada da TV digital de alta definição e, em especial, dos moderníssimos sistemas de telepresença, recentemente exibidos nos Estados Unidos, a videoconferência confere o máximo de fidelidade de imagem e de realismo aos depoimentos, como se as pessoas estivessem praticamente frente a frente. Até as menores reações, como a palidez ou a respiração do depoente, podem ser captadas. Nada, portanto, de mecânico, frio ou insensível.
 
Diante da tecnologia, não cabe pavor nem deslumbramento. Temos que utilizá-la da melhor forma, em benefício do ser humano e de toda a sociedade.
 
Meu velho pai dizia: para o formalista o que vale não é a vacina que imuniza e salva, mas, o atestado, um papelucho que pode ser falso e mentiroso.
 
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Fonte: Estadão
[24/08/07]   Justiça e novas tecnologias por José Serra, Governador de S. Paulo
 
Em Paulicéia Desvairada, Mário de Andrade afirma que "ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu". Não é apenas na literatura que a tradição e o preconceito embaraçam a descoberta do que é novo, moderno e pode ser muito útil. Na prática jurídica, a tendência a conservar velhos ritos cria notória dificuldade para se aceitar toda mudança tecnológica. É este o caso, atualmente, da videoconferência. No passado, a datilografia e a estenotipia provocaram tanta controvérsia que se considerou prudente dizer no Código de Processo Penal (de 1940) que a sentença pode ser datilografada (artigo 388) e, no Código de Processo Civil (de 1973), que o uso da taquigrafia é lícito (artigo 170). Providência semelhante se justifica a propósito do interrogatório a distância.
 
Em nome de princípios constitucionais valiosos - o devido processo legal e a ampla defesa -, recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou um interrogatório porque fora realizado por videoconferência, sem que o réu tivesse saído do presídio em que se encontrava. O velho Código de Processo Penal não regula nem proíbe o uso da videoconferência, que se difundiu amplamente em São Paulo, com a realização de 2.452 teleaudiências em apenas dois anos, a adesão de muitos juízes e a aceitação do Superior Tribunal de Justiça. Essa técnica também foi acolhida num projeto de lei proposto pelo senador Tasso Jereissati, para o qual a Câmara dos Deputados apresentou um substitutivo e que está pronto para ser votado, em definitivo, pelo Senado.
 
Defendo a aprovação desse projeto e não creio que o método seja contrário à Constituição federal nem aos direitos fundamentais. É natural que o acusado de um crime queira ser visto e escutado pelo juiz que irá julgá-lo. Isso integra a própria noção de um processo penal justo, que só merece essa qualificação quando é disciplinado e percebido como um diálogo, do qual o réu participa, com o respeito à sua condição humana e a oportunidade de ser ouvido e, deste modo, influir na decisão que afetará sua vida. Mas para isso não parece indispensável que o réu e o juiz estejam na mesma sala. Há muito tempo a tecnologia permite transmitir e receber som e imagem em tempo real, assegurando a observação de expressões faciais e de voz de quem participa do interrogatório.
 
A videoconferência traz para o ambiente judicial o que o telefone e a internet trouxeram para a convivência humana. Elimina o espaço e encurta o tempo. Sob fiscalização e acompanhamento do defensor, do Ministério Público e da sociedade, permite o interrogatório a distância. Também permite que o processo tenha, sem prejuízo das garantias constitucionais, uma duração menor, que o juiz multiplique sua capacidade de trabalho e que o Estado não exponha a sociedade a riscos desnecessários nem dissipe seus escassos recursos com o transporte de presos.
 
Não há razão para impedir esse ganho de eficiência, que tem entre seus defensores tribunais como o nosso Superior Tribunal de Justiça, a Corte Constitucional da Itália e a Corte Européia dos Direitos Humanos. Estes dois tribunais já examinaram a validade da videoconferência para o interrogatório, que é prevista na legislação italiana, e concluíram que essa técnica garante a ampla defesa e o direito ao processo justo.
 
Ao redigir a decisão, um dos grandes juristas italianos, Giuliano Vassali, argumenta que não tem fundamento a premissa segundo a qual somente a presença física do acusado no Fórum poderia assegurar a efetividade do seu direito de autodefesa, princípio que não pode ser confundido com as modalidades práticas pelas quais se concretiza em cada processo e cuja realização requer, apenas, que se garanta a participação pessoal e consciente do réu e meios técnicos que sejam idôneos para alcançar esse objetivo.
 
A Corte Européia dos Direitos Humanos recorda que o uso da videoconferência é previsto no direito internacional, como, por exemplo, na Convenção da União Européia sobre extradição judiciária em matéria penal. A videoconferência realizada em São Paulo, com o apoio do Tribunal de Justiça, conforme procedimento regulado por uma lei do Estado, não torna a atividade judiciária mecânica e insensível, não sacrifica nem diminui a defesa.
 
Como já foi lembrado em decisões do Superior Tribunal de Justiça, o que muda é a forma de apresentação do acusado, com uma extensão digital da sala de audiência, que "possibilita o contato visual e verbal, em tempo real, entre todas as pessoas envolvidas com o processo, quais sejam, réu, juiz, promotor, defesa, vítima e testemunhas". E tudo isso garantindo-se que o réu se comunique "com seu advogado através de telefone, reservadamente", e facultando-se a presença de um defensor "na sala de audiências e outro no presídio". Ou seja, este é um modo de assegurar a participação livre e consciente do acusado, por meio de uma tecnologia moderna, cuja aplicação é cercada de todos os cuidados para garantir que se expresse com liberdade.
 
Além disso, o uso da videoconferência torna possível a filmagem do interrogatório e o seu registro perene num CD-ROM, que fica arquivado para consulta de todos, inclusive de outros magistrados. Assim, no julgamento de eventuais recursos, o tribunal pode ver e ouvir exatamente o que o réu disse e o modo como o fez, o que não acontece na forma tradicional de documentação do interrogatório. E este é um benefício valioso, pois faculta a observação direta dessa prova pelo tribunal, o que é melhor do que a mera leitura de palavras impressas, que são veículos imperfeitos do pensamento e estão mais expostas a equívocos de interpretação do que a observação atenta do modo como o interrogatório realmente ocorreu.
 
José Serra é governador do Estado de São Paulo
 
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Fonte: WirelessBR
Videoconferência na Justiça por Desembargador Fernando Botelho

Desde os primórdios da civilização, o homem se comunica e, a cada passo, se entretém, revelando traço marcante de sua própria natureza, com a obsessiva busca do domínio de sons, imagens, e, finalmente, da escrita.
O disco de vinil marcou o trato dos sons no final do século XIX, como primeira expressão de mídia de massa, seduzindo usuários e adquirentes da vitrola de Thomas Edison (de 1877) e do gramofone de Berliner (1882). 

O disco foi, no entanto, rapidamente superado pela criatividade de Guglielmo Marconi e seus famosos sinais de rádio de 1896, sobretudo após a fama que alcançaram na detecção de pedidos de socorro do "Titanic" (1912).

Depois de quase entrar em colapso, pelo sucesso desta nova indústria do rádio e da transmissão de sons por radiofreqüência, a do disco de vinil a ela terminou se adaptando, vendo, no veículo sucessor, eficiente mecanismo de próprio suporte e de difusão de produtos. 
Nascia, ali, no início do século XX, nova base industrial, a da indústria de discos suportada pela do rádio. 
 
No mundo das imagens, não foi diferente. Edison deu outra contribuição, criando a Câmera de Cinema (o Hinetoscópio de 1888), que concorreu com o Biograph e o Vitagraph (em 1900). 
Ajustadas, também, estas inovadoras tecnologias, surgia, com elas, nova indústria, a de imagens em filmes, e a do cinema, com a áurea era dos filmes de estúdio (à partir de 1919). 

Mas, a introdução do tubo iconoscópico de Farnsworth e Zworkin (1923), que permitiu a criação da câmera de TV, e a dos tubos de imagem e respectivos receptores, deram nova dimensão à feição de mídia de massa (da TV), que, por sua vez, e pela imensa escala, abalou a do próprio cinema, cinema que, por sua vez, passou, à seguir, a compreender a rede que a TV proporcionaria, associando-se estrategicamente a ela,gerando nova formatação de indústria, a da produção de filmes para a TV, à partir de meados do século XX.

Foi sempre assim, porque é natural e compreensível que o seja.

Novas tecnologias de informação, transformam-se em objeto natural da obsessão humana, na busca por solução de obstáculos à comunicação (fatores espaciais, temporais). E terminam por consolidar solução impactante de setores pré-consolidados, os quais, por sua vez, passada a purgação do impacto, se ajustam - por vezes, se utilizam - da nova tecnologia surgida.

A primeira decorrência da inovação é, assim, a resistência - natural, compreensível - e, historicamente, vencível, das concepções conservadoras, formadas no mundo "do passado", ou que "está passando".
O paradigma, aceito, imposto, por costume, ou por cultura, tende a resistir, mas termina cedendo, sempre, ao valor, e à força, desigual, da evidência do melhor meio de solução de obstáculos.
Entrechoques históricos - do disco com o rádio; do cinema com a TV; agora, da TV analógica com as convergentes mídias digitais - foram, e serão, sempre resolvidos à luz da compreensão e da análise da busca humana por novos meios de comunicação.
Setores da sociedade variam, no grau, e níveis, desta resistência, definindo o tempo - nunca a possibilidade - da mudança.
A inovação tecnológica na comunicação não segue o costume; o costume persegue, por vezes de forma sôfrega, a novidade consolidada.

Fixado este ponto, viu-se, recentemente, que São Paulo - o Estado pujante da Federação - tomou a iniciativa de uma primeira videoconferência: na Justiça.

A arrojada decisão judiciária fez com que um determinado réu fosse interrogado, por um Juiz, à distância, ou, como se diz no jargão tecnológico, remotamente, com do uso de recurso de telecomunicação, especificamente, de uma videoconferência ("ponto-a-ponto").

Na prática, o Juiz, no fórum, o réu, na prisão, estiveram "juntos", ciberneticamente, por alguns momentos e para a finalidade de uma específica "conversa", através de um sistema de telecomunicações que, em tempo real, colocou-os "tête-a-tête" (com uso de telas e câmeras de vídeo).

Foram trocados, naquele histórico evento "ponto-a-ponto", conteúdos informativos de repercussão jurídica: perguntas, respostas, esclarecimentos, dados que trafegaram, de um ponto a outro, por via da tecnologia da informação que o país hoje disponibiliza, não apenas àquela modalidade de aplicação público-oficial, mas ao universo da população, por intermédio de suas prestadoras (operadoras de telecomunicações), conforme regulamento editado pela agência apropriada (ANATEL).

Pois aquele ato cibernético, do clássico interrogatório do réu - o mesmo interrogatório que os filmes de cinema mostram com grande destaque, e eloqüência, nos cinematográficos Tribunais americanos - foi concluído, no Brasil, à distância, sem a necessidade de deslocamento físico qualquer (do réu, no presídio, ao fórum; do Juiz, no fórum, ao presídio).
Por isso, a comunidade cibernética, astros todos de um, digamos, ciberespaço brasileiro, se regozijaram e entraram em festa: sinos tocaram, num símbolo de que, talvez, Edison, Marconi, e os outros todos da encantada tecnologia da informação dos séculos passados, estariam conspirando, a esta altura, para que a Justiça brasileira pudesse finalmente por um "pé" no que há de arrojado e avançado da era cibernética.
Juiz e réu interconectados, não mais tête-à-tête"; não mais camburões indignos, de "carregamentos" de presos aos fóruns; não mais o desfilar de detentos e familiares por corredores forenses, no "show" miserável das entranhas sociais; não mais o custo alto-operacional, dos empenhos policiais, em escoltas e transportes; não mais o dispêndio de policiais diários, nas permanências prolongadas em dependências forenses.
Não mais, enfim, o paradigma do passado: agora, o novo paradigma, o do presente!

Eis que surge, então, a resistência - clássica, histórica, natural, compreensível, mas seguramente removível.
Entidades congregadoras de profissionais da área jurídica invocaram, quanto ao vídeointerrogatório de SP, anômalo direito de comparecimento físico do réu ao local sempre-físico de trabalho do Juiz, para objetarem a prática daquele interrogatório por videoconferência.
Querem, em suma, seja vetado o uso do recurso tecnológico da vídeo "ponto-a-ponto" nos serviços da Justiça criminal.
Não querem ver o réu interrogado pelo Juiz à distância, com o tráfego de imagem, som, e texto, de ambos, em tempo real, por sistemas de telecomunicações.
Querem-no, ao réu, disponível nos corredores, nos camburões, nos transportes físicos, no tête-à-tête que a Lei Processual programou através de sua edição da metade do século passado.
Desejam que o recurso comunicativo, para o "encontro" entre Juiz e acusado, continue a ser o mesmo do tempo em que a TV surgia, para o mundo, por embrionária associação com o cinema.

Abandonam, na luta contra a inovação gloriosa, heróica, do Juiz paulista, o arsenal técnico-legal, que permite, por outros meios adicionais, a conferência da segurança na prática do interrogatório, ato, aliás, que constitui um dentre os restantes da instrução do processo judicial-criminal.
Resistem as entidades, pelo valor de seu conjunto, à mudança, na verdade, de um dos vários paradigmas judiciários brasileiros.
Põem, sob enfoque, nesta exortação contrária, um abstrato "direito" do acusado - ao comparecimento exclusivamente físico à sala do Juiz - e abandonam toda a possibilidade de uma crítica séria e essencial ao valor efetivo da tecnologia à economia judiciária.

A crítica científica (jurídica e tecnológica) não está feita, com todo o respeito, no manifesto contrário, que terá sido entregue, pelas entidades, ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
E, por não havê-la, afeiçoa-se à resistência pela resistência, nos melhores moldes das que tantas vezes terminaram vencidas nas lutas conceptivas travadas por antigos e novos parâmetros de comunicação.

A tele ou videconferência, hoje, no Brasil, "dentro" ou fora do conceito internet (WEB) - os próprios "streaming" pela rede mundial - não estão apenas disponibilizados, por alta capacidade tecnológica, de transmissão (bandas, equipamentos, etc.), ao Brasil oficial.
Estão, já, a efetivo serviço de inúmeras aplicações privadas, amplamente testadas em eficácia e segurança, do que são exemplos as destinadas à telemedicina (cujos valores essenciais envolvidos, com todo o respeito, são mais sensíveis do que o próprio interrogatório do acusado, no processo criminal), e podem ser graduadas, em termos de qualidade e segurança, com recursos tecnológicos apropriados.

Níveis adaptativos da videoconferência -definição da qualidade de imagens, taxas de compactação e de transmissão, redundância do sistema de transmissão, customização de equipamentos - tornam-se associáveis aos instrumentos clássicos, de segurança processual-jurídica, para tornarem factível, e sustentável, sob qualquer ótica (jurídica ou tecnológica), o interrogatório à distância, ou, o "teleinterrogatório".

País que se lança a trafegar milhões de bits de cidadania, numa imensa rede eletrônica - a Urna Eletrônica e o Voto Eletrônico - como, recentemente, ocorrido em 100% dos pontos de votação brasileiros, e que dispõe de processamento bancário on-line para tráfego de valores (além de serviços de e-banking internacionalmente reconhecidos como dos mais evoluídos e utilizados), não pode acomodar-se diante de resistências paradigmáticas.

Ou elas - as resistências - tomam pé dos alicerces que necessitam editar de modo objetivo, concreto, e convincente, contra este pujante "mundo novo", ou a história se incumbirá de implanta-lo com a mesma repetição inexorável.
A Justiça brasileira precisa de muito. Não se lhe suprima o "algo" que possa elevá-la a melhor e mais econômico instrumento social, nacionalmente proveitoso, e internacionalmente reconhecível.

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Fonte: Jus Navegandi 
[Ago 2007]   A videoconferência, o boi e a borboleta por Josemar Dias Cerqueira - juiz de Direito em Rio Real (BA)  
 
 O uso da videoconferência, doravante denominada VC, particularmente como meio para interrogatórios criminais, enseja debates calorosos. De regra, os magistrados que manifestam desconforto com a possibilidade são considerados exemplos do caráter conservador do Poder Judiciário. Entendo, porém, como membro da magistratura nacional, que o que alguns chamam de conservadorismo retrógrado nada mais é do que preocupação com direitos que só são realidade pelo sofrimento de várias pessoas ao longo dos séculos.
 
Apaixonado por informática, fruto de formação anterior em Engenheira Elétrica, e com quase quinze anos de experiência desenvolvendo softwares e implantando tecnologias, evitarei as conhecidas ressalvas quanto à VC por violações aos Princípios Constitucionais, dentre eles o da publicidade e do devido processo legal, sem falar das normas contidas em tratados internacionais, ponderações que endosso totalmente.
 
O interrogatório por videoconferência, não colocando ao mesmo tempo, e frente a frente, magistrado, acusador, réu e defensor, é uma redução dos direitos do réu, cuja implementação interessa precipuamente ao Estado: "tem cunho predominante de economia de recursos materiais para superar deficiências outras: falta de magistrados, excesso de presos, acúmulo de processos." (CERQUEIRA, Josemar Dias e outros. Princípios Penais Constitucionais. Org. Ricardo A. Schmitt. Pág. 436). A questão é saber se a redução destes direitos é admissível no ordenamento vigente.
 
Existem três premissas básicas nesta discussão. A primeira é que não se pode confundir a comunicação de atos processuais por meio eletrônico – já autorizadas pela lei 11.419/2006 – com a VC, forma de se realizar atos a distância. A segunda é que no Processo Penal o interrogatório interessa predominantemente ao réu, que pode optar em ficar em silêncio ou não, sendo diretamente afetado pela forma com que este ato é realizado. A terceira é que não se pode, também, justificar a VC pela possibilidade de oitiva do réu por carta precatória, já que esta acontece com réu, acusador, defensor e magistrado – ainda que seja outro – no mesmo recinto.
Estabelecidas estas considerações, imaginado o juiz em um local e o réu em outro, passemos a algumas questões – dentre muitas outras, reconheço.
 
Qual será a localização física dos autos, enquanto a sonhada digitalização não chega? O réu, para consultas sobre o interrogatório, pode querer conversar com seu patrono, discutir uma determinada foto, documento ou parte do processo, sanar uma dúvida surgida naquele dia. Se os autos não estão a seu alcance, conseguirá exercer sua defesa plenamente? Como buscar orientações de seu defensor, se os autos não estão acessíveis a pelo menos um deles?
 
Como o magistrado controlará o ato em sua plenitude? No ambiente onde ficar, o magistrado percebe perifericamente tudo à sua volta, de forma simultânea: se alguém acena, se alguém se mexe, se a pessoa olha para um determinado lado ou se alguém faz sinais. No local onde estará o réu, o magistrado fica limitado ao que a câmara mostra. Ainda que possa operar a imagem remotamente – tecnologia mais dispendiosa – verá uma imagem de cada vez.
 
A despesa pelo deslocamento do réu deve a ele ser atribuída? O réu, no momento em que tem sua liberdade restringida fica ao sabor do Estado. O processo demora? Culpa do Estado. O réu está longe? Culpa do Estado que o coloca longe. O réu precisa se deslocar toda hora? Culpa do Estado que não o julga de forma célere. Neste aspecto, aliás, o interrogatório não pode ser considerado como um simples obstáculo a ser rapidamente superado até a pena já decidida. Eventualmente, quando se menciona a situação de um famoso preso do Rio de Janeiro, indo de um Estado a outro, tenho lido a opinião de políticos criticando tais deslocamentos e que parecem que estão simplesmente querendo acabar logo com o processo e apresentar uma condenação, sendo que o deslocamento do réu dificulta tal objetivo.
Porque se associa o uso da VC com a questão da economia? Tratar limitações de direitos em termos monetários traz arrepios de toda ordem. A abordagem faz os mais temerosos imaginarem que no futuro alguns defenderão a eliminação de atos processuais apenas porque implicam em gastos ao erário. Em um cenário em que o simples acesso de patrono a inquéritos policiais em delegacias necessita, eventualmente, de manifestação judicial, inclino-me a resistir a qualquer redução de direitos, por mais insignificante que pareça.
 
Qual o custo real da implementação da VC em larga escala? Em um País que não consegue sustentar velocidade de comunicação de dados em um patamar mínimo de segurança e custo, a VC exige conexões caras e equipamentos dispendiosos, sujeitos a interrupções freqüentes, sem falar na utilização concorrente, pois em uma Penitenciária com óbvios inúmeros presos, é altamente provável que alguns precisem participar de uma VC ao mesmo tempo, já que respondem a processos em locais diversos. Teremos salas de VC suficientes?
 
A questão já divide nossa corte constitucional, com decisões contra e a favor (HC 88914 e HC 91758).
 
Modernizar, informatizar, digitalizar os documentos e substituir o processo físico pelo meio eletrônico são medidas viáveis e que não restringem direitos e garantias dos envolvidos no processo. A realização de atos por VC introduz elementos negativos em uma ferramenta de otimização administrativa. Se lembrarmos que o réu é inocente até prova em contrário, concluiremos que estamos restringindo a defesa de um inocente e só porque o Estado não fez sua parte. A questão-fim não é só viabilizar a conversa entre o réu e o juiz. A dúvida maior não é só se há ou não presença física e se o juiz precisa estar no mesmo ambiente do réu por ser importante para a sentença que dará. O significativo aqui é que o interrogatório é um ato marcante para o réu e que o uso da VC não o beneficia, muito pelo contrário. Defender que a VC é mais célere e econômica não lhe tira as outras conseqüências. Ou, como diz o sábio homem do interior, não adianta chamar boi de borboleta e pedir para voar.
 
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Fonte: Consultor Jurídico
[26/08/07]   Videoconferência: contato entre juiz e réu é ilusão por Francisco César Pinheiro Rodrigues
 
Uma das decisões do Supremo Tribunal Federal de maior repercussão, nos últimos meses, foi a da 2a Turma, que considerou que interrogatório criminal realizado por videoconferência fere o direito constitucional da ampla defesa. Trata-se de um Hábeas Corpus concedido em favor de um réu já condenado na primeira instância e no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com HC negado pelo STJ.
 
Ele foi condenado pelo crime de extorsão mediante seqüestro e roubo. Teria que cumprir pena de 14 anos e dois meses, em regime fechado. Com a concessão do Habeas Corpus certamente saiu livre, se não condenado em definitivo por outro delito. Espera-se que, pelo menos por gratidão às sofisticadas teorias constitucionais, se abstenha, por algum tempo, de novos roubos e seqüestros. A comunidade, confusa e indefesa, agradeceria.
 
O grande perigo social da decisão está no discutível precedente, que pode mandar para as ruas centenas ou milhares de assaltantes, já condenados — com robustas provas, como parece ter sido o caso em exame — mas que foram interrogados sem o tal “contato físico” com o juiz. Espera-se um dilúvio de Hábeas Corpus invocando o mesmo direito. E não será a nata da bondade humana que festejará a inesperada liberdade.
 
Os inimigos da videoconferência — fiquemos apenas na tese, em abstrato —alegam que é direito do réu comparecer a uma audiência tendo um juiz de carne e osso à sua frente. Seria sua oportunidade, como réu, de convencer o juiz quanto à sua inocência. Com seu jeitinho humilde e simpático, semblante irradiando honestidade, o réu certamente, se fisicamente presente, “faria a cabeça do juiz”, mostrando que tudo o que consta do inquérito policial é ilusão de ótica e perseguição policial.
 
O juiz, obviamente seduzido pelo poder persuasivo do réu, acreditaria na sinceridade do réu, revelada até no tom de voz. Em suma, a defesa direta, pessoal, do réu, seria muito mais eficaz que aquela, técnica, produzida por seu advogado — esse profissional frio, interesseiro e que não estava no local dos fatos. Sem condições, portanto, de informar o que realmente aconteceu. “Eu, Excelência, que estava lá, é que tenho autoridade para dizer o que ocorreu!” — explicaria o réu ao crédulo juiz.
 
Argumentam, ainda — os inimigos da videoconferência — que o Código de Processo Penal, de outubro de 1941, não prevê esse uso da tecnologia, não havendo também lei federal posterior a respeito, como seria necessário, vez que cabe à União legislar sobre processo. Além do mais — acrescentam —, falar frente a uma tela, mesmo vendo a figura do juiz, produz certa inibição, o que não ocorreria se o “contato” fosse pessoal, mais “humano” e acolhedor. Isso tudo em mencionar que o “recente” — de 1969 — Pacto de San José da Costa Rica também assegura ao réu o direito de ser apresentado ao juiz.
 
Contra-argumentando, cabe dizer inicialmente que o interrogatório do réu não tem única finalidade. Não é apenas peça de defesa. Se assim fosse, poderia o réu confessar seu crime com calma, detalhes e verossimilhança, sem que essa confissão fosse levada em conta porque, “afinal’, o interrogatório — concebido apenas como forma de defesa, consoante a unilateral teoria — não poderia ser desvirtuado, transformando-se em confissão. Mesmo que o réu, em crise de remorso, chorasse e implorasse ao juiz para que, por favor, acreditasse na sua culpa, esse raro, milagroso esforço de sinceridade teria que ser ignorado. Essa teoria que vê no interrogatório apenas uma manifestação de defesa é obviamente insensata e favorecedora do crime.
 
No interrogatório cabe ao réu defender-se, se quiser. Tolera-se até que minta — não será processado por isso. Ao juiz, por sua vez, cabe — sem ameaças, mas com psicologia e “jeito” — tentar obter a verdade, ou um máximo de verdade. Nada faz de errado se conseguir obter uma confissão. A mesma habilidade deve usar quando ouve a vítima, que pode, excepcionalmente, ser moralmente pior que o réu. Não pode mentir ao acusado, dizendo, por exemplo, que o cúmplice já confessou, mas deve perquirir o que realmente ocorreu. É sua obrigação, se não quiser que a justiça se transforme num jogo mentiroso, ingênuo e desmoralizado.
 
A busca da verdade é o objetivo maior de toda atividade processual, em qualquer país civilizado. Descobrir a realidade para poder a ela aplicar a legislação pertinente, com os possíveis temperos da equidade e princípios gerais de direito. Não se alegue que o juiz tem a obrigação de agir como um funcionário ingênuo, perguntando mecanicamente detalhes irrelevantes, preocupado em evitar que o réu, mesmo defendendo-se, acabe revelando o que realmente aconteceu.
 
Há quem, absurdamente, critique o juiz que faz bom uso da sua superioridade cultural sobre o réu, geralmente de pouca escolaridade. Se todo processo visa a busca da verdade, isso ocorre também, e até com mais razão, na área penal. Os juízes são — pelo menos em tese —, selecionados pelo critério de competência técnica e capacidade mental. Têm que usar essa inteligência em toda a instrução processual, inclusive nos interrogatórios. Se o réu se prejudicar respondendo, paciência. Mesmo porque poderia silenciar, cabendo ao juiz extrair conclusões pessoais — bem razoáveis... — sobre o significado desse silêncio. Silêncio, lembre-se, interpretado em conjunto com outras provas. Com boa informação — inclusive a fornecida pelo réu, mesmo suspeita — haverá maior possibilidade de decisão justa, tanto ao réu quanto à vítima e a sociedade.
 
O interrogatório apenas compõe o conjunto da prova. E toda prova é relativa. Há até mesmo, sabe-se, confissões falsas, com réus presos e condenados a “infinitas” penas de prisão que “negociam” sua confissão com outros presos. Assumem a culpa de um homicídio, por exemplo, porque nova condenação seria gota d’água em seu balde de condenações. E já que falei em “conjunto da prova”, tudo indica — não li os autos — que houve prova de sobra comprovando que o seqüestrador, libertado pelo Habeas Corpus em exame, cometeu o crime. Não foi condenado por um detalhe relacionado, estritamente, com a técnica inerente à videoconferência.
 
Alegam ainda, os inimigos da videoconferência, que responder a perguntas, frente a um computador, mesmo vendo a fisionomia do juiz, inibe o réu, o que não ocorreria se o contato fosse pessoal, “olho no olho”, menos “insensível, mecânico”.
 
O argumento não convence. Se o juiz tem expressão naturalmente carrancuda, é antipático, mesmo sendo o interrogatório realizado à moda tradicional a alegada “inibição” permaneceria. O réu, nesse caso, preferiria ser “entrevistado” por videoconferência, por um juiz simpático, cara de bonzinho.
 
Em suma, a alegada necessidade de um “contato físico” é ilusão. Réu e juiz nem mesmo se cumprimentam. Não apertam a mão nem dão tapinhas nas costas. Não confraternizam. Na verdade, tradicionalmente, é mínima a utilidade do interrogatório. Alguns acusados até trancam-se em silêncio. O réu “abre-se” se assim quiser, mas isso é raro. Quem realmente defende o réu é seu advogado. O réu mais atrapalha do que lucra quando se mete a atentar convencer o juiz, dizendo coisas que não deveria dizer.
 
É exagero equiparar um interrogatório bem feito, hábil e sem ameaças, com as velhas técnicas inquisitórias da Inquisição. Nestas, o acusado de heresia era realmente torturado na “roda”; ou com ferro em brasa, chicote ou engolindo baldes d’água. Se, graças à sua instrução e inteligência, o juiz consegue obter a verdade — seja do réu, da vítima, das testemunhas e do perito — que seja isso festejado, porque a missão do juiz é buscar a verdade. Repito: as vítimas e a sociedade também merecem respeito.
 
Outro aspecto relacionado com o interrogatório refere-se à comunicação entre o réu e seu advogado. O acusado tem todo o direito de se comunicar com seu advogado, antes do interrogatório, mas não durante o ato. Afinal, trata-se de um diálogo, não de uma mesa-redonda. Imagine-se um grande empresário que comparece ao interrogatório acompanhado de vários advogados, cada um especialista em determinada área do Direito: penal, tributário, civil, administrativo, previdenciário, etc. A se permitir comunicação em pleno interrogatório teríamos mais um comício cochichado que um interrogatório digno desse nome.
 
No Hábeas Corpus em exame, diz o parecer da Procuradoria Geral da República que o acusado teve oportunidade de se comunicar previamente com seu advogado gratuito e estiveram presentes ao ato dois defensores da Procuradoria da Assistência Judiciária. Conclui-se que a condenação foi justa, em nada influindo a circunstância do uso da informática.
 
O único ponto mais forte na decisão concessiva do HC está no fato de a videoconferência não estar prevista expressamente em lei federal. Todavia, o Código de Processo Penal data de 1941, quando a informática engatinhava no hemisfério norte. E é discutível a necessidade de a legislação processual penal ter que se modificar a cada aperfeiçoamento da tecnologia, o que ocorre com muita freqüência. Desde que assegurado o contraditório, o amplo direito de defesa — como foi a condenação em exame — não há que valorizar demais a ausência de menção expressa, em lei, da videoconferência.
 
E ressalte-se que um CD com a visão do interrogatório, transmitindo as falas do réu e do juiz permitirá aos tribunais de apelação aquilatar mil vezes melhor a sinceridade do réu. Muito mais que uma peça datilografada, que pode conter imprecisões. E não se fale em ameaças não visíveis ao réu porque essas ameaças podem existir antes do interrogatório, na forma tradicional de se ouvir o réu.
 
Na verdade, parece-me que a ojeriza maior dos criminalistas contra a videoconferência está no dissabor profissional de ter que ir ao presídio onde está o cliente — realmente um grande dissabor — para assisti-lo durante o interrogatório. Muito mais nisso do que na importância teórica do fictício “contato físico”, que nunca existiu mesmo.
 
Todos os ministros do STF são indiscutivelmente honrados e notoriamente competentes, mas o excesso de trabalhos e atribuições pode, em tese, propiciar julgamentos menos afinados com o melhor interesse da justiça e das conveniências práticas, que também são importantes para o país. Em tese, é possível que a decisão seja revertida pela alta Corte, em seu conjunto, com alguns ministros revendo sua posição, o que só merecerá elogios. Será uma demonstração evidente de personalidade e força interior.
 
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2007

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