FERNANDO NETO BOTELHO

TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS

Dezembro  2008               Índice (Home)


20/12/08

• Crimes Digitais - Fernando Botelho comenta "post" no BLOCO - Blog ComUnitário WirelessBRASIL

Referência:
19/12/08
Crimes Digitais (46) - O "espírito do legislador" + Estudo dos Art. 285-A e 285-B + Artigo de Fernando Botelho
 

----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: Helio Rosa ; Celld-group@yahoogrupos.com.br ; wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Saturday, December 20, 2008 12:50 PM
Subject: [wireless.br] Re: Crimes Digitais (46) - O "espírito do legislador" + Estudo dos Art. 285-A e 285-B + Artigo de Fernando Botelho

 
Prezado Hélio,
 
Tenho tido muito pouca condição de atuar, de me manifestar, mas não perco uma linha das ricas mensagens que, não só sobre esse mas sobre todos os outros assuntos, são diariamente veiculadas aqui, sempre sob sua criteriosa e equilibrada batuta.

Esta sua coordenação, aliás, esse seu invulgar poder de convocação permanente à reflexão fria e fundamentada, à depuração técnica dos dados, das informações, é que faz desse, seguramente - mais uma vez repetindo o que tantos já afirmaram - o mais amplo e prestigiado espaço eletrônico de debates de TI do país (deve ser do mundo, mas fico na comparação interna-doméstica prá não frustrar ninguém "lá fora"...rs).

Cada pessoa, fruto de suas próprias convicções, formação, meio social, profissional, etc., reserva preferências, que se revelam nas convicções, nas manifestações, nas impressões, e que se legitimam justamente pela liberdade, que todos temos, de expô-las, de sustentá-las, com ênfase, com o colorido, com as tintas, enfim, que queiramos.

Cada ambiente comporta, no entanto, um nível específico de liberdade para essa expansão intelectual, e, aqui, estamos, seguramente, na plenitude, no "maximum" desta prerrogativa...é fundamental que seja assim. Do contrário, não funciona.
Solenidades, restrições, regras, para expressão, são para outros campos, reconheço; aqui, deve mesmo prevalecer uma ampla possibilidade de nos manifestarmos.
Seguramente por isso, o assunto da nova (possível) lei brasileira de cybercrimes tem motivado graus os mais variados de manifestação, que vão do zero ao infinito.

Ora sob um, digamos, acanhamento que vem do desconhecimento técnico da matéria, ora sob um entusiasmo exacerbado de visões compreensivelmente ligadas a setores ou atividades envolvidas em seu campo de atuação, ora, ainda, por razões mais específicas, ligadas à própria idiossincrasia com a política e com políticos que, inevitavelmente, integram a sua formação - porque produto da atividade parlamentar que nós mesmos criamos pela opção da democracia representativa - o projeto de lei tem se submetido, também aqui, a uma sazonal visão apreciativa.
E vc tem chamado a atenção para isso; vem, com rara felicidade, apontando a necessidade de um pouco mais de calma, de equilíbrio, talvez, até, de caldo de galinha...rs....informando que isso não fará mal algum na análise da nova lei.

Não sou, evidentemente, avaliador de tutorias eletrônicas, mas, se não me engano, o caminho mais útil está, exatamente, por aí.
Afinal, tantas leis são feitas, tantas modificações, muito mais significativas que essa já foram, estão sendo, e serão implementadas no Brasil - e essa não mais faz que alterar 11 disposições das mais de 300 vigorantes há meio século do Código Penal - e o mundo brasileiro não ruiu, nem ruirá, com elas.

Ninguém será privado de seus bens, de sua dignidade, de sua liberdade intelectual, de sua privacidade, de sua intimidade, só porque o PL 84 está para ser apreciado, ou possa vir a ser aprovado e promulgado.
O cenário apocalíptico que vem sendo pintado em torno dele surpreende e assusta, antes, os próprios profissionais que auxiliaram sua composição redacional.
Fui um deles, como vc ressalta.

Na última audiência pública, na Câmara, cheguei a dizer isso, publicamente, tão surpreso fiquei (ficamos todos) com o volume....rs.
Assustamo-nos todos os que atuaram, em caráter voluntário, não remunerado, e puramente técnico, com o volume altíssimo aliás, dos alertas sobre o que irá ocorrer com o país após sua (eventual) aprovação.
Tudo ruirá ! A internet acabará ! Todos serão presos, incriminados, violados ! Um manto negro, pior que aquele que se dobrou sobre a nação na ditadura, voltará, mais denso, com o PL 84.

Profissionais do GSI-Grupo de Segurança da Informação da Presidência da República, da Polícia Federal, das Consultorias Técnicas do Senado e da Câmara, das Assessorias Jurídicas das Tres Forças Militares nacionais, da Magistratura, da Advocacia especializada/TI, e dos próprios Partidos, de oposição e situação, que atuaram na composição do texto, ficaram (ficamos), estupefatos com o volume!

Não pensávamos, sinceramente falando - e talvez falando com o máximo da minha ingenuidade - que, após rodadas e rodadas de discussões e alterações redacionais na estrutura do PL, com amplas e, inclusive, antagônicas visões sobre proteção e resguardo de direitos civis fundamentais (a liberdade de expressão, a intimidade, a privacidade, e o sigilo de dados e comunicacional), tivéssemos errado tanto, tanto nos distanciado do equilíbrio, da racionalidade, da orientação, insisto técnica, da atuação político-parlamentar, que proibia, a todos, exatamente, risco qualquer de fissura dos valores máximos que compõem, hoje, a liberdade na rede.

Tudo isso, meu caríssimo Hélio, ficara, repentinamente, reduzido a pó; ao pó do exorbitado alerta de que o resultado da coletiva e heterogênea visão, que, com imensa dificuldade e cuidado, chegou a um texto mínimo-comum, consensual, ou, como sempre referencia o Portugal, consensuado, que envolveu, inclusive, conjunta participação da assessoria técnica de Partidos antagonicamente opostos no Parlamento (situação e oposição), destruiria, rigorosamente, os campos de convívio eletrônico, do simples ato de envio-recebimento de e-mails, ao das comunidades mais importantes, como esta aqui, e, ainda, à de trocas de conteúdos específicos (como musicais, filmes, etc.), passando pela própria quebra, integral, da estrutura econômica dos Provedores de Acesso, com particular afetação dos pequenos, dos mais pobres e mais úteis.

Terra Arrasada ! É o que teríamos produzido nas dezenas de horas e dias de reuniões e discussões, além de duas seguidas audiências públicas no Senado e na Câmara...destruição, portanto, à luz-do-dia, pública, inclusive, em cenário institucional, e, o que é pior, realizada por especialistas em devastação !
Não foi só ! Tudo isso ainda se faria em nome ou à conta de interesses subalternos, políticos-politiqueiros, financeiros, pequenos, e sei lá o que mais....
O assunto se tornou, de repente, meio, digamos, "religioso-fundamentalista"...uso, aqui, estas expressões com muito, muito cuidado, para não despertar a ira justamente contra o que quero seja recebido (pelo Amor-de-Deus !...rs) como não mais que mero esclarecimento do fato...rs...ainda que sob uma pessoalíssima, modestíssima, ótica......!...vênia das vênias (todas)...rs

Aliás, como aqueles todos que têm sentimentos, também tenho a minha própria e pessoal característica, que é a de desânimo absoluto, total, de ingresso em cenários de gritaria, de rolos compressores, e de emocionalidade exacerbada; modesta e respeitosamente, penso que eles levam a nada, não resolvem, absolutamente, nada; só contribuem, primeiramente prá ofender; depois, prá atiçar ânimos, e, finalmente, prá desmontar a possibilidade de soluções e debates razoáveis, com geração de soluções médias, produtivas.
E, também, porque esses cenários costumam terminar, mesmo, mais cedo, mais tarde, na Justiça, que é onde atuo e trabalho, talvez o uso, diário-intenso, "do cachimbo", tenha "entortado a boca", para desanimar a integração prévia a eles...rs...e, a rigor, esperar que acabem chegando lá mesmo no prédio próprio (da Justiça).
Sei que muitos pensarão que trata-se de uma demasiadamente "fria-do-juiz"...pode ser que seja ! Mas é o meu mais sincero sentimento sobre toda essa confusão gerada na discussão do PL 84 após sua aprovação no Senado: a de que, de técnico mesmo (refiro-me à técnica de tecnologia, associada à técnica jurídica, e à técnica redacional) muito pouco se discute, muito pouco se fala...e a poeira da exacerbação não faz mais que negar essa possibilidade, que é a possibilidade da dialética sensata e conhecedora da questão.
Não confundam, por favor, com arrogância ou pretensiosidade.
Não é isso.

É que o que se deve discutir, pautar, se se quer, como adverte o Hélio, uma discussão séria, realista, sobre os efeitos palpáveis, materiais, desta (possível) lei, não é, efetivamente, o cenário abstrato, imaginário, de destruição, que ela poderá (e para alguns irá) gerar.
É o que ela poderá produzir, na "mens" daqueles que irão aplicá-la - os representantes do Estado para esta finalidade (que chamamos de Estado-Jurisdição) - em termos de resultante material, e, consequentemente, o que ela não poderá produzir.
Prá isso, não tenham dúvida, é preciso acalmar mesmo os ânimos, racionalizar a análise e, efetivamente, medir, uma-a-uma, as palavras, os vocábulos, orações, e períodos, que estão introduzidos no PL e que serão, eles, e, não, os discursos inflamados, considerados, digamos, matéria prima da aplicação da norma.

Quem duvidar disso, veja, nesta semana, o que pôde representar, em termos de alteração de cenários, a mudança da interpretação - e, com ela, da decisão - sobre a incorporação Brt-Oi.
Juízes lêem leis. Leis são escritas. Vocábulos (de leis) têm sentido (semântico, ontológico, axiológico, e, claro, tecnológico, quando de tecnologia tratem). E parlamentares fazem leis.
Aplicar é Julgar, valorar (as expressões da lei).
É simples (e complicado, ao mesmo tempo).

Centremos a atenção nas expressões, secas, do PL 84. É uma proposta. Verão o quanto será mais tranquilo, mais calmo, mais seguro, menos euforizante, menos angustiante, que o debate meta-legal (e quase-metafísico) que se quer eclodir.

Coisas (pacificadoras) como:
a) o PL só formata crimes dolosos, isto é, não haverá, por ele, possibilidade qualquer de incriminação de condutas não-intencionais, ainda que implementadoras dos fatos nele previstos (isso tira, do campo de sua abrangência, os incautos-inocentes, nós, os praticantes de boa-fé das práticas eletrônicas, usuários "white-hat" das redes e sistemas, ou de sistemas autorizados, como as redes P2P);

b) todas as penas dos 11 novos crimes do PL, sem exceção, não permitem prisão, recolhimento à Cadeia, como afirmam alguns, de pessoas primárias, sem antecedentes (foram programadas/medidas para educar, preventivamente, a todos, e não para encher cadeias de infratores primários; todas elas comportam conversão, desde logo, em multa, restrição de outros direitos que não a liberdade, em suspensão condicional do processo, em "sursis", algumas, as de detenção, não autorizando sequer prisão em flagrante);

c) todos os deveres previstos no art. 22 do PL estão voltados para uma única finalidade: a coleta de vestígios materiais dos crimes (chamamos, tecnicamente, de corpo de delito); sem ele, sem a prova do crime, não há razão lógica, sequer, para instituição dos crimes, porque não haverá compromisso legal imponível a quem pratica o provimento do acesso, no que diz respeito à preservação, prévia, dos dados meramente informativos da origem da conexão (data e hora da passagem do sinal pelo equipamento servidor da rede).

Os que afirmam que as redes Wi-Fi, ou WIMAX, irão frustrar a previsão, ou que haverá meios técnicos tais e quais para frustrar-se o rastreamento do IP, navegam, desculpem a sinceridade, sobre um sofisma, do ponto de vista jurídico-penal e tecnológico: o de que, nestas, não haverá provimento de acesso.
Pois se, gramaticalmente até, o art. 22 estatui obrigação administrativa (não é, sequer, obrigação penal; não incrimina, por descumprimento, quem quer que seja) do provedor de acesso, evidentemente, que, no máximo do provimento da rede wireless, qualquer que seja esta, haverá a figura, a equipagem, e a estrutura da conexão usuário/cliente-provedor, cabendo, a este, portanto, a responsabilidade (insisto, de caráter meramente administrativa) pelo registro dos dados da conexão, a partir da origem.
Se não houver esta possibilidade em determinado fato criminoso, simplesmente não se terá o crime.
Se não se consegue localizar o autor ou pelo menos o dono da faca, do revólver, que causou a morte da vítima, não há como punir ninguém, ainda que haja a morte, o cadáver, estejam ali, latentes, provados. É regra antiga, que até a população conhece...e quantos cadáveres, quantas mortes, quantos roubos, quantos sequestros, quantos furtos, há, infelizmente, sem autoria apurada, por dificuldades investigatórias as mais diversas.

Pois o que programamos para o PL, no art. 22, foi o fornecimento, à autoridade policial-investigatória, de um "minus", um piso, um mínimo de condições de coleta material do vestígio do crime (eletrônico). Não é, nunca foi, o seu propósito, a concessão do máximo (do teto) da possibilidade investigatória...ela sim, seria utópica, ou realizadora de um grave impedimento do uso da rede, pois teríamos que rastrear, que cadastrar, tudo e todos...e pisar, para isso, na Constituição da República, que não permite identificação prévia de nenhuma comunicação.

Com esta ferramenta mínima, percentuais altos - de efetividade investigatória - serão atingidos, porque, sabidamente, o maior espectro de redes e utilizações contêm plena possibilidade de identificação da origem e momento dos sinais da conexão.

Finalizo com a ressalva, também, de que toda a estrutura normativa do PL não está armada pelo gosto especial do legislador brasileiro por normatizar uso de redes.
Está sim motivada por um crescente e preocupante fenômeno, que hoje obriga comprometimento de valores expressivos da riqueza nacional - com aquisição de sistemas, estruturas e prestações, em proteção de redes, bancos de dados (sensíveis, ou sensibilíssimos, como os ligados à prestação de serviços públicos essenciais) - que só serão inibidos, educados, com a adicional formatação de instrumento inibidor da prática criminosa (o ataque intencional cibernético).

Quase meia centena de países, no mundo, já adotou a mesma medida e a eles o Brasil se integrará, se e quando implementar o seu próprio arsenal normativo.
E, enquanto ele não vem, arroubos, como o último PLS do Senado (CPI/Pedofilia) - que, este sim, radicaliza, peço desculpas pela não menos radical afirmação, o controle da rede - surgem aqui e acolá.
É dizer: a discussão inflamada atrasa e permite que novas e mais radicais opções de controle se proponham.

Como disse lá no início, é o contra-ponto radical do radicalismo que se transforma também em radicalismo.
Enquanto não se promove uma disciplina-mínima, piso, razoavelmente discutida há quase dez anos, arrisca-se, aí sim, o próprio interesse coletivo-nacional, com inovações repentinas, substitutivas e nem tão amplamente discutidas...o velho "tiro-pela-culatra"...e nem de tiro se está, por enquanto, cogitando aqui...rs.

Abraços e um ótimo final-de-ano ao amigo, com um natal bem à mineira (com leitão à pururuca),

Fernando Botelho
E-Mail: fernandobotelho@terra.com.br
WebPage: http://www.wirelessbrasil.org/fernando_botelho/fb01.html


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