FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES

WirelessBrasil

Outubro 2015              Índice Geral


28/10/15

Reunião na PGR sobre o Internet.org - Comentário de Flávia Lefèvre

Referência:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Data: 26/10/2015
PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

3ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO AGENDA DA CÂMARA –

Listagem por ordem de data
Data do evento: 27/10/2015 (terça-feira)
Horário: das 15h00 às 17h00 Nome:

Pauta/Tema/Motivo:
1) Apresentar minuta de nota técnica em elaboração pelo GT-Governança da Internet sobre o projeto Internet.org
2) Colher subsídios sobre a posição do governo e de outras autoridades convidadas

Órgão/Entidade organizadora:
GT-Governança da Internet (2ª CCR, 3ª CCR e PFDC)
Local: Sala de Reuniões da PFDC

Participantes Internos (MPF):
- Dr. Carlos Bruno Ferreira (GT/TIC)
- Dr. Alfredo Gonzaga (GT/TIC e GT-Crimes Cibernéticos)
- Dra. Neide de Oliveira (GT-Crimes Cibernéticos, 2ª CCR)
- Dra. Márcia Morgado (GT-Comunicação Social, PFDC)

Participantes Externos:
- Dra. Flávia Lefèvre (CGI.br)
- Telebrás
- Secretaria de Comunicação Social (Presidência da República)
- Anatel
- Sinditelebrasil
Observações:


Reunião na PGR sobre o Internet.org - Comentário de Flávia Lefèvre

Estive ontem – 27 de outubro – na reunião promovida pela Procuradoria Geral da República para a apresentação de Minuta de Nota Técnica conjunta a ser editada pelas câmaras envolvidas no Grupo de Trabalho de Governança da Internet.
 
Considerando que os representantes da PGR ainda estão em fase de avaliação do cabimento da edição ou não da Nota Técnica ou de algum ajuste, depois de ouvir órgãos de governo, Anatel, Sinditelebrasil e a sociedade civil, não tenho o documento para compartilhar neste momento.

Entretanto, a Nota foi lida na reunião e foi possível concluir que as preocupações que estão levando a PGR a dispender de forma louvável atenção para o projeto Internet.org do Facebook são absolutamente pertinentes.

O primeiro aspecto destacado pelos representantes da PGR foi o fato de que a designação do projeto configura propaganda enganosa, pois o que o Facebook oferece não é internet.

Isto porque, de acordo com os padrões internacionalmente aceitos e pelo art. 5º, da Lei 12.965/2014, a internet “é um sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito”. Porém, o projeto anunciado pelo Facebook dá um acesso restrito a determinados aplicativos definidos de acordo com os interesses comerciais das empresas envolvidas.

Além disso, a designação “.org” é utilizada para entidades sem fins lucrativos e, como confessado pelo Facebook em resposta a questionário que lhe foi enviado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, o objetivo do projeto é conquistar consumidores que passem a pagar pela conectividade e pelos conteúdos e aplicações; ou seja, o objetivo é claramente comercial.

A minuta de Nota Técnica apresentada na reunião também traz preocupações com relação à quebra da neutralidade da rede, proteção de dados pessoais dos usuários e com questões concorrenciais, tendo em vista o inquestionável poder de mercado do Facebook e seus possíveis parceiros, o que revela um potencial negativo capaz de impedir a inovação e o caráter aberto da internet.

Os representantes do governo, apesar de reiterarem a ladainha de que não há nada oficial com o Facebook, apesar de terem constituído uma comissão interministerial para tratar do tema, assumem uma posição clara de defesa do projeto, fazendo declarações no sentido de que há um ganho social muito grande em conectar cidadãos que não acessam a internet, seja por falta de recursos financeiros, seja por falta de infraestrutura à disposição.
Chegaram a dizer expressamente que valeria a pena relativizar direitos expressos no Marco Civil da Internet em prol do que entendem ser um benefício para os mais pobres.

Outra manifestação de representante do governo durante a reunião que me chamou atenção foi a de que o projeto Internet.org teria pouca relevância e que a PGR deveria se preocupar com temas mais abrangentes, como o caso do zero-rating, por exemplo.

Até certo ponto concordo; é claro que o GT de Governança da Internet deve ter os olhos voltados para o cumprimento da obrigação de neutralidade e planos de negócios que abalem este importante princípio do Marco Civil. Aliás, a própria convocação da reunião e elaboração da Nota Técnica são prova de que a PGR está preocupadíssima com esta questão.

Até porque, como considerar “pequeno” um projeto que se apresenta dizendo que pretende conectar 100 milhões de cidadãos brasileiros – metade da população brasileira, pelas mãos da maior empresa de internet no planeta – o Facebook?

A atuação de uma empresa nessas proporções e num projeto que implica na verticalização da prestação de serviços entre empresas associadas com o Facebook pode comprometer o desenvolvimento do mercado ou, no mínimo,determinar esse desenvolvimento sem que as ações estejam associadas à políticas públicas.
Mais ainda, pode determinar uma mudança indesejada na internet, tendo em vista as finalidades estabelecidas pelo recém aprovado Marco Civil.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), na reunião de 31 de julho deste ano, em votação apertada – 8 a 9 – apesar que questionar diversos aspectos do projeto, decidiu não se manifestar publicamente, de modo a informar suas ponderações a respeito da inadequação do Internet.org para promover inclusão digital.

Como podem verificar da ata correspondente à referida reunião (http://www.cgi.br/reunioes/ata/2015/07 - transcrição alternativa aqui), saí vencida junto com vários outros conselheiros ligados ao 3o. Setor, academia e inclusive dois conselheiros representantes do setor empresarial, sendo relevante destacar que das 21 cadeiras do conselho, 9 são ocupadas por representantes do governo e ANATEL, que tiveram uma atuação quase unânime de impedir que o CGI.br se pronunciasse sobre o projeto.

Entretanto, aqueles que votaram pela manifestação, assim como eu, acreditamos que, dado o papel atribuído ao CGI.br pelo Decreto 4.829/2003 e pelo Marco Civil da Internet nos incs. I e II, do art. 24 da lei, seria importante que o organismo multisetorial, que foi responsável pela edição do Decálogo de Princípios para Governança e Uso da Internet no Brasil, que inspirou nossa Constituição da Internet, opinasse e contribuísse para orientar a exploração das redes no país.

É claro que a não oposição das autoridades competentes quanto ao sistema de funcionamento do Internet.org funciona como um passaporte para os planos zero-rating com bloqueio de acesso a internet. E justamente por isso o representante do Sinditelebrasil – organismo que representa as maiores empresas de telecomunicações, que também atuam como provedoras de conectividade à internet, estava nesta reunião defendendo o projeto.

Agora, seria bom se o Ministério Público Federal e outras autoridades envolvidas com a regulação da internet viessem a público apresentar suas ponderações a respeito do Internet.org, contribuindo para orientar o desenvolvimento do mercado de internet no Brasil, de acordo com os fundamentos, princípios e objetivos do Marco Civil da Internet.

Flávia Lefèvre Guimarães


 


 

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