Michael Stanton

WirelessBrasil

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17/07/2000
A privacidade nas comunicações

"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; "
(Do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil 1988.)

Convém examinar o preceito constitucional de privacidade das comunicações de hoje.
Há um conflito entre a privacidade do indivíduo e os interesses da comunidade?
A Constituição é clara em exigir uma ordem judicial para autorizar a quebra do sigilo do indivíduo, e apenas em casos de investigação criminal.
A Lei Magna não permite a quebra de sigilo em outros casos.
Esta situação é semelhante à de vários outros países, mas nestes, a lei vem sendo modificada recentemente, em conseqüência da modernização das comunicações nos últimos anos.
Em 1988, ainda não era muito usada a telefonia digital, e foi nesse ano que começou-se a usar o correio eletrônico no País.
Apesar disto, a Constituição desse ano já incluía salvaguardas da privacidade que são relevantes hoje.

Primeiro a telefonia: usando a antiga tecnologia analógica, é razoavelmente simples realizar escuta telefônica clandestina, grampeando o circuito físico do assinante monitorado.
Este expediente vem sendo usado há muitos anos pelos agentes da lei, com ordem judicial, e às vezes por outros indivíduos, evidentemente sem tal ordem.
Em muitos países, a coleta de informações por este meio é tão usada pelos agentes da lei, que ela se tornou uma atividade cotidiana no combate ao crime e em defesa da segurança nacional.
A digitalização da telefonia, praticada em larga escala nos últimos anos, dificultou o monitoramento de uma conversa específica, pois por um cabo de telefonia agora passam até 30 ou mais ligações simultâneas, requerendo equipamento eletrônico sofisticado para identificação e escuta.

Para poder continuar a usar escuta clandestina de telefones na era digital, a Federal Bureau of Investigation (FBI), polícia federal dos EUA, conseguiu a aprovação pelo congresso daquele país da lei CALEA (Communications Assistance for Law Enforcement Act) de 1994).
O FBI argumenta que a CALEA não aumenta a autoridade dos agentes da lei, apenas viabiliza sua atuação, independente da tecnologia de telecomunicações usada.
Com a CALEA, as operadoras de telefonia e os fabricantes dos equipamentos usados são obrigados a possibilitar o monitoramento pelos agentes da lei da comunicação telefônica fixa e móvel.
Em agosto de 1999 a Federal Communications Commission, equivalente à Anatel, baixou normas para o atendimento às exigências da CALEA.
Nestas normas, a FCC interpretou que a CALEA desse cobertura para possibilitar a localização física de telefones móveis, e a captação de quaisquer dígitos discados após completar a ligação, o que poderá incluir informações sobre contas bancárias inclusive as senhas de acesso.
Segundo alguns críticos, tais como The Center for Democracy and Technology - CDT, a FCC se excedeu na sua interpretação, atentando contra a privacidade do indivíduo.

Outros países seguramente acompanharão em sua legislação a posição dos EUA.
A iniciativa norte-americana é importante pois obriga os fabricantes de equipamentos (centrais de telefonia) a adequar estes para conformar à imperativa de escuta clandestina.
Estes equipamentos poderão em seguida ser comercializados em outros mercados, estendendo-se ao resto do mundo a nova tecnologia do "grampo".
Neste mundo novo, as operadoras de telefonia se tornam os cúmplices do poder.
Antes, o grampo poderia ser realizado à revelia das companhias de telefonia, pelo acesso fácil a pontos de escuta da tecnologia anterior.
Agora, as oportunidades serão mais restritas, e deverão ser conduzidas as escutas contando com a estrita colaboração dessas operadoras, pelo acoplamento (provavelmente remoto) de equipamentos de escuta às próprias centrais de telefonia.

Outro item novo nas normas da FCC sobre a implementação da CALEA afeta a comunicação de dados.
Segundo as normas, provedores de serviços de telecomunicações terão que entregar informações relativas a "comunicação baseada em pacotes" aos agentes da lei, sem a ordem judicial exigida no caso de escuta telefônica. Este dispositivo abre as portas para a coleta de informações transmitidas pela Internet, por exemplo, através do correio eletrônico.

A participação obrigatório das empresas de telecomunicações prevista pela CALEA já está tendo conseqüências inesperadas.
Na primeira semana de julho, o FBI citou razões de segurança nacional (dos EUA) para questionar a proposta aquisição pela NTT Communications do Japão da provedora Internet norte-americana Verio, que tem como clientes 20% das empresas da relação Fortune 500.
O argumento do FBI é singela: para defender facilidades norte-americanas, tráfego nacional na Internet deverá usar apenas provedores de capital nacional.
A questão do controle de empresas de telefonia ainda não foi levantada, talvez por ainda não ter surgido um caso específico.
Porém foi noticiado em 1999 que havia sido prejudicada uma empresa francesa concorrendo para ganhar um contrato no Brasil, e que teve seus telefonemas interceptados por uma agência norte-americana e o conteúdo repassado para um concorrente norte-americano, que acabou ganhando o contrato.
O exemplo ilustra bem o nacionalismo que norteia as ações do governo dos EUA.

É interessante comparar o panorama norte-americano de comunicação, onde se explicita a preocupação nacionalista do governo, com a situação aqui, onde o controle da maior parte da infra-estrutura de telefonia já passou para empresas estrangeiras, e a infra-estrutura Internet já caminha rapidamente na mesma direção.
Se e quando o governo e sociedade resolverem se preocupar com a modernização da tecnologia de escuta clandestina, não encontrarão agentes nacionais para realizarem as tarefas consideradas sensíveis.

Uma preocupação talvez até maior deve ser a ausência de discussão pública sobre o perigo da devassa indevida da privacidade, e especialmente sobre a obediência fiel do artigo constitucional que antecipou-se tão bem às mudanças tecnológicas recentes.

Por enquanto, tratamos nesta coluna apenas a questão da privacidade das comunicações abertas, sem uso de recursos de criptografia.
O uso da criptografia será assunto de outra coluna, pois é complexo e ainda mais polêmico do que o assunto tratado aqui.