Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


09/04/2001
Como vai a ICANN?

Não havíamos voltado ao assunto da ICANN - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers desde a discussão dos resultados das eleições para novos diretores na coluna de 16 de outubro de 2000. Naquelas eleições, foram escolhidos cinco diretores novos para representar os membros individuais da ICANN em cinco regiões do planeta, que haviam se inscrito como eleitores através de um processo confuso realizado nos meses anteriores, e já descrito em alguns artigos publicados nesta coluna. O objetivo deste artigo é retratar um pouco os atuais rumos e atividades da ICANN, depois da posse dos novos diretores em novembro passado.

Como é bom lembrar, a ICANN foi criada para exercer muitas das funções da IANA - Internet Assigned Numbers Authority, entidade responsável historicamente para a administração de endereços IP, nomes de domínio DNS e uma pletora de outros "números" usados para codificar protocolos, linguagens e outros "objetos" usados pela tecnologia TCP/IP da Internet. Desde sua criação até 1998, a IANA existia na pessoa de Jon Postel, pesquisador do Information Sciences Institute da University of Southern California, e um dos pioneiros da Internet (www.isoc.org/postel). Em função do crescimento, internacionalização e comercialização da Internet, passou a ser considerado necessário transferir estas atribuições para uma empresa, sem fins lucrativas, que pudesse impor maior dinamismo à sua administração, e o próprio Postel foi um dos principais autores dos estatutos da ICANN, redigidos logo antes do seu falecimento precoce em 1998.

Na proposta original, a ICANN contaria com um presidente executivo e 18 diretores, dos quais a metade seriam escolhidos por organizações atuantes nas áreas de protocolos, nomes e endereços, e os demais pelos membros individuais. Apenas em 2000 foram realizadas as primeiras eleições para os diretores representando os membros individuais, e nessa ocasião foram preenchidas apenas cinco das nove vagas, numa modificação tardia do regimento interno. Atualmente não há previsão para o preenchimento por eleição das outras quatro vagas de diretor, atualmente ocupados através de nomeação, e existe uma corrente dentro da ICANN para eliminar totalmente a eleição de diretores por membros individuais.

Entretanto, a ICANN hoje conta com estes cinco diretores eleitos, que são Karl Auerbach (EUA), Andy Mueller-Maguhn (Alemanha), Masanobu Katoh (Japão), Nii Narku Quaynor (Gana) e Ivan Moura Campos (Brasil), sendo que os primeiros dois foram eleitos com plataformas declaradamente críticas da estrutura e atividades atuais da ICANN (v. coluna de 16 de outubro de 2000).

Informações sobre as atividades da ICANN podem ser obtidas de diversos sítios na Internet. O sítio oficial é www.icann.org, mas existem uma série de outros mantidos por observadores externos e internos. Destes, o mais organizado e completo é o sítio ICANN Watch (www.icannwatch.org), mantido pelo advogado e ativista Michael Froomkin. Outros que merecem ser visitados são Roving Reporter (www.tbtf.com/roving_reporter) de Ted Byfield, e ICANN Blog (www.lextext.com/icann) de Bret Fausett. O Roving Reporter parece muito bem informado, tanto que havia noticiado o envio maciço de correio eletrônico pelo Comitê Gestor Internet BR em julho passado, a respeito das eleições para diretor da ICANN, apenas 48 horas depois da sua ocorrência (www.tbtf.com/roving_reporter/icann1.html#13). Estas fontes de observadores externos agora foram complementados por sítios mantidos por dois dos novos diretores eleitos, Karl Auerbach (www.cavebear.com/icann-board/diary ) e Andy Mueller-Maguhn (www.ccc.de/~andy).

Este conjunto de fontes permitem fazer um certo arejamento das atividades de uma entidade que deveria demonstrar transparência na condução dos seus assuntos. Por exemplo, além das atas oficiais das reuniões dos diretores, disponíveis no sítio da ICANN, temos agora a visão de dois dos novos diretores, que freqüentemente divergem da maioria. Isto se mostrou especialmente na semana passada quando foi realizada uma reunião dos diretores por telefone - o que pode ser bastante complicado com a atual distribuição dos diretores do Japão à Califórnia, com 16 horas de diferença de fuso horário. Nesta reunião o item mais polêmico na pauta foi a proposta de renovação do acordo contratual com a VeriSign (controladora de Network Solutions, Inc.) para o registro dos domínios .org, .net e .com até 2002, 2006 e 2007, respectivamente. Esta proposta foi aprovada por maioria de 12 a 3, com uma abstenção, e estende ainda mais o monopólio desta empresa no negócio extremamente lucrativo de registro. Na opinião de Karl Auerbach, que votou contra a proposta, a VeriSign já teve ampla oportunidade de ganhar dinheiro com este contrato, originalmente celebrado em 1993 por prazo de cinco anos, e, no interesse na redução de custos da comunidade, deveria ter havido um leilão para escolher o próximo registro do domínio .com, considerado por ele a "jóia da coroa" do sistema de nomes.

Para ver opiniões distintas sobre o que a ICANN faz e o que ela poderia fazer, basta comparar os depoimentos dados em fevereiro deste ano no senado dos EUA do Michael Roberts, então presidente da ICANN, e Karl Auerbach. No seu depoimento (www.icann.org/correspondence/roberts-testimony-14feb01.htm) Roberts historiou as origens da ICANN, descreveu o que tinha feito e o que estava fazendo. Entre os objetivos cumpridos foram citados (1) uma nova administração de servidores de nomes "raiz"; (2) a introdução de competição no comércio varejista de nomes de domínio; (3) a criação de um sistemas de resolução de disputa sobre nomes de domínio; e (4) a criação de novos domínios de alto nível, aumentando a competição no comércio atacadista de nomes. Assuntos ainda em estudo incluem (1) o registro de domínios nacionais de alto nível (como o .br); e (2) a questão dos membros individuais, e sua eleição de diretores.

Por outro lado o depoimento de Auerbach (www.cavebear.com/tmp/senate-feb-14-2001.htm) repete muitas das críticas da estrutura e atividades da ICANN já apresentadas na sua plataforma eleitoral. Ele afirma que a ICANN vem exercendo um papel muito mais político do que técnico, e que, para adquirir a devida legitimidade no campo da sua atuação, que é a governança da Internet, ela precisa adotar procedimentos sólidos, incluindo a devida participação pública, para a tomada de decisões. Para incluir esta participação, Auerbach defende urgência no cumprimento do projeto de eleger metade dos diretores por votação dos membros individuais, e denuncia que há correntes dentro da ICANN procurando eliminar totalmente estes diretores, ou pelo menos sua influência. Por exemplo, foi criado uma Comissão Executiva da ICANN, que conta com apenas cinco dos diretores, para tomar decisões entre as reuniões da diretoria inteira. Esta comissão inclui entre seus membros apenas um dos diretores eleitos pelos membros individuais, coincidentemente o menos votado. Não são públicas as deliberações desta Comissão Executiva. Conclui afirmando que a orientação atual da ICANN é mais favorável aos interesses de empresas, mais do que de usuários da Internet, o que contraria seus estatutos e a filosofia dos seus fundadores.

Enfim, a ICANN passa para uma fase mais tumultuada do que no passado, em função das lufadas de vento provocadas pela chegada dos novos eleitos. É positivo que esta primeira safra de diretores eleitos tenha tido este efeito, pois somente poderá trazer aperfeiçoamento a uma entidade tão singular como é a ICANN.