Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


12/08/2001
SELA - uma alternativa eletrônica de auditoria das urnas eletrônicas

O assunto da reforma do sistema de votação eletrônica, para sanar seus problemas de segurança, foi abordado aqui algumas vezes, mais recentemente na coluna de 29 de julho. Nestes últimos tempos, em função do prazo agora exíguo de 6 de outubro deste ano para encaminhar qualquer modificação para o pleito de 2002, a temperatura está subindo, com várias novidades relevantes ao processo.

O leitor se lembrará que a questão de segurança de votação depende da confiança do eleitor que seu voto está realmente sendo contado de acordo com a sua preferência. Como já repetimos em mais de uma ocasião, ter esta confiança na urna eletrônica atualmente em uso é um ato de fé, pois não há como comprovar ao eleitor que sua vontade está sendo respeitado. Temos por isto apenas a palavra do Tribunal Superior Eleitoral, e os eminentes juizes deste tribunal devem seu conhecimento da eficácia das urnas eletrônicas apenas às informações recebidas do seu pessoal técnico, uma vez que o projeto e funcionamento interno da urna não são de conhecimento público. Depois do escândalo do painel de votação do Senado, onde os técnicos da Prodasen, funcionários públicos supostamente confiáveis, subverteram o funcionamento dos computadores usados numa votação secreta, a opinião pública passou a exigir que não mais sejam usados na esfera pública sistemas de votação, que não possam ser auditados pelo votante. Não é uma questão de desconfiar do atual corpo técnico do TSE, mas de qualquer grupo de pessoas que não possa ser considerado isento. De todos os técnicos exige-se a transparência da mulher de César, de quem se dizia que não bastava ser ela honesta, mas precisava também parecer honesta.

Como se faz auditoria da urna eletrônica? Na coluna de 29 de julho, este tópico foi explorado, através de uma análise feita de votação eletrônica por um grupo de especialistas das universidades tecnológicas norte-americanas Caltech e MIT. As características principais desta análise eram, primeiro, que o eleitor pudesse verificar que o voto registrado era exatamente igual a sua preferência, e, segundo, que os votos tivessem sido totalizados corretamente. Para fazer isto, propuseram criar um registro físico de cada voto, ou em papel, ou em um cartão de memória, de modo que os votos pudessem ser contados, e recontados em caso de haver questionamento do resultado.

Depois, mostramos as semelhanças entre esta proposta e o projeto do senador Requião, que propõe acoplar uma impressora à urna atual, para registrar fisicamente o voto, de modo que o eleitor possa verificá-lo. Se a cédula impressa em papel passar nesta verificação, o que seria feita sem o eleitor poder tocar nela, ela será colocada automaticamente numa urna convencional. Se o eleitor não confirmar o voto impresso, a cédula será destruída, e o voto dado novamente. Desta forma os votos serão duplicados, sendo totalizados pela urna eletrônica como atualmente, e sendo também depositados na urna convencional em forma de cédulas impressas. Como medida de segurança, o projeto do senador propõe a obrigatoriedade da contagem dos votos de 3% de todas as urnas, para confrontar (e assim validar) os totais gerados eletronicamente.

Na opinião de vários especialistas, este procedimento seria adequado para permitir auditoria dos votos, pois o eleitor veria impresso, de forma posteriormente inalterável, seu voto, e poderia verificar sua correção. Em segundo lugar, a validação dos totais da amostra de 3% das urnas permitiria termos confiança no bom funcionamento da totalidade das urnas.

Entretanto, há vozes discordantes, que criticam a introdução da impressão do voto em papel como um retrocesso histórico na modernização do sistema de votação. As críticas mais fortes alegam que a impressão da cédula daria ao eleitor um "recibo de votação", que o eleitor levaria consigo, e poderia até servir de comprovante de venda do seu voto, levando a um retorno aos "currais eleitorais". Para este observador, esta crítica ao projeto do senador Requião é improcedente, pois a cédula impressa seria vista apenas pelo eleitor, que não poderia sequer tocar nela e muito menos levá-la para fora do cabine de votação.

Num nível mais técnico, há críticas importantes e relevantes da impressão do voto, feitas por uma equipe da Fundação CERTI, associada à Universidade Federal de Santa Catarina, que vem estudando soluções para o problema de auditoria da urna eletrônica. Esta equipe, liderada por Marcelo Ferreira Guimarães (mfg@certi.ufsc.br), já estudou soluções de auditoria da urna eletrônica envolvendo impressão de votos, mas tende a não considerá-las por uma série de motivos práticos: a anonimidade do voto requer que os registros impressos sejam destacados (cortados) antes de serem postos na urna; o acréscimo dos equipamentos adicionais, especialmente os de cortar papel, iriam comprometer o objetivo de funcionamento da urna sem precisar usar energia elétrica externa; a letra impressa forçosamente seria muito pequena para muitos eleitores poderem ler sem dificuldade; o procedimento de cancelamento de um voto equivocado é complicado de ser realizado.

Em vez de uma solução usando votos em papel, a equipe da CERTI desenvolveu uma solução inteiramente eletrônica. Consiste de uma pequena caixa, chamada de SELA - Sistema ELetrônica de Auditoria, que é acoplada a um conector existente da urna eletrônica, pelo qual receberia energia elétrica e comandos digitais. O SELA tem duas funções: a primeira é permitir que o eleitor saiba que seu voto está sendo registrado corretamente; a segunda é totalizar, de forma independente da urna eletrônica acoplada e sendo monitorada, todos os votos dados nesta urna, e guardar estes totais de modo seguro para futura conferência com os da urna. Isto quer dizer que o SELA realiza a recontagem dos votos em paralelo com a contagem primária feita pela urna eletrônica.

Quando um eleitor seleciona um candidato, a urna eletrônica mostraria sua foto e número na tela, como atualmente. Simultaneamente o SELA mostraria apenas o número deste candidato num visor grande localizado acima da tela da urna eletrônica, e este número deveria ser igual ao da urna, o que poderá ser conferido pelo eleitor. Aliás, o eleitor precisaria ser instruído para entender que ele teria que checar a igualdade dos dois números, para proteger seu voto. Quando o voto é confirmado, tanto a urna eletrônica como o SELA acrescenta-o aos seus respetivos totais. No final da votação, a urna é fechada e o SELA também, e são mandados para a central de apuração o disquete da urna eletrônica e o SELA, para que possam ser lidos de ambos os respectivos totais de votos dados para cada candidato. Nos dois casos, estas informações estariam sendo protegidas por medidas de segurança de dados.

Em termos técnicos, o SELA realmente permite realizar os dois tipos de auditoria: o eleitor verifica que o voto vai para seu candidato, e há uma totalização independente de todos os votos dados. O uso do SELA requer uma modificação pequena à programação do software da urna eletrônica, para enviar pela interface comandos para replicar as ações do eleitor. O projeto do SELA é bastante simples, e, ao contrário da urna eletrônica, que é uma caixa preta com projeto sigiloso, o SELA pode e deve ter um projeto estável, não precisando ser mudado a cada eleição, e totalmente aberto, permitindo que qualquer um se satisfaça que ele funciona de acordo com a sua especificação. É implícito que sua fabricação deverá ser realizada independentemente da urna.

A equipe da CERTI já construiu um protótipo do SELA, e já o vi em funcionamento. O custo de fabricação em série do SELA é estimado pela equipe em menos de R$70 por unidade, comparado com o custo de R$50 estimado para a impressora do senador Requião. No dia 31 de julho o protótipo do SELA teria sido demonstrado no TSE, com a presença do seu presidente, o ministro Nelson Jobim.

Agora há duas propostas de auditoria que possam complementar a urna eletrônica, dando mais segurança para seu uso. Os dois projetos atendem minimamente às exigências dos críticos. É importante que as duas propostas sejam estudadas como alternativas viáveis, e que este exame comparativo seja realizado o quanto antes, para permitir adotar pelo menos uma delas para as próximas eleições.

Na semana passada, o ministro Nelson Jobim fez dois pronunciamentos relevantes a respeito deste assunto. No dia 6 de agosto apresentou palestra de mais de uma hora de duração no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sobre as eleições de 2002. Dos vários relatórios disponíveis sobre esta palestra, o mais completo se encontra em www.oab.org.br/noticia.asp?id=309, da própria OAB. Pela primeira vez, o TSE, através do seu presidente, admitiu a possibilidade de modificar o processo de votação eletrônica para melhorar sua transparência e segurança, e fez referência pública ao projeto do senador Requião. Mencionou também que seria pedida pelo TSE à Unicamp uma avaliação técnica deste projeto.

No dia 9, o mesmo ministro Jobim voltou a comentar o projeto do senador Requião durante o III Encontro do Colégio de Corregedores de Tribunais Regionais Eleitorais, que se realizava em Cuiabá. Nesta ocasião anunciou que pretendia se reunir na próxima quarta feira, dia 15, com os integrantes da Comissão Especial da Reforma Política e o senador Requião para discutir o sistema eletrônico de votação, e disse que iria apresentar aos políticos todas as inconveniências técnicas e políticas que apareceriam caso se adotasse a impressão de um comprovante impresso do voto, para conferência pelo eleitor ou eventual recontagem de votos. Entretanto, caso sejam inevitáveis as mudanças, prometeu que o TSE acompanharia a discussão para minimizar os problemas (v. "Notícias do TSE", de 9/8/01, no sítio www.tse.gov.br/servicos).

Esta semana deverá ser de bastante movimentação e discussão sobre a forma de realizar a votação no ano que vem, inclusive com a cobertura do assunto por algumas das redes nacionais de TV. No domingo, dia 12, às 23h deverá ser transmitida pela TV Record entrevista do senador Requião no programa Passando a Limpo com Bóris Casoy. Já na terça feira, dia 14, às 20h30, no programa Opinião Brasil da TV Cultura, será discutido o assunto da reforma das urnas eletrônicas com a participação deste colunista e de Amílcar Brunazo Filho, moderador do Fórum do Voto Eletrônico (www.votoseguro.org), que carrega a bandeira da reforma da segurança da urna há cinco.