Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


05/02/2001
As universidades devem mudar para o domínio "edu.br"?

Na semana passada ficou conhecida amplamente uma resolução do Comitê Gestor Internet BR para promover a transição para o domínio "edu.br" dos nomes Internet usados por instituições da comunidade acadêmica nacional, atualmente cadastrados no domínio "br". Muitas pessoas discordam desta decisão, e esta coluna explica porquê.

Nomes são usados para identificar as pessoas, instituições, ruas, cidades, e outras entidades ou locais aos quais fazemos referência. A mudança de um nome é um evento complicado, até traumático, por causa das suas conseqüências. A mudança de um nome cria dificuldades para fazer referência correta através do nome antigo. Vamos considerar a situação de uma pessoa que, no meio da sua vida (particular e profissional), muda de nome. O exemplo mais óbvio seria de uma mulher na nossa sociedade que muda de nome quando casa ou quando descasa. Nestes casos, ela teria o trabalho, primeiro, de mudar todos seus documentos. Em seguida, teria que divulgar a mudança para os lugares onde havia sido feito referências ao nome anterior. Se fosse um profissional, por exemplo, uma pesquisadora com publicações, teria que encontrar uma maneira de tornar público que os artigos no nome anterior eram dela mesma. Adicionalmente teria que avisar às pessoas que pudessem querer se comunicar com ela sobre a mudança de nome para permitir a correspondência ou encontrar seu telefone através do catálogo de telefones. O trabalho que isto implica no mundo em que vivemos pode até fazer-nos questionar a propriedade de uma mulher mudar seu nome quando casa, e tem muitas que nem fazem isto mais, o que pode parecer mais lógico.

Já na Internet, nomes também são usados para identificar as pessoas e a informação. Os identificadores principais de informação são os URLs (Uniform Resource Locators) usados para apontar páginas da WorldWide Web (WWW), a teia mundial composta de bilhões de páginas entrelaçadas entre si, onde os laços são codificados usando URLs. É muito comum uma página WWW conter estes laços, e algumas tem às dezenas ou centenas. Esta riqueza de entrelaçamento dá muito valor à WWW como uma espécie de biblioteca global, onde é possível encontrar com certa facilidade quase qualquer tipo de informação. (Um exemplo de uso intensivo de laços seria a página apontando os principais jornais nacionais na Internet, encontrada no sítio do portal Estadão: www.estadao.com.br/ext/bookmark/jornaisb.htm). Por sua vez, as pessoas são identificadas através do seu correio eletrônico, tal como michael@ic.uff.br. Referências a nomes, como estes dois exemplos, estão presentes nesta própria coluna, que é uma página WWW do mesmo portal Estadão.

O uso da Internet estreitou fortemente os vínculos entre a comunidade acadêmica nacional e seus pares no exterior. Uma manifestação desta integração é a publicação eletrônica, onde artigos científicos existem apenas em forma digital, identificando seus autores através do seu correio eletrônico, e contendo bibliografias compostas por outras publicações eletrônicas, identificadas por URLs. Os nomes citados em artigos e outras páginas WWW também podem ser copiados e guardados em outras bases de dados, para a conveniência dos seus donos ou seus usuários. É literalmente impossível saber todos os locais onde existem cópias destes nomes. É evidente que o funcionamento destas referências depende da imutabilidade do seu significado, ou seja, as referências vão parar de funcionar, se os nomes usados pelas instituições e pessoas forem mudados.

Tanto a URL como o correio eletrônico dependem fundamentalmente do funcionamento do chamado Domain Name System (DNS), onde estão registrados todos os "nomes de domínio" usados. No meu caso, os nomes que eu uso são todos do "domínio" ic.uff.br, o que, por sua vez, é subordinado a "uff.br", que é própria da Universidade Federal Fluminense (UFF) desde 1992, quando chegou a Internet ao País. Nessa época, ou mais precisamente em 1991, houve uma discussão na comunidade de suporte da rede acadêmica sobre como deveria ser a forma dos nomes a serem usados no País. Em 1991, as redes eram usadas apenas por esta comunidade, e foi então decidida que os nomes de domínio adotados fossem do tipo X.br, onde X caracterizava a instituição. Datam desta época nomes como cbpf.br, cnpq.br, impa.br, inpe.br, lncc.br, puc-rio.br, uerj.br, uff.br, ufmg.br, ufpa.br, ufpe.br, ufrgs.br, ufrj.br, unb.br, unesp.br, unicamp.br, usp.br, para mencionar apenas alguns dos mais conhecidos, e estes nomes já estão em uso por cerca de dez anos. Mais tarde, em 1994, quando começou o uso comercial da Internet no País, foram criados outros domínios, como "com.br", "gov.br", "mil.br", "net.br" e "org.br", para o cadastramento de entidades que não fossem de ensino e/ou pesquisa. Na época foi proposta, mas não adotada, a criação de um domínio "edu.br" para entidades educacionais.

As regras de nome de domínios adotadas nos diferentes países são próprias a cada um, não havendo um padrão global. Em alguns países, como Grã Bretanha (ac.uk), EUA (edu) e Austrália (edu.au), a comunidade acadêmica tem nome de domínio próprio. Em outros países, como Alemanha (de), Canadá (ca), Espanha (es), França (fr), Holanda (nl) e Portugal (pt), as instituições acadêmicas estão cadastradas diretamente abaixo da sigla do país, como é o caso brasileiro.

Estas longas explicações são necessárias para entender a reação de membros da comunidade acadêmica nacional à mudança das regras dos nomes de domínio brasileiros determinada pelo Comitê Gestor Internet BR (www.cg.org.br) em dezembro passado. Segundo esta determinação, publicada em 17/1/2001 (www.cg.org.br/dominios/regras-edu.htm), todas as instituições da comunidade acadêmica, hoje cadastradas com nomes da forma X.br, devem mudar para nomes da forma X.edu.br, num prazo curto (90 dias). Aparentemente, não houve nenhuma consulta prévia às instituições afetadas, e o próprio comunicado da mudança foi publicado apenas no sítio do próprio Comitê Gestor.

Segundo foi possível descobrir, a mudança das regras foi decidida para impedir o registro no domínio "br", por instituições acadêmicas, de nomes de domínio "genéricos", aparentemente para posterior venda, o que vem acontecendo desde o ano passado. Uma única instituição, a Faculdade Oeste Mineira de Informática, de Belo Horizonte, já cadastrou para seu próprio uso os seguintes nomes de domínio: best.br, celulares.br, computer.br, cook.br, lopes.br, mail.br, minas.br, noivas.br e w3.br (http://registro.br/cgi-bin/nicbr/whois?qr=e214286). Curiosamente, não cadastrou nenhum nome "não genérico". O Comitê Gestor resolveu que a maneira mais eficaz de conter este comportamento singular era alterar as regras do cadastramento de instituições acadêmicas, passando-as para o domínio "edu.br", que acaba de ser criado.

Infelizmente, o Comitê Gestor não avaliou adequadamente o prejuízo que esta mudança poderá causar à própria comunidade acadêmica, por implicar na mudança de todos os nomes (URLs e de correio eletrônico) usados atualmente. Se levada a cabo a extinção dos nomes atuais, a conseqüência seria o sucateamento de todas as referências a estes nomes guardadas em bases de dados (páginas WWW e listas de correio eletrônico) no mundo inteiro. Procurar uma maneira mais eficaz de excluir acesso do exterior à comunidade acadêmica no país seria difícil de imaginar. É o efeito desastroso de mudança de nome descrito no início desta coluna.

O número de instituições afetadas é bem mais de 1000, e já foi estimado em mais de um milhão o número de pessoas diretamente afetadas por esta mudança do seu correio eletrônico. A aparente simples mudança do nome de domínio envolve outras conseqüências trabalhosas para os administradores das redes das instituições afetadas, de custo incalculável: a atualização dos servidores DNS, das listas de acesso, dos laços incluídos em páginas WWW, da resolução de endereços de correio eletrônico, da filtragem de tráfego baseado em domínio de origem, e assim em diante. Espera-se um período longo de ajuste à nova situação, com grande probabilidade de ainda permanecerem erros residuais de configuração. E quem vai pagar o preço desta transição serão as instituições da comunidade acadêmica, na sua esmagadora maioria instituições sérias e bem comportadas.

Por seu absoluto desconhecimento por parte da comunidade acadêmica antes da semana passada, ainda não teve nenhum efeito a mudança das regras determinada pelo Comitê Gestor. Nos últimos dias, depois da divulgação ampla da medida através de listas de discussão dentro desta comunidade, foram levantadas vozes representativas em oposição a ela. Até o momento, se manifestaram formalmente ao Comitê Gestor a Sociedade Brasileira de Computação - SBC (www.sbc.org.br) e o Laboratório Nacional de Redes de Computadores - LARC (www.di.ufpe.br/~larc), e sabe-se que estão sendo gestadas manifestações por outras instituições e entidades representativas, em franca oposição à extinção dos nomes de domínio usados hoje.

Espera-se que o Comitê Gestor reavalie imediatamente as conseqüências negativas da decisão tomada em dezembro, e suspenda sua efetivação. Se o problema da prática tradicional das instituições acadêmicas de fazer registro dos seus domínios diretamente sob o domínio "br" reside no registro, claramente abusivo, de domínios "genéricos" para fins inomináveis, deve ser possível formular regras para conter este abuso, sem lesar as demais instituições e o patrimônio informacional e cultural da comunidade acadêmica nacional construído ao longo dos últimos dez anos. Bastaria modificar as regras publicadas em 17/1/2001 para continuar a permitir que domínios "não genéricos" possam ser registrados diretamente abaixo do domínio "br". Além de evitar o desastre da mudança dos nomes, tal solução evitaria também o dispêndio das dezenas (ou talvez centenas) de milhares de horas de trabalho improdutivo pelos administradores de rede das instituições da comunidade acadêmica para realizar a transição para "edu.br".