Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


02/01/2001
Tendências globais até 2015, segundo a CIA

Talvez para marcar o início do terceiro milênio, foi publicado em dezembro o relatório GT2015 ("Global Trends 2015") (http://www.odci.gov/cia/publications/globaltrends2015/index.html), novo exercício em futurologia da CIA (Central Intelligence Agency do governo norte-americano), com a participação de número grande de instituições não governamentais, tentando identificar tendências globais para os próximos 15 anos. O relatório, de mais de 70 páginas, enumera e discute seis forças impulsoras do mundo em que vivemos: demografia, recursos naturais e meio ambiente, ciência e tecnologia, economia e globalização, governança nacional e internacional, conflitos futuros, e o papel preponderante dos EUA.

Evidentemente, o objetivo do estudo é alertar os norte-americanos às diversas possibilidades futuras que os aguardam, para permitir a tomada de decisões estratégicas, e o relatório acaba apresentando quatro cenários alternativas para o futuro, um deles mais otimista, os demais mais pessimistas. A intenção aqui é concentrar nossa atenção nos aspectos do GT2015 relacionados ao papel de ciência e tecnologia. As tecnologias consideradas de maior significância para as tendências globais, segundo o GT2015, são a tecnologia de informação e a biotecnologia, embora sejam importantes e crescentes as contribuições dadas pela tecnologia dos materiais e pela nanotecnologia. A tecnologia de informação (TI) é vista como fundamental para o crescimento de comércio internacional, e para tornar viável a atuação na sociedade de agentes não governamentais (empresas, ONGs e indivíduos).

Há consenso que a revolução engendrada pela TI representa a transformação global mais significativa desde a Revolução Industrial dos séculos dezoito e dezenove. Espera-se que nos próximos quinze anos a TI vai possibilitar a criação de muitos dispositivos e serviços novos, que vão se difundir rapidamente devido à redução de custos dos equipamentos e crescimento de demanda do mercado.

A evolução das comunicações traz a perspectiva de conectividade global, via rádio, para dispositivos portáteis inteligentes, e não apenas a telefones celulares. O impacto da TI não se limitará apenas às cidades, alcançando também a área rural. Espera-se que o impacto dos avanços em TI beneficiará especialmente países com infra-estrutura moderna de telecomunicações, e o GT2015 explicitamente menciona o Brasil entre estes.

Países com comunicações modernas deverão se preocupar com as ameaças à privacidade individual, enquanto alguns vão se preocupar com a "contaminação cultural" causada pelo contato imediato através de redes como a Internet com outros países, línguas e tradições culturais. Em toda parte os governos serão pressionados a promover a difusão da TI e, ao mesmo tempo, combater seus efeitos considerados maléficos.

Uma segunda revolução, esta vez impulsionada pela biotecnologia, deverá estar em pleno andamento até 2015, com resultados importantes no combate a doenças, aumento de produção de alimentos, redução de poluição, e melhoria na qualidade de vida. Porém, prevê-se que, pelo menos no campo médico, seus benefícios serão restritos aos países mais ricos, ou aos mais abastados em outros países. Adicionalmente, algumas das tecnologias desenvolvidos continuarão controvertidas por razões morais e religiosas.

Prevê-se que os principais avanços serão nos campos de análise da genoma (permite encontrar mecanismos mais eficazes para diagnóstico e tratamento de doenças), engenharia biomédica (leva a técnicas e sistemas cirúrgicos mais sofisticados, especialmente para a substituição de órgãos e outras partes do corpo humano), desenvolvimento de remédios e terapias (inclui o tratamento de doenças "tradicionais", bem como o tratamento de doentes com predisposição genética), modificação genética (com aplicação à produção de alimentos e ai desenvolvimento de drogas), e identificação através de material genético (para investigação policial).

O avanço da tecnologia dos materiais vai de vento em popa. Esta trata do desenvolvimento de materiais, feitos quase sob encomenda, para serem utilizados na fabricação de produtos industrializados, que sejam bem apresentados, duráveis, adaptáveis e não agressivos ao meio ambiente. Espera-se que suas novas descobertas contribuam também às revoluções da TI e biotecnologia, embora não sejam restritas a isto.

Embora ainda seja um campo emergente, prevê-se uma grande evolução da nanotecnologia, que permita entender melhor e passar a manusear diretamente os elementos básicos de toda a matéria, a nível atômico (vide, por exemplo, www.zyvex.com/nano). Um dos grandes interesses da nanotecnologia é a criação de sistemas que sejam capazes de auto-replicação, possibilitando reduzir substancialmente os custos de sua manufatura em grandes quantidades. Imagina-se que a aplicabilidade desta tecnologia seja principalmente na área biológica, possibilitando a realização de métodos de análise (de sangue, genética, e assim em diante), e para a descoberta de novos remédios.

Ciência e tecnologia representam apenas uma das forças impulsoras que determinarão o futuro mundial, do ponto de vista dos norte-americanos, na visão do GT2015. Do mesmo modo que os futurólogos deles, os nossos aqui do Brasil também precisam estar pensando como capitalizar no que já temos para melhor enfrentar os desafios deste novo milênio.

Michael Stanton (michael@ic.uff.br) é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense.