Michael Stanton

WirelessBrasil

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14/05/2001
Contato com as raízes

Em setembro celebro trinta anos do dia em que primeiro pisei neste país, onde vim a me radicar, mais ou menos na mesma época do meu conterrâneo, Ronnie Biggs, que acaba de retornar à ilha natal, trinta e cinco anos depois de fugir dela. Dizem que Ronnie estava com saudades de lá, e queria rever a terra antes que fosse tarde, mesmo ao custo de retornar à prisão de onde escapou. Felizmente para mim, não há impedimentos, exceto os financeiros, para eu visitar livremente o lugar, e o faço com certa regularidade para rever família e amigos.

Quando se passa a viver em outro país, é natural a manutenção de vínculos com o anterior, mas estes precisam ser alimentados de alguma forma. Os pessoais são mantidos por troca de cartas, telefonemas, visitas. Hoje a Internet nos dá o correio eletrônico, o ICQ, a telefonia IP, até a videoconferência pessoal, o que permite estreitar os laços pessoais. Mas sentimos falta também do contexto público: as notícias de política, esportes (especialmente o futebol!), música, filmes, livros. Estas coisas são tipicamente comunicadas pela imprensa, rádio e TV locais, e geralmente são ignoradas pela imprensa, rádio e TV de outros países. Todo mundo que viaja do Brasil para o exterior se dá com a terrível falta de notícias sobre este país na imprensa e na TV de fora. Mas o fenômeno é o mesmo para os que saem de outros países.

Durante os mais de trinta anos de morar fora da Inglaterra, meu principal contato umbilical com o contexto público britânico era o Guardian Weekly, edição semanal do jornal Guardian, hoje de Londres, mas originalmente de Manchester, a minha cidade natal. Quando chegava o Guardian Weekly, tipicamente com pelo menos uma semana de atraso, o devorava para me "pôr em dia" com o que passava por lá. Mas deixei de assiná-la há uns dois anos, depois de constatar que metade dos números do ano anterior sequer haviam sido abertos, apenas empilhados num canto para ler "um dia, quando tivesse tempo".

Foram duas novidades que tornaram menos essencial a leitura assídua do Guardian Weekly. A primeira foi o aparecimento de TV a cabo, especialmente os canais de notícias, como a CNN e seus pares de outros países, que apresentavam visões sobre o que passa no mundo com olhos diferentes dos brasileiros. Durante anos eu era fã da CNN, mas agora quase não assisto mais, pois as alternativas se multiplicaram. Hoje tem o canal de notícias da BBC, mas, estranhamente, ele não é oferecido aos assinantes da minha companhia de TV a cabo. Mas não estava me referindo à TV a cabo, e sim à Internet.

Foi mesmo a Internet que acabou com a minha prática de ler o jornal que assinava, pois, a partir de certa data, todo jornal que se prezava passou a manter uma edição eletrônica. Hoje em dia, parece tão natural, mas não era sempre assim. O pioneiro aqui foi o Jornal do Brasil (www.jb.com.br), que passou a publicar desta maneira a partir de 1995. Hoje tem uma concorrência saudável para ver quem tem o melhor sítio eletrônico, justamente vencida este ano pelo estadao.com.br, que levou dois prêmios iBest na semana passada. Gosto bastante do sítio do Estadão por várias razões: primeiro, publica tudo que sai nas edições impressas; segundo, arquiva todas as edições anteriores para consulta imediata; terceiro, é gratuito o acesso. Estas três condições tornam o estadao.com.br um excelente ponto de referência para informações atuais, e para realizar pesquisa também.

Evidentemente, os jornais de outros países também criaram suas edições eletrônicas, e hoje o emigrante com tempo e acesso à Internet tem mais jornais para folhear do que se encontra em qualquer biblioteca do mundo, em todas as línguas, e atualíssimos. Por que eu vou assinar uma edição impressa do Guardian Weekly, que chega com uma semana de atraso, quando posso ler as mesmas reportagens no sítio do Guardian (www.guardian.co.uk) no dia que saem impressas no jornal na Inglaterra? E não preciso me limitar à cobertura apenas deste jornal. É um prato cheio.

Curiosamente a Internet deu oportunidade a uma nova concorrência entre a imprensa escrita e as empresas de rádio e TV, pois estas entraram com todo gosto na Internet, montando seus sítios bem parecidos com aqueles dos jornais. Por exemplo, para acompanhar as notícias da Inglaterra pela Internet, minha preferência agora é o sítio da BBC (www.bbc.co.uk), que é atualizado constantemente, como é apropriado a uma organização que publica informação 24 horas por dia, ao invés de apenas uma vez por dia. Agora, os sítios de rádio e TV têm uma vantagem competitiva comparada com seus concorrentes da imprensa: além dos textos escritos, também geram conteúdo falado e filmado. Para o usuário desterrado, isto é formidável. Através das novas tecnologias de "streaming media", pode-se receber o "sinal" de áudio e/ou vídeo, e fazer seu computador funcionar como aparelho de rádio ou TV, sintonizado nas estações no exterior. Obviamente, se é conveniente fazer isto vai depender da situação de cada usuário, pois requer uma conexão contínua à Internet durante toda a transmissão, o que pode encarecer bastante se for usada uma conexão discada em horários quando são contados os impulsos. Para quem goza de uma conexão permanente à Internet, via cabo, ADSL ou rádio, que tipicamente oferece uma banda melhor, é bastante interessante.

Além do Guardian Weekly, minha outra fonte de notícias de outrora era o World Service da BBC, estação de rádio 24 horas da BBC, que deveria ter servido de modelo para os canais de notícias pela TV que vieram mais tarde com TV a cabo. O World Service era, e é, transmitido para o mundo através de ondas curtas de rádio, alcançando milhares de quilômetros de distância. Eu tinha um aparelho de rádio antigo, que comprei apenas para poder ouvir a BBC. A recepção não era boa, e havia muita interferência, mas, em caso de necessidade, estava lá. Meu aparelho morreu há anos e não o substituí. Mas o World Service sobrevive, embora ameaçado por cortes de verbas de sucessivos governos ingleses. E agora tem seu próprio sítio na Internet, completo com a grade completa de programação (www.bbc.co.uk/worldservice/index.shtml). Nesta página há elos para ativação de sinal enviado pela Internet, usando a tecnologia RealAudio (www.real.com). É incomparavelmente superior a qualidade deste serviço digital, de som absolutamente limpo, comparada com a experiência de escutar a transmissão efêmera, que era pescada do éter por um aparelho de rádio de ondas curtas. Não tenho a menor saudade da tecnologia antiga.

Nem aqui estamos limitados a apenas uma estação de rádio. O sítio realguide-br.real.com fornece meios de procura de programação distribuída usando "streaming media". Infelizmente, embora o sítio seja feito em português, não há seleção das fontes de transmissão baseada nesta língua. Para ouvintes de inglês uma seleção de 43 estações da Grã Bretanha e Irlanda pode ser encontrado no sítio europe.real.com/guide/?t=general&p=radiotv&sp=english, embora nota-se erros nos URLs das estações da própria BBC. Na mesma página tem elos para listas em outras línguas européias - os interessados em estações de Portugal encontrarão os coordenados das rádios Antena 1, Antena 3 e Azeméis FM, na página de "other languages". Mais uma vez, floresceu a diversidade. Estamos realmente muito bem servidos, comparado com o período pré-Internet.

Enfim, os avanços em telecomunicações e redes de informação também puderam ajudar a libertar da "tirania da geografia" as pessoas que saíram dos seus países para morar no outro lado do mundo. A gente agradece.