Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2002 Página Inicial (Índice)
25/04/2002
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10+: Dez anos da Internet no País
Em pouco mais de um mês cairá o décimo aniversário da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro durante duas semanas de junho de 1992, e conhecida como a
Cimeira Global, UNCED-92, ECO-92 ou Rio-92, de acordo com o gosto pessoal ou
tribal do usuário (www.un.org/geninfo/bp/enviro.html).
A ONU pretende realizar outro evento semelhante este ano, em Joanesburgo, África
do Sul (www.johannesburgsummit.org).
Para este artigo, a característica mais relevante de 1992 foi na área de
comunicação.
Além da conferência oficial no Rio, houve também um encontro de ONGs, chamado de
Fórum Global, e os dois eventos foram assistidos por 10.000 jornalistas e
transmitidos para o mundo todo.
Entre os meios de comunicação utilizados pelos profissionais se incluía pela
primeira vez o acesso Internet neste nosso país.
Já contei em outro local a história das origens da nossa rede acadêmica, e em
especial o processo que levou à inserção do Brasil na Internet (www.rnp.br/newsgen/9806/inter-br.shtml),
e é notável que a realização destes eventos do Rio e a visibilidade que eles
proporcionaram ao país foram decisivas para o vencimento nesse momento dos
obstáculos à esta inserção.
A conferência se iniciou em 3 de junho. Menos que duas semanas antes foi
inaugurada a fase Internet da Rede-Rio (www.rederio.br),
a rede estadual criada e mantida pela FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (www.faperj.br).
A Rede-Rio presta para este estado o mesmo tipo de serviço como a rede estadual
ANSP em São Paulo (www.ansp.br),
interligando suas universidades e centros de pesquisa, e provendo-lhes acesso ao
exterior.
O acesso à Internet para os jornalistas e ONGs da conferência no Rio seria
provido pela Alternex, um serviço de comunicação montado pelo IBASE - Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (www.ibase.org.br),
para atender a ONGs e indivíduos.
A Rede-Rio era importante para o evento, pois a Alternex se tornou um dos seus
clientes, obtendo assim acesso internacional à Internet global na taxa de 64
kbps (quilobits por segundo), e estas estruturas de acesso continuariam
funcionando depois do encerramento da conferência.
O evento no Rio teve repercussões nacionais, e serviu para impulsionar a ANSP a
inaugurar um acesso Internet de produção (64 kbps - já havia um acesso
experimental desde 1991 compartilhando uma linha de 9,6 kbps) para poder atender
seus clientes em São Paulo, e para fazer decolar a instalação do primeiro
backbone nacional da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa - RNP (www.rnp.br),
oferecendo acesso Internet aos demais estados fora do eixo Rio-SP.
Vemos então como a conferência do Rio foi verdadeiramente a marca zero da
Internet no país.
Entretanto, seu uso ainda era inicialmente restrito apenas a algumas áreas de
poucas universidades e centros de pesquisa, concentrados principalmente nas
capitais dos estados, com algumas exceções honrosas.
A capilaridade desta rede era pequena, como era também sua capacidade - basta
pensar que os dois enlaces internacionais originais, do Rio e de São Paulo,
juntos comportavam 128 kbps, para atender a todos os então usuários no país.
Hoje esta capacidade é freqüentemente disponível para um só usuário dos atuais
serviços mais rápidos de acesso. Mas a característica principal desta fase
inicial da Internet era a "exclusão digital" de quase toda a população. Que o
acesso público à Internet viria a ser importante não era claro para todos na
época.
Mas havia um forte indício disto do exemplo dos EUA, onde a Internet havia
iniciada em 1990 uma forte expansão para atender a população em geral, não se
restringindo mais apenas ao setor de ensino e pesquisa.
E era também uma questão de eqüidade: se a Internet fosse realmente uma coisa
tão boa, não havia nenhuma justificativa a limitar seus benefícios apenas às
universidades.
Felizmente, as universidades são instituições subversivas, pois criam
expectativas para as pessoas que mantêm contato com elas.
Quando estas, e estamos falando dos alunos e dos freqüentadores eventuais da
imprensa, do governo ou do setor dito produtivo da economia, descobrem que tem
algo tão bom sendo usado corriqueiramente dentro da academia, mas que inexiste
fora dela, são criadas pressões para sua transferência para a sociedade em
geral.
Havia obstáculos, é claro, a começar com a situação das telecomunicações no
país na época, ainda sob controle estatal, com deficiências na sua
infra-estrutura para atender a demanda por serviços básicos de voz.
A questão de comunicação de dados era especialmente complicada, pois ainda era
quase monopólio de fato da Embratel, apesar do fato que as operadoras locais de
telefonia (Telesp, Telerj, etc.) já podiam instalar e oferecer seus próprios
serviços.
A grande vantagem da Embratel era sua abrangência, e sua participação era
essencial para comunicação interurbana ou internacional.
Finalmente, havia a questão de padrões. Nos anos 1980, houve um grande
movimento entre as companhias telefônicas dos principais países, através da
União Internacional das Telecomunicações - ITU (www.itu.ch),
que define as normas técnicos para o setor, para baixar normas para as redes de
computadores, conhecido usualmente como Interconexão de Sistemas Abertos, ou
pela sigla correspondente em inglês, OSI.
No país, a adesão às normas OSI fazia parte da política do governo federal,
definida formalmente pelo Secretaria de Política de Informática do Ministério de
Ciência e Tecnologia (SEPIN/MCT).
As normas OSI simplesmente não eram seguidas na Internet, cujos expoentes haviam
desenvolvido sua própria coleção de normas técnicas.
No Brasil a Internet a nível federal era um projeto também do MCT. Basta dizer
que, neste embate nacional entre os defensores dos padrões OSI e os pragmáticos
da Internet, ganharam estes últimos, como, de fato, ocorreu em todo o mundo. A
proposta OSI foi simplesmente enterrada pela adoção maciça da alternativa.
Um sinal importantíssimo desta mudança foi o reconhecimento dentro da
Embratel do sucesso comercial explosivo da Internet no exterior, e especialmente
nos EUA.
Embratel, que ainda agia quase como policial do monopólio estatal das
telecomunicações, começou a mostrar interesse por esta nova forma de comunicação
entre computadores que gerava demanda para serviços de telecomunicação por um
mercado de massa.
Antes ela havia sido pioneira em oferecer um serviço de rede, seguindo a norma
X.25 da ITU, e até correio eletrônico, usando a norma X.400.
Entretanto, a adoção destes serviços havia sido tímida. Em 1994, tomou a
iniciativa de criar seu próprio serviço de acesso Internet, e até manteve alguns
contatos iniciais com os técnicos da RNP para discutir seu projeto.
Até o final desse ano, lançou-se ao mercado, com a criação de um novo serviço de
acesso discado à Internet, e começou a cadastrar usuários potenciais.
Até o final do ano, alguns destes usuários começaram a usar o serviço.
Em outros tempos, a Embratel poderia ter abocanhado totalmente o mercado
Internet comercial através desta sua iniciativa.
Mas 1994 foi o ano de eleição de FHC, com um programa político que antevia a
desestatização das telecomunicações.
Com a chegada do novo governo em janeiro de 1995 tudo mudou, e os planos da
Embratel de se estabelecer neste setor do mercado foram freados bruscamente.
Numa declaração conjunta em maio de 1995 do MCT e do Ministério de Comunicações,
determinou-se que as operadoras (ainda estatais) não deveriam oferecer o serviço
de acesso Internet ao usuário final, devendo ser isto reservado para empresas
privadas.
As operadoras poderiam (e, talvez, deveriam) oferecer acesso às empresas, e
teriam o dever de fornecer os recursos de telecomunicações necessários para
viabilizar a montagem dos provedores de acesso Internet. Finalmente, foi criado
o Comitê Gestor Internet (www.cg.org.br),
com representação destes dois ministérios e de outros elementos do governo e da
sociedade. Este Comitê Gestor acompanharia o desenvolvimento da Internet no
país, e promoveria os ajustes necessários para facilitá-lo.
Estas definições abriram as portas para o início da Internet comercial (eu
prefiro o adjetivo "público") no país. Liberou muita energia para a montagem de
centenas de pequenos provedores Internet em todo o país, além de impulsionar a
venda de computadores e equipamentos de comunicação, e aumentar muito a demanda
por serviços de telefonia discada e acesso a redes backbone para comunicação a
lonas distâncias. Inicialmente estes serviços backbone eram oferecidos apenas
pela Embratel, e, como medida emergencial por tempo limitado, pela RNP.
Acabaram aparecendo outras alternativas, mas a Embratel continua com a parte do
leão neste setor.
Jogaram-se com entusiasmo no novo meio várias atividades existentes,
especialmente da mídia. Jornais e revistas impressas passaram a ter seus
equivalentes digitais através da plataforma WWW.
Os bancos, que no Brasil haviam abraçado a informatização dos seus serviços
muito antes dos seus equivalentes até em países ditos adiantados, acabaram
adotando quase uniformemente a Internet como meio de se relacionar com seus
clientes.
O próprio governo percebeu aos poucos os benefícios de ter novos canais de
contato com seus usuários e como os contribuintes - veja o sucesso da Receita
Federal em praticamente eliminar a declaração escrita em papel do ajuste anual
de imposto de renda, hoje realizado em 97% dos casos pela Internet.
Teve início o comércio eletrônico, mas isto ainda não teve a expansão potencial
pelo atraso na implantação de sustentação legal e operacional para os contratos
eletrônicos, embora isto já está acontecendo.
Enfim, os frutos das decisões e ações do período entre 1992 e 1995 estão
muito visíveis hoje em dia, na pujança e na extensão da Internet entre nós.
A adoção deste meio de comunicação tem sido tão maciça, que ela se tornou
indispensável na nossa vida cotidiana.
Ninguém mais se surpreende ao ver ou ouvir endereços Internet em mensagens de
propaganda.
As pessoas se comunicam com correio eletrônico, ou utilizam o WWW para planejar
viagens, escolher filmes, realizar pesquisa para trabalhos escolares ou artigos
como este, ou meramente para se divertir.
Como já foi dito há dez anos: esta coisa de Internet é bom demais para ficar
restrita só à universidade.