Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2002       Página Inicial (Índice)    


27/08/2002
Negroponte na Índia

Tive o privilégio de assistir na semana retrasada uma palestra de Nicholas Negroponte, professor do MIT, onde foi co-fundador e é diretor do Media Laboratory (www.media.mit.edu), e também contribui regularmente à revista Wired (www.wired.com/wired). O objetivo do Media Lab é explorar a pesquisa básica e aplicações na interseção entre computação e as artes, com muita ênfase em aprendizagem, visão, audição e expressão digital. A base dos trabalhos do laboratório são naturalmente as tecnologias de comunicação e computação.

Talvez a mais lida das suas publicações, o livro Being Digital (editado em português pela Companhia das Letras com o título A Vida Digital) de 1995 inovou em apresentar a revolução em comunicação ao leitor não especializado. O primeiro capítulo deste livro, o qual se tornou antológico, trata de explicar o que são os bits, e como eles se diferem dos átomos do mundo analógico. Um caso específico: um livro impresso é um átomo, que precisa de um sistema de transporte físico próprio para seguir seu caminho do autor ao leitor, enquanto seu correspondente digital, composto de bits, pode seguir este caminho através de uma rede de comunicação (digital), num tempo e a um custo infinitamente mais baratos do que os livros impressos. O ponto básico é a capacidade de fazer versões digitais (de bits) de quase qualquer obra intelectual, e todas estas podem distribuídas por meios comuns, que independem da natureza individual do conteúdo. Adicionalmente, tem a capacidade notória de permitir fazer cópias digitais a custo (quase) zero. É este o novo mundo digital com que estamos começando a aprender conviver.

Pois bem, o professor Negroponte hoje passa parte do seu tempo na Índia, onde foi criado em 2001 o Media Lab Asia, um experimento em transplantar para esse país um centro de pesquisa nos moldes da matriz do MIT, com a ênfase específica de focar os problemas de aprendizagem, saúde e desenvolvimento econômico, num país de terceiro mundo. O laboratório tem como missão leva os frutos da revolução em comunicação até as aldeias indianos, e conta com apoio decisivo do governo indiano para tal (www.medialabasia.org).

Na sua palestra proferida numa conferência internacional sobre a comunicação usando computadores Negroponte se dirigiu principalmente à situação das telecomunicações, e às possibilidades futuras do setor. Na verdade, quase todas suas palavras eram dirigidas à comunicação sem fio, que vem tendo um sucesso tão estrondoso nos últimos tempos, impulsionado principalmente pela explosão em telefonia móvel. Uma característica muito importante da comunicação sem fio, em contraste à alternativa usando infra-estrutura de cabos, é a rapidez de implantação e o baixo custo para começar a usar. Na opinião dele, isto contribui para o seu apelo especialmente em países em desenvolvimento, onde há grandes carências de infra-estrutura. Isto é evidente também no Brasil, onde a telefonia móvel tem tido efeito democratizante, possibilitando o acesso à telefonia, pelo menos nas áreas urbanas, a camadas sociais que nem sonharam com acesso a telefonia fixa.

Entretanto, como apontou o Negroponte, a telefonia móvel se encontra numa encruzilhada, por causa do que se chama "o problema 3G", referindo-se à "terceira geração" de telefonia móvel, de banda larga, também conhecido como UMTS. A segunda geração vem sendo marcada em quase todo o mundo pelo sucesso do sistema GSM (Global System for Mobile Communication) (www.gsmworld.com), hoje com 71% do mercado mundial, entrando agora no Brasil através das operadoras Oi e TIM nas bandas D e E. O sucesso do GSM teria sido o resultado da política industrial da União Européia, que optou pelo padrão a ser usado pelas operadoras daquela região, facilitando em muito a vida do usuário por permitir-lhe os recursos de roaming (uso fora do seu domicílio), pela compatibilidade da tecnologia em toda sua extensão territorial. Isto deve ser comparado com a pletora de padrões incompatíveis entre si em uso nas Américas, como é o caso no Brasil.

Os governos europeus ficaram tão empolgados com o GSM, que resolveram repetir a estratégia com a nova (terceira) geração de telefonia móvel. Esta vez, leiloaram as licenças para operação da telefonia 3G, e só na Grã Bretanha o governo arrecadou o montante de US$35 bilhões de um leilão realizado em 2000, sendo seguido por outros países europeus e outros. Os governos destes países (ou, pelo menos, seus ministros de finanças) ficaram muito felizes com estes resultados. Entretanto, estes leilões, ocorrendo logo antes do estouro da bolha das telecomunicações no mesmo ano, mais do que qualquer outra coisa contribuiu para o endividamento das empresas operadoras do setor. Para sair do buraco que estes cavaram, eles terão que vender e muito bem o serviço 3G.

Porém, isto não vem acontecendo, pois o serviço 3G está relacionado ao uso da Internet, que ainda não conseguiu se vender para os usuários de telefonia móvel. Tem quem acha que a mudança tecnológica 2G para 3G é insuficientemente grande para alavancar uma adesão maciça ao novo serviço. Como o próprio Negroponte comenta: "o incrementalismo é o inimigo da criatividade". O serviço 3G está sujeito a duas forças opostas: por um lado permanece a dúvida a respeito da significância das mudanças tecnológicas, por outro a necessidade imperiosa de amortizar o investimento, especialmente nas licenças adquiridas a preços tão elevadas. Se acontecer o desastre anunciado do serviço 3G, faltando às operadoras dinheiro para investimento no serviço novo, quem vai pagar serão nossos filhos e netos, pela perda da oportunidade de terem bons serviços de telefonia a custos decentes, devido principalmente ao apetite por renda momentânea dos governos no ano 2000.

Felizmente, nem tudo está perdido. Ao mesmo tempo que a comunidade tradicional das telecomunicações enfrenta os problemas sérios de excesso de capacidade (de cabo óptico) e endividamento, cresce fortemente o uso de soluções sem fio para as redes de dados, sendo estas usadas nas redes locais e de acesso, tipicamente usando tecnologia padronizada pelo IEEE (802.11, 802.16), bem como nas redes pessoais (de tamanho limitado), onde hoje impera a tecnologia Bluetooth (www.bluetooth.com). A princípio, o que unifica estas redes é a utilização da tecnologia Internet, que permite sua integração entre si, e com a própria rede Internet, para provisão de serviços de informação de forma padronizada. Sua maior utilização é na computação doméstica, e a escala de produção decorrente da demanda está fazendo cair e muito os preços dos componentes. Esta tecnologias de redes de dados já teriam capacidade suficiente para dar suporte às novas aplicações multimídia, por exemplo a telefonia IP e a videoconferência, consideradas o objetivo final a ser alcançada, não na 3a geração (3G) de telefonia móvel, como na 4a geração (4G), ainda na fase de formulação para eventual introdução como produto até 2010.

Segundo Negroponte, o aspecto social mais interessante das redes locais de rádio (WLAN) é seu compartilhamento - alguém instala uma WLAN na sua casa, talvez ligada à Internet, através de "cable modem" de TV a cabo (Vírtua da Net, ou Ajato da TVA), ou serviço ADSL de uma operadora de telecomunicações (Speedy da Telefônica, Velox da Telemar). As ondas de rádio da sua WLAN extravasa os limites da sua residência, podendo ser usadas por seus vizinhos, que entram na sua rede local numa boa. Com a capacidade de até 11 Mbps, a presença dos vizinhos não chega a prejudicar o desempenho do uso do dono da WLAN. Um levantamento recente realizado na cidade de Nova Iorque revela a presença de em torno de 5 WLANs por quarteirão da cidade, das quais a maioria não utiliza proteção criptográfica para impedir acesso alheio. O uso desta tecnologia se espalha rapidamente, que nem vírus, e é interessante notar a ausência de interesses comerciais na sua adoção - o compartilhamento é um exercício em altruísmo.

Ao invés de usar a tecnologia WLAN apenas para capilarizar as redes cabeadas, uma alternativa mais arrojada tem as WLANs interligadas entre si, também por enlaces de rádio. Isto pode ser feito através de enlaces ponto a ponto, às vezes de vários quilômetros de extensão, usando a mesma tecnologia IEEE 802.11, mas com antenas direcionais com maior ganho. A interligação de computadores através de enlaces ponto a ponto desta forma se chama uma rede "ad hoc" (sem estrutura), e é um dos assuntos prioritários de pesquisa em redes de rádio atualmente, talvez pela potencial que demonstra para trazer benefícios sociais.

Negroponte enxerga a utilidade desta tecnologia como a forma mais indicada de estender serviços de comunicação em faixa larga ao meio rural a custos baixos. Seria especialmente apropriada em países onde já não tenha sido distorcido o mercado futuro através de uma opção prematura para a tecnologia 3G (por exemplo, Índia ou Brasil). Entre as idéias já apresentadas para desenvolver comunicação sem fio neste contexto estão incluídas o uso de balões para carregar estações repetidoras de sinais de rádio (ao invés da construção de torres, e levar estações móveis para as redes locais, sendo estas estações montadas em automóveis (caminhões, ônibus). Esta última idéia lembra bastante o antigo uso de satélites de baixa órbita, introduzidas no final dos anos 80, que serviam rcomo BBS - Bulletin Board Systems, para transmissão de correio eletrônico e notícias para locais isolados.

Resta ver se esta tecnologia vai efetivamente substituir as propostas de telefonia móvel 3G e 4G, geradas pela comunidade tradicional das telecomunicações. Sou otimista que vai conseguir ter um impacto forte, baseado nos antecedentes de outras soluções tecnologicamente complexas que já nos foram trazidas no passado por esta comunidade, e que não vingaram. Tecnologia de WLAN é o coqueluche do momento, e tem tudo para se tornar ainda mais importante.