Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2002 Página Inicial (Índice)
30/12/2002
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A administração do espectro
eletromagnético
Embora tenha sido inventada a
radiocomunicação também por outras pessoas contemporâneas, inclusive pelo
brasileiro Padre Landell de Moura (1861-1928) (v. www.qsl.net/lmdxc), a fama
mundial de demonstrar a utilidade de rádio como meio de telecomunicação pertence
a Guglielmo Marconi (1874-1937)
(v.
www.epub.org.br/correio/ciencia/cp011214.html).
No início, o rádio foi percebido principalmente como meio de comunicação a longa
distância, especialmente com navios.
A radiodifusão se iniciou em 1921 nos EUA com a instalação de estações
transmissoras em Pittsburgh e Nova Iorque, seguida dois anos depois pela entrada
em operação de estações brasileiras, em Recife e no Rio de Janeiro (v.
www.pernambuco.com/clube/historia.html).
Foram reconhecidas logo as possibilidades comerciais do novo meio de
comunicação, e também os problemas de interferência quando duas estações na
mesma cidade transmitem na mesma freqüência ou em freqüências próximas uma da
outra, estragando a recepção de ambos os sinais.
Para resolver esta situação, a justiça nos EUA adotou o princípio de "prioridade
de uso": o primeiro usuário (transmissor) seria o "dono" da freqüência, e outros
usuários teriam que se mudar para outras freqüências.
Em 1926, este princípio não convinha para o governo do dia, e o caos resultante
do seu abandono levou o congresso norte-americano a adotar a Lei do Rádio no ano
seguinte.
Esta lei criou o Federal Radio Agency (FRA) com a responsabilidade para a
administração do espectro, determinando sozinho o uso permitido para cada
freqüência e por quem ela poderia ser usada para transmissão.
O importante era evitar interferência entre os sinais transmitidos em
freqüências diferentes, ou na mesma freqüência em diferentes áreas geográficas.
Esta responsabilidade foi posteriormente repassada para a Federal Communications
Commission (FCC), quando esta entidade foi criada pela Lei das Comunicações de
1934, sendo extinta a FRA.
Hoje o espectro é alocado pela FCC para usuários (transmissores) e usos,
incluindo radiodifusão, televisão aberta, sistemas de comunicação por
microondas, satélites, taxistas, polícia, forças armadas e muitos outros.
Um usuário recebe uma licença para transmitir certo tipo de conteúdo, numa
determinada freqüência e com determinado potência de sinal.
A princípio, a licença tem prazo limitado, mas quase sempre será renovada.
As licenças podem ser usadas apenas para a finalidade especificada, e não podem
ser vendidas ou locadas a terceiros.
Não custou muito para este modelo norte-americano ser adotado em outros países.
No início dos anos 30 o governo brasileira resolveu regulamentar a exploração
comercial dos rádios, através dos decretos 20.047 de 1931 e 21.111 de 1932.
O decreto 20.047 criou a Comissão Técnica do Rádio, órgão da Repartição Geral
dos Telégrafos, que realizava estudos e indicava ações de natureza técnica.
(v.
http://www.intercom.org.br/papers/xxiv-ci/np10/NP10JAMBEIRO.pdf).
Somente em 1962 a responsabilidade pela administração e regulamentação de
radiotransmissão passaria para o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL),
comissão interministerial, que tinha como sua secretaria executiva o DENTEL
(Departamento Nacional de Telecomunicações), ambos criados pelo Código
Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4.117 (v.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4117.htm).
Mais recentemente, em 1997 foi adotada a Lei Geral de Telecomunicações - Lei
9.472, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o novo
responsável para regulamentar a radiotransmissão (v.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm).
Até os dias de hoje a Anatel desempenha esta função a nível nacional, e boa
parte da seu sítio na Internet se dedica à ela (v.
www.anatel.gov.br/Radiofrequencia).
Especialmente informativo é o quadro de Atribuição de Faixas de Freqüências no
Brasil, que resume gráfica e detalhadamente o resultado deste trabalho (v.
www.anatel.gov.br/Radiofrequencia/qaff.pdf).
Em quase todos os países existe um órgão administrador do espectro semelhante à
Anatel, e os órgãos dos diferentes países se encontram a cada três anos na
Conferência Mundial de Radiocomunicações (WRC) para discutir e resolver
problemas do espectro que cruzam fronteiros. A próxima WRC deverá ser realizada
em Buenos Aires em dezembro de 2003 (v.
www.citel.oas.org/WRC/wrc.asp).
Nos últimos anos, com o crescimento do uso de novas aplicações de rádio, o
modelo tradicional de administração do espectro, também chamado de "comando e
controle", vem se mostrando inadequado, pois o loteamento das freqüências para
usos tradicionais criou uma escassez de freqüências livres para atribuição às
aplicações novas.
Por outro lado, sabe-se que muitas das freqüências atribuídas para determinadas
aplicações tradicionais não vêm sendo utilizadas plenamente.
Um exemplo destas é a ampla atribuição de espectro da faixa UHF para televisão,
que quase não é usada mais depois da introdução de TV a cabo.
Os economistas argumentam que não faz sentido alocar desta forma um recurso
escasso, e advogam o estabelecimento de um mercado para o espectro, no qual os
donos possam comprar, vender, subdividir e agregar lotes do espectro, o que
levaria a uma alocação mais eficiente deste recurso.
Em vários países, por exemplo os EUA, adotou-se alocar espectro para uso
flexível (sem aplicação específica), e foram realizadas algumas leilões de
espectro, principalmente para a telefonia móvel.
O sucesso destes esquemas encoraja os economistas a advogar a extensão mais
ampla deste regime de administração.
Por outro lado, avanços em microeletrônica e na arquitetura de redes já vêm
tendo conseqüências importantes para a tecnologia do rádio.
A adoção de tecnologia digital (processamento digital de sinais - DSP) promete
trazer para a comunicação sem fio a mesma convergência já alcançada pela
comunicação com fio, onde todos os tipos de conteúdo podem usar não apenas os
mesmos meios físicos, como podem ser encaminhados a seus destinos finais através
de uma rede de dispositivos repetidores (roteadores), como faz a Internet.
No caso do rádio, esta integração digital em larga escala pode até incluir a
interoperação entre subredes com fio e sem fio. Alguns exemplos de novos
tecnologias de rádio que estão aparecendo incluem o uso de faixa larga, tal como
espectro espalhado (spread spectrum - SS) e faixa ultra-larga (ultra
wideband - UWB), rádio definido por software (software defined radio
- SDR) e redes em malha, incluindo redes ad-hoc.
SS e UWB permitem a utilização simultânea da mesma faixa do espectro por
usuários não coordenados entre si.
Em SS, supõe-se que todos os usuários de uma determinada faixa utilizem a mesma
tecnologia de transmissão, e cada receptor trata o sinal de outros usuários que
não lhe interessa como se fosse ruído.
Este esquema é bastante usado em sistemas CDMA de telefonia celular, e em redes
locais de computadores sem fio do padrão IEEE 802.11b (WiFi).
O UWB transmite pulsos curtíssimos de sinais de faixa muito larga e de potência
muito pequena. A princípio, estes sinais são detectados apenas por receptores
sincronizados com os transmissores.
O SDR permite reprojetar completamente o equipamento de rádio, empregando
software para controlar as freqüências usadas para transmissão e recepção, e
para determinar o esquema de modulação de sinal usada.
O conceito de SDR permite que uma estação analisa seu ambiente antes de
transmitir, escolhendo para uso uma freqüência atualmente ociosa.
Ele também permitiria a utilização de uma freqüência oficialmente alocada a um
outro usuário agora inativo - quando este volta a ocupar sua freqüência o SDR
pode mudar de freqüência, para evitar causar interferência, em uma fração de
segundo. Por isto, o SDR é às vezes chamados de "ágil".
Alguns usos de SS (spread spectrum) foram introduzidos nos últimos anos em
faixas do espectro onde são dispensadas as licenças.
Estas faixas, chamadas de ISM (Industrial, Scientific, Medical), foram
reservadas inicialmente para dispositivos usando rádio de curto alcance e,
portanto, de baixa potência de sinal, por exemplo, telefone sem fio, ou controle
de travamento de portas.
As regras de uso das faixas ISM limitam fortemente a potência dos sinais, mas,
na ausência de licenças, não oferecem recursos contra a ocorrência de
interferência.
Entretanto, a própria existência destas faixas de "uso aberto" possibilitou a
criação de uma indústria bilionária de redes locais de computadores sem fio, o
WiFi.
Enquanto os economistas querem privatizar o espectro através de uma economia de
mercado, os visionários destas novas tecnologias advogam a liberação para o "uso
aberto" de mais faixas do espectro para liberar a genialidade dos seus
inventores para encontrar novas maneiras de tornar eficiente o uso deste
recurso.
Estes dois correntes se encontraram em 2002, quando a FCC dos EUA resolveu criar
uma força tarefa para propor como deverá agir esta agência na futura
administração do espectro, face ao reconhecimento da inadequação do regime
tradicional (v. www.fcc.gov/sptf).
O atual presidente da FCC, Michael Powell, vem do mundo dos negócios e se dispõe
a examinar novos regimes para substituir o de "comando e controle", já com 75
anos.
Os dois principais regimes sugeridos pelos testemunhos que fizeram submissões à
força tarefa foram o "exclusivo" (do mercado) e o "uso aberto".
Especialmente bem apresentadas são as submissões do visionário David Reed, bem
conhecido na comunidade Internet (www.reed.com/OpenSpectrum/FCC02-135Reed.html),
e dos experientes professores Gerald Faulhauber (economia) e Dave Farber
(engenharia), que comentam a posição de Reed (http://gullfoss2.fcc.gov/prod/ecfs/retrieve.cgi?native_or_pdf=pdf&id_document=6513282647).
Na sua submissão Faulhaber e Farber mostram que as posições dos visionários
podem ser reconciliados com as dos economistas, desde que seja permitido um grau
pequeno de ruído dentro do espectro de uso exclusivo. Se este fosse limitado,
seria tecnicamente viável a coexistência de usuários em freqüências fixas com
outros de faixa larga superposta.
A força tarefa publicou seu relatório em novembro de 2002, e o texto está
disponível em
http://www.fcc.gov/sptf/report.html. (Comentários podem ser enviados até
27/1/2003.).
A princípio, o relatório examina todas as propostas enviadas, e recomenda seguir
uma política que combina os três regimes discutidos aqui: o tradicional "comando
e controle", o "exclusivo" e o "uso aberto".
É recomendada a ampla adoção do modelo "exclusivo", com a introdução de um
mercado secundário em direitos de propriedade do espectro.
Também é recomendado mudar o conceito de controle de interferência, deixando de
realizar medições próximo do transmissor para fazê-las próximo do receptor.
Também foi adotada a sugestão de Faulhaber e Farber de permitir a presença de um
certo nível limitado de ruído, o que permitiria a adoção mais simples da
tecnologia UWB, ou outras transmissões de faixa larga e baixa potência, em
faixas sobrepostas a freqüências de uso exclusivo.
O relatório também admite a aceitação de rádio "ágeis" baseados em SDR, que
poderiam vagar uma freqüência rapidamente, quando seu dono vir a precisar
transmitir nela.
Por outro lado, o relatório não prevê facilidade em liberar para "uso aberto"
novas faixas de espectro abaixo de 5 GHz, embora suponha que "uso aberto" seja
considerado como padrão para o espectro acima de 50 GHz.
Enfim, as propostas encaminhadas pela força tarefa representam a primeira
modificação substancial nas tradicionais regras de administração do espectro,
sacramentadas pelo tempo e uso. Nas palavras finais da submissão visionária de
David Reed:
"O arcabouço aberto e, em grande parte, financiado pelo usuário final da
arquitetura Internet realmente mudou a cara de comunicação com fio nos últimos
25 anos. Acredito que nos encontramos bem no início de outra revolução similar
que também durará 25 anos. Porém, não poderemos criar esta revolução sem antes
mudar a estrutura fundamental de regulamentação de rádio para focar em sistemas
de rádio adaptativos, digitais e em rede, financiados por usuários em vez de
operadoras."
A FCC está se mostrando preparado para enfrentar este desafio, o que certamente
vai ter um enorme impacto sobre o mercado norte-americano para equipamentos de
rádio.
Se a Anatel acompanhar esta virada, modificando o regime de administração do
espectro no Brasil, isto facilitará a participação brasileira na exploração de
mercados emergentes de radiocomunicação. Vamos esperar que seja aproveitada esta
janela de oportunidade.
Seria um belo tributo ao pioneirismo do Padre Landell de Moura.