Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2002       Página Inicial (Índice)    


04/06/2002
Acesso discado à Internet

Historicamente, o uso da rede de telefonia para comunicação de dados começou por esta ser a maneira mais eficaz de prover conectividade entre os computadores. A rede de telefonia já ia em toda parte, e seria relativamente fácil para a companhia telefônica fornecer uma linha dedicada, também conhecida como linha privada, ou LP, entre os dois pontos. A tecnologia de modem (modulador-demodulador) foi desenvolvida para permitir a transmissão de sinais digitais disfarçados como voz. Os primeiros modems, usados na década dos 1960, eram muito limitados, trabalhando com taxas de transmissão em torno de poucas centenas de bits por segundo. Com a introdução dos microcomputadores, aumentou o interesse em comunicação entre computadores, e especialmente de computadores domésticos. Começou o uso da rede de telefonia discada para comunicação entre computadores, o que era muito interessante, pois dispensava a necessidade das LPs, caros e inflexíveis. Inicialmente, as ligações precisavam ser discadas manualmente, mas com o tempo apareceram modems com capacidade de discagem automática (do chamado "padrão Hayes"), tornando mais fácil o processo. Aumentava também a taxa de transmissão possível, para, sucessivamente, 2.400 bps, 9.600 bps, 14.400 bps, 28.800 bps, 33.600 bps, até alcançar nos últimos tempos 56.000 bps, considerada próxima do limite possível por este meio de acesso. Com o aumento de demanda, todos estes equipamentos baixaram enormemente de preço e hoje se tornou muito fácil e barato colocar um computador em rede através de seu modem embutido.

O uso de acesso discado desta forma se iniciou no país com o projeto Ciranda da Embratel, que tentou criar uma comunidade eletrônica entre os funcionários da Embratel no início dos anos 1980. Depois de 1985, tentou-se generalizar o conceito com o projeto público, Cirandão, que era acessível através do então recém criado serviço de comunicação de dados, Renpac, disponível em boa parte do país. A mesma tecnologia de acesso discado começou a ser empregada em sistemas BBS (Bulletin Board Systems), também nos anos 1980, e alguns destes BBS passaram a oferecer serviços como correio eletrônico em escala maior, fazendo parte da FIDONET, rede mundial de BBS, interligadas por conexões discadas. Ainda outros BBS ofereceram serviços de correio e listas de discussão através de conexões discadas e o software UUCP. Com o advento de acesso permanente da comunidade acadêmica às rede mundiais BITNET e, posteriormente, Internet, alguns destes BBS passaram a estabelecer conexões informais às redes acadêmicas. Logo, quando foi finalmente liberado formalmente em 1995 o acesso público à Internet, já existia muita experiência em prover acesso remoto a sistemas BBS via a rede telefônica discada. Não deve surpreender então a explosão de demanda para serviços Internet que ocorreu a partir de 1995, com a criação de centenas de provedores Internet, a maioria empresas de pequeno porte.

Hoje contam-se em vários milhões o número de usuários da Internet no Brasil através de acesso discado. Esta demanda é atendida por duas classes de empresa: primeiro, os provedores Internet, que fornecem o acesso à rede, através de equipamentos especializados (servidores de acesso remoto, roteadores) e uma conexão permanente à Internet contratada com algum provedor de backbone, como a Embratel ou a Intelig; segundo, as companhias de telefonia local, que fornecem as linhas telefônicas, tanto para o usuário, como para o provedor Internet, e toda a rede discada que interliga estes dois.

Do ponto de vista da companhia de telefonia, uma questão central é o impacto do tráfego Internet sobre sua rede de telefonia. Tradicionalmente, a rede de telefonia é projetada para atender ao tráfego de voz. Anos de estudo das características da comunicação de voz revela que uma conversa dura em média três minutos, e que o número de usuários simultâneos é uma pequena fração do número total de assinantes. Estas cifras permitem o dimensionamento preciso da capacidade das centrais telefônicas e dos troncos entre elas, para garantir a disponibilidade de um canal de voz fim a fim quando estiver desocupado o número chamado. Surpresa: quando um usuário de computador estabelece sua conexão discada, o tempo médio de duração da chamada é de 40 minutos. Isto significa a retenção por muito tempo dos recursos (centrais e troncos) necessários para manter o canal fim a fim, obrigando um aumento de investimento das companhias telefônicas, para manter a qualidade dos seus serviços de voz, que utilizam a mesma infra-estrutura.

Deve-se notar que esta mudança ocorreu apesar da mudança de tarifação de chamadas locais introduzida nos anos 1980. Antes disto, não havia impulsos, e o custo de uma ligação local independia da sua duração. Não é claro se era para coibir a duração excessiva das ligações por computador, ou para aumentar a receita, mas as companhias telefônicas introduziram tarifação por impulsos (em média, um impulso a cada 4 minutos) nessa época. Entretanto, quando foi introduzida esta tarifação, foi dada ao usuário uma colher de chá: a contagem de impulsos não ocorre até hoje para ligações locais entre meia-noite e 6 horas, depois das 14 horas aos sábados, e todo o dia de domingo e feriados, sendo cobrado apenas um impulso por chamada. Logo, muitos dos acessos para Internet se deslocaram para estes horários sem impulsos.

Apesar do enorme aumento do uso da rede de telefonia discada para acesso Internet, até hoje não foi modificado este modelo de tarifação. Entretanto, a Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) vem estudando o assunto de acesso à Internet há pelo menos três anos, quando foi publicada uma proposta sua, chamada "Projeto 0i00" (www.anatel.gov.br/comites_comissoes/comites/infra_estrutura/projeto_0i00.pdf). Depois de discutir diferentes aspectos do problema de atendimento aos usuários, propôs-se criar linhas especiais para provedores, que seriam acessíveis através de uma numeração "0i00", por analogia aos números 0300, 0800 e 0900 atualmente usados para diferentes finalidades.

Somente em março de 2002, a Anatel finalmente abriu sua proposta para discussão, quando lançou uma consulta pública sobre a proposta "0i00" e outra chamada "IP Direto", ou seja, "Tarifa Única de Acesso à Originação de Chamada para Internet" (www.anatel.gov.br/biblioteca/releases/2002/release_21_03_2002(2).pdf). Nesta ocasião, chamou atenção a outro dado relevante: que 44% da população mora nas 94% das cidades brasileiras sem acesso a um provedor Internet local, o que significa que para estes usuários o acesso discado só poderia ser realizada hoje por uma ligação não local, intrinsecamente mais cara. O código 0i00 passou a ser chamado de "não-geográfico", com forte sugestão que a tarifa seria independente da localização do usuário. Por outro lado a proposta de "IP Direto" parece prever um custo fixo para acesso discado por tempo predeterminado à Internet. À consulta pública responderam 895 pessoas até o encerramento de contribuições em 6 de maio. Não há previsão para uma tomada de posição pela Anatel.

É interessante observar como estas questões vêm sendo abordadas em alguns outros países. Nos EUA, não existe uma solução específica para acesso Internet. Por outro lado, assinantes de serviço telefônico normalmente gozam de franquia total de ligações locais, e usam e abusam disto para manter seus computadores ligados à rede o tempo que desejarem. Na Grã Bretanha, a solução é outra: ligações locais são tarifadas (e são relativamente caras). Entretanto foi criado naquele país um serviço 0i00 (o prefixo é 0845, na verdade), que cobra tarifa local, independente de origem, para chamadas a provedores Internet. A solução britânica é particularmente interessante, pois há uma partilha da receita do serviço entre a companhia telefônica e o provedor Internet. Desta forma, o usuário não paga explicitamente o serviço do provedor. Um sistema semelhante está disponível na Alemanha, embora sem um código único de acesso.

Embora não regulamentadas pela Anatel, várias soluções alternativas já vêm sendo utilizadas no país. A iG celebrou um entendimento com a Telemar, pelo qual a Telemar fornece acesso aos usuários da iG, e a iG fica com uma parte da receita da telefônica. Acordo parecido existe entre a iBEST e a Brasil Telecom. Estas soluções são semelhantes ao esquema britânico. No caso da Telemar e iG, o número telefônico usado é 15002000. Ainda não consegui me informar sobre a tarifação de ligações para números deste tipo, mas, a primeira vista, parece que os usuários pagam impulsos como ligações locais, mas sem a tradicional franquia de impulsos à noite e nos fins de semana.

Uma alternativa interessante na linha do "IP Direto" da Anatel, que havia aparecido recentemente, é o provedor carioca RedeLivre (www.redelivre.com.br). Este provedor anuncia acesso discado por preço fixo de R$38 mensais, disponível inicialmente nos estados de BA, MG, RJ e SP. Já tive ocasião de usá-lo recentemente, mas em maio ela se desentendeu com seu provedor de telecomunicações, que era a Embratel, e teve seus acessos suspensos sem aviso prévio (v. www.jb.com.br/jb/papel/cadernos/internet/2002/05/29/jorinf20020529009.html). Esta semana reapareceu anunciando uma nova parceria com a Intelig. Segundo sua propaganda, as chamadas telefônicas não são tarifadas, como se fossem 0800, apesar do prefixo ser diferente disto (078 para Embratel, e 0232 para Intelig). Evidentemente, há partilha da receita neste caso entre provedor e companhia de telecomunicações.

Em outras palavras, o mercado não está esperando pela decisão da Anatel para encontrar soluções para estas questões, embora seja desejável existir um padrão para que outros provedores possam também competir em pé de igualdade com os estabelecidos. É pena que seja tão demorado este processo de organização do acesso discado conduzido pela Anatel, que se iniciou em 1998. É bom lembrar que outros métodos de acesso e utilização da Internet, de tecnologia mais recente, também dependem de decisões tomadas pela Anatel, e não parece haver muita pressa em lidar com as questões relacionadas a elas. Por exemplo, vai fazer um aninho no mês que vem que foi enviada para a Anatel pelo Comitê Gestor Internet uma consulta sobre a aprovação para uso para comunicação de dados (Internet) no país, sem a necessidade de licenciamento específico, por rádio operando em uma parte da faixa de 5 GHz, já em uso em diversos outros países do mundo sob os nomes HiperLan e U-NII. Até esta data ainda não foi recebida nenhuma resposta.