Michael Stanton

WirelessBrasil

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23/03/2003
Mais novidades do mundo do rádio

Na coluna de 30 de dezembro de 2002 foi historiada a evolução da regulamentação do uso do espectro do rádio, e foram mencionadas algumas tecnologias usadas recentemente para transmissão digital, notadamente o espectro espalhado (spread spectrum ou SS) e faixa muito larga (ultra wideband ou UWB). Ambas estas tecnologias permitem a coexistência na mesma faixa do espectro de transmissões independentes, sem prejuízo à sua eficácia. Isto se deve à utilização de tecnologia digital para a transmissão e para o processamento dos sinais recebidos, onde é possível separar o sinal específico que interessa ao receptor da cacofonia dos sinais de terceiros. A viabilidade de realizar esta separação aumenta substancialmente a efetiva capacidade da comunicação por rádio, além de colocar em questão a base atual para administração do espectro, praticada no Brasil pela Anatel, onde o transmissor precisa ser licenciado para transmitir numa determinada freqüência num determinado local, para evitar interferência entre transmissões separadas.

Além do controle digital, a funcionalidade do SS e UWB depende de respeitar limites de potência de sinal. Por sua vez isto limita as distâncias máximas para cada uma destas tecnologias. O SS é usado comumente em dois casos hoje: na telefonia celular (CDMA na banda A no país), e nas redes locais de rádio (WiFi - IEEE 802.11b). Na telefonia celular, o SS permite que todos os telefones na mesma célula se comuniquem com a estação de base mais próxima, utilizando a mesma faixa de freqüências. O controle de potência das transmissões aqui é muito importante, para que os diferentes sinais recebidos na estação base de cada usuário tenham a mesma potência. Esta funcionalidade é provida pelos circuitos eletrônicos nos telefones móveis, que são responsáveis por medir a potência do sinal que chega da estação base e calibrar apropriadamente a potência para transmitir a resposta.

No caso de WiFi, que funciona na faixa ISM (Industrial, Scientific, Medical) de 2,4 GHz, a limitação é de 50 miliwatts de potência da transmissão. Isto permite que as redes locais de computadores de rádio (Wireless Local Area Networks ou WLANs) que utilizam esta tecnologia tenham um raio de não mais de 100 metros, suficientes para muitas situações de interesse. Com isto, dá para atender a um prédio pequeno, ou a uma sala de conferência, e assim em diante. Como a tecnologia WiFi de fato admite múltiplos canais em faixas de freqüências diferentes, é possível estender o alcance da rede usando uma série de "pontos de acesso" em canais diferentes, e desta forma montar uma rede que dê cobertura a um grande prédio inteiro, como um hotel, um prédio de escritórios ou de salas de aula.

O uso por WiFi da banda ISM de 2,4 GHz é uma conseqüência da forma como o espectro é administrado. Para tornar desnecessário inundar os Anatéis do mundo com solicitações de licenças para telefones sem fio, controles de travamento de portas e outras aplicações de baixo alcance, todos com baixa potência de sinal, decidiu-se isentar tais usos do licenciamento nas várias bandas ISM, também chamadas por alguns de "espectro lixo" (junk spectrum). A mera existência deste espectro não licenciado, aliado a avanços em rádio digital, permitiu que a genialidade humana criasse novas formas de comunicação e indústrias novas com mercados já valendo bilhões de dólares. A importância destes mercados foi salientada pelo anúncio semana passada que a Cisco, maior empresa do mundo em equipamentos Internet, havia comprado por US$500 milhões a empresa Linksys, criada há poucos anos e especializada quase exclusivamente em equipamento de WLANs (v. www.internetnews.com/infra/article.php/10796_2119751).

O sucesso da exploração por comunicação digital da faixa ISM de 2,4 GHz fez com que a Federal Communications Commission (a Anatel do EUA) em 1998 dispensasse de licenciamento o uso de duas novas bandas de espectro, somando juntos 300 MHz, na faixa de 5 GHz para prover acesso à Internet. Estas bandas são conhecidas como U-NII (Unlicensed - National Information Infrastructure). Este novo espectro, que inclui outra banda ISM existente (de 5,725 a 5,825 GHz) com aumento de potência, se destina a WLANs de faixa larga, além de enlaces de acesso (ponto-a-ponto ou ponto-multiponto) também de faixa larga. Já existem diversos produtos no mercado norte-americano, criados em função da disponibilidade desta nova faixa de freqüências, que não dependem de contato com a burocracia de licenciamento para seu aproveitamento.

Desde 2002 há produtos (por exemplo da própria Linksys) para redes locais IEEE 802.11a, com taxas de transmissão até 54 Mbps. Em 2001, já havia produtos para montar enlaces ponto a ponto de acesso de 5 km ou mais da Proxim e da Western Multiplex, usando taxas de 100 Mbps para cima. Recentemente a Motorola, gigante tradicional da área de radiocomunicação, entrou neste mercado U-NII com uma linha de produtos de acesso chamada Canopy (v. motorola.canopywireless.com). A linha Canopy inclui rádios ponto-multiponto para montar estações de base, dando acesso a clientes até 2 km de distância com taxas de transmissão a 6 ou 7 Mbps. Estas estações podem ser interligadas por enlaces ponto-a-ponto providos por outros produtos da família. Na sua propaganda anuncia que, com estes produtos, um provedor Internet sem fio poderia montar seu negócio com investimento a partir de US$20.000, sem se preocupar com aquisição de licenças. Na opinião do colunista influente, Dan Gillmor, esta novidade poderá viabilizar uma alternativa competitiva às atuais tecnologias de banda larga, que conhecemos no Brasil: a ADSL (p. ex. Speedy, Velox) dos provedores tradicionais de telefonia, e a TV a cabo (p. ex. @Jato, Vírtua), e poderia amenizar o efetivo monopólio ou duopólio de provimento destes serviços em muitas cidades. Adicionalmente, em áreas rurais, simplesmente não vêm sendo oferecidos hoje serviços de banda larga cabeados, de forma que esta alternativa de rádio barato poderá se tornar a primeira oportunidade de prover acesso banda larga. A coluna de Gillmor se encontra em www.siliconvalley.com/mld/siliconvalley/5352348.htm.

A faixa U-NII se mostra adequada para WLANs e redes de acesso fixo. Há uma outra escala, menor, onde já há bastante uso de rádio. Esta é a WPAN (Wireless Personal Area Network - rede pessoal sem fio), onde estamos falando de redes de menos de 10 metros em diâmetro. O termo se refere à comunicação entre um grupo de equipamentos com o mesmo usuário, e já é usado, por exemplo, para interligar um computador portátil e um telefone celular. No fundo, a função da WLAN é eliminar o emaranhado de cabos tradicionalmente usados para fazer as conexões entre equipamentos que precisam ser usados juntos. A tecnologia de rádio que vem sendo proposta para esta área de aplicação é o Bluetooth (v. www.bluetooth.com e www.bluetooth.org). Bluetooth também é implementado na banda ISM da faixa de 2,4 GHz, de forma incompatível com o WiFi. Isto já limita sua utilidade em certas circunstâncias. A outra limitação é a taxa de transmissão disponível, até uns 700 kbps, considerada insuficiente para aplicações multimídia de alta desempenho, por exemplo, a transmissão de vídeo de um servidor ou um set-top box para uma TV digital de alta definição, considerada uma aplicação essencial em ambientes domésticos no futuro próximo.

Recentemente vem sendo construído um consenso internacional na indústria sobre uma nova tecnologia de comunicação para WPANs. Esta será a UWB (Ultra Wideband), outra tecnologia de comunicação viabilizada por controle digital. Neste caso, a comunicação ocorre através da transmissão cronometrada de pulsos de rádio de faixa muito larga (centenas de MHz ou até alguns GHz) com potências extremamente baixas. A potência é mantida baixa para não causar interferência sensível com outras transmissões de faixa estreita nas freqüências usadas pela transmissão UWB. Na verdade, é tão baixa que a transmissão UWB parece como ruído às outras transmissões e é descartada no processamento destes sinais. A taxa de transmissão esperada com UWB é 100 Mbps, amplamente suficiente para as aplicações multimídia almejadas. Comparada com o Bluetooth, a transmissão UWB também consome apenas 20% da energia do concorrente, o que o torne mais amiga para equipamentos portáteis. A Federal Communications Commission (FCC) autorizou em 2002 o início de utilização experimental de UWB nos EUA, e espera-se que ela venha a confirmar esta autorização na revisão geral da administração do espectro que foi comentado na coluna de 30 de dezembro de 2002. Em breve deverá aparecer nos EUA (e em outros países alinhados tecnologicamente com este, como o Japão) uma pletora de produtos utilizando UWB no contexto WPAN.

Como isto afeta o Brasil? Neste país, a administração do espectro é hoje responsabilidade da Anatel (www.anatel.gov.br). Na nossa opinião, esta agência não está demonstrando a devida preocupação com as conseqüências do impacto de novas tecnologias de rádio possibilitadas por controle digital, e especialmente com as oportunidades de desenvolvimento industrial e econômico nacional associado ao aparecimento de novas linhas de produtos associados à comunicação UWB e na faixa de 5 GHz (U-NII). O ideal seria começar a industrializar estes produtos no Brasil. Para que eles possam ser utilizados e/ou fabricados no país, serão necessárias uma redefinição do uso atual do espectro, no caso da adoção da faixa de 5 GHz para comunicação de dados, e uma mudança filosófica da sua administração, para permitir a utilização de transmissão UWB. Na sua reunião de julho de 2001, o Comitê Gestor Internet discutiu uma proposta de dispensar de licença o uso de parte da faixa de 5 GHz, conforme o modelo U-NII, e o assunto foi encaminhado para consideração pela Anatel (v. www.cg.org.br/acoes/2001/rea-2001-07.htm). Passados 20 meses, não houve ainda nenhuma manifestação da agência sobre este assunto. Enquanto não se toma uma posição a respeito, certamente vem sendo adotado a revelia da agência o uso da tecnologia WLAN de IEEE 802.11a (de alcance pequeno, de ordem de 50 metros), e poderão vir a ser usados da mesma forma equipamentos U-NII. Creio ser preferível uma discussão clara e aberta do assunto do que simplesmente ignorá-lo. No caso de UWB, como as transmissões serão de curto alcance (menos de 10 metros), vai ser muito difícil até detectar sua utilização, mesmo se ela for irregular. A FCC vem mostrando o caminho do que é necessário fazer. Nossa agência correspondente precisa seguir seu exemplo.