Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2004       Página Inicial (Índice)    


05/10/2004
A Rede CLARA e colaboração científica internacional

Na coluna de 30 de dezembro de 2003, foram apresentadas as novas redes de comunicação que seriam postas ao serviço da comunidade nacional de pesquisa em 2004. Já em maio, foi inaugurada formalmente a Rede Experimental do Projeto GIGA, uma rede para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e aplicações de redes de alto desempenho (v. coluna de 9 de maio). Agora no último dia de agosto começou a operar a Rede CLARA, que já permite comunicação direta entre Brasil e Chile, e integra estes dois países às redes avançadas de todo o mundo, através de uma conexão para a Europa, e se estenderá a 13 ou 14 países da América Latina até o início de 2005.

CLARA, a Cooperação Latino Americana de Redes Avançadas, foi criada em 2003 como esforço conjunto de 14 países da região: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Juntos estes países estão montando, com generoso apoio financeiro da União Européia através do Projeto ALICE, a primeira rede de comunicação dedicada à educação e pesquisa que integre todos estes países (v. www.dante.net/alice). Antes da Rede CLARA, somente a metade destes países mantinham redes dedicadas à educação e pesquisa, e o tráfego entre dois países da região passava sempre pelos EUA. A Rede CLARA modifica esta situação e cria no mundo das redes de comunicação enlaces fortes entre os países da região, tais como já existem na cultura e na política.

Esta nova postura comunitária dos latino-americanos, de se enxergar como uma comunidade também no contexto da comunicação por redes avançadas, é importante para o reconhecimento da região, tanto por seus próprios habitantes e instituições, como pelos habitantes e instituições de outras regiões na comunidade mundial. É evidente que na América Latina ainda não existe a mesma pujança nesta área de redes avançadas como nos EUA, no Canadá, nos países européias, na Austrália e nos países da Ásia oriental, onde já existem há mais tempo fortes enlaces intra-regionais e organizações regionais correspondentes, tais como a TERENA - Trans-European Research and Education Networking Association, na Europa (v. www.terena.nl), e APAN - Asia-Pacific Advanced Network, na região de Ásia e Australásia (v. . www.apan.net). Entretanto, a criação da Rede CLARA é uma marca importante para demonstrar que a América Latina possui a capacidade para fazer sua contribuição para esta comunidade mundial, não apenas através dos educadores e cientistas que aqui trabalham, como pela demonstração de competência para montar as organizações e a infra-estrutura para realizar a necessária integração a nível regional.

A nova Rede CLARA já permite se comunicar entre América Latina e Europa através de uma conexão de São Paulo a Madri, por onde passará todo o tráfego entre estas duas regiões. Por enquanto, também passará por esta mesma conexão tráfego para América do Norte e a região Ásia-Pacífico. Em 2005, deverá mudar esta situação, em virtude de uma iniciativa da NSF - National Science Foundation, agência de fomento de pesquisa dos EUA. Em março deste ano, a NSF lançou um novo programa, chamado IRNC - International Research Network Connections (Conexões Internacionais para Pesquisa), que financiaria novas conexões entre as redes avançadas dos EUA e redes semelhantes em outras regiões do mundo. Este programa deverá apoiar cinco projetos de conexão durante os próximos cinco anos: para Europa, Japão, Austrália, Rússia e América Latina. A própria inclusão da América Latina nesta relação é testemunha eloqüente do impacto internacional da criação da CLARA e da implantação da sua rede, pois o projeto proposto que deverá ser aprovado é de conexão dos EUA a pontos específicos da Rede CLARA, no México, Chile e Brasil.

A conexão no México deverá ser a Tijuana, onde a Rede CLARA fará (a partir deste mês) conexão com a rede mexicana, CUDI (http://www.cudi.edu.mx), e que fica a pouco mais de 20 km da cidade norte-americana de San Diego, Califórnia. Neste local, a conexão entre a Rede CLARA e a rede CENIC da Califórnia será feita por meio de fibra apagada, a ser iluminada pelos próprios equipamentos das duas redes envolvidas. A outra grande conexão seria da costa leste dos EUA, provavelmente Miami, para São Paulo, de onde já sai a conexão entre a Rede CLARA e a rede européia, GÉANT. O projeto ainda prevê aumentar a capacidade das conexões entre São Paulo e Santiago do Chile, e entre Santiago e Tijuana. As duas conexões, de Tijuana e de São Paulo, permitirão aproximar as redes dos países de CLARA aos EUA, e, por extensão, também para os países da região Ásia-Pacífico, acessíveis através da costa oeste dos EUA.

Para que serve isto tudo? Há diversas respostas possíveis. Em um nível, a existência destas redes realmente permite integrar mais fortemente os educadores e pesquisadores separados por longas distâncias, através da utilização de modernas ferramentas de comunicação, tais como videoconferência, que permitem realizar reuniões virtuais a baixo custo. Estes recursos tendem a facilitar a efetiva colaboração remota, pois permitem preparar muito melhor os eventuais encontros presenciais em conferências internacionais. Adicionalmente as videoconferências permitem desenvolver educação a distância, com acesso em locais remotos aos professores. Em várias áreas do saber, estes recursos têm ainda outras aplicações, tais como na medicina, onde podem ser adaptados para permitir consultas ou até cirurgias, com a participação de especialistas remotos.

Num segundo nível, a comunicação permite a colaboração para o aprimoramento de novos recursos de comunicação usando estas redes. A própria existência de uma rede avançada, baseada na tecnologia aberta da Internet, incentiva a ampla colaboração para criar e desenvolver novos usos para estas redes, e a efervescência das reuniões internacionais da área de redes demonstra como está sendo aproveitada esta oportunidade. Acabo de voltar de um das duas reuniões por ano da comunidade Internet2 dos EUA (www.internet2.edu), onde durante 3 dias foram apresentados e discutidos em múltiplas sessões paralelas novos inventos e aplicações de redes avançadas, incluindo a transmissão fiel de concertos de música erudita, e de aulas sobre oceanografia dadas do fundo do mar.

O outro grande uso feito das redes avançadas é como esteio para "ciência eletrônica" (e-science, em inglês). Aqui combinamos grandes recursos de computação com as novas capacidades das redes internacionais, para permitir real colaboração a grandes distâncias entre os usuários de instrumentos científicos raros, tais como os telescópios montados nos Andes do Chile (v. coluna de (13 de fevereiro), ou os aceleradores de partículas elementares localizados no laboratório internacional CERN, em Genebra, que acaba de celebrar seus 50 anos de funcionamento. No caso do Brasil, temos cientistas que participam em uma ou outra destas colaborações, utilizando as redes avançadas, como da CLARA, e os recursos computacionais dos seus próprios laboratórios, como na USP-UNESP ou na UERJ do Rio de Janeiro, onde há grupos de pesquisa na física de altas energias colaborando com o CERN.

A Rede CLARA será inaugurada oficialmente no dia 22 de novembro numa reunião internacional realizada no Rio de Janeiro, com a presença de ministros de C&T de países latino-americanos e europeus.