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AS INCONSTITUCIONALIDADES DO FUNTTEL   (01)

AUTOR: FERNANDO NETTO BOTELHO  (*)


AS INCONSTITUCIONALIDADES DO FUNTTEL

Está inaugurada a vigência formal da Lei 10.052, de 28 de novembro de 2.000.

Publicada - no D.O.U. de 29.11.2000 - nela arbitrada "vacatio legis" de 120 dias para o início da vigência em todo o território nacional (art. 9o), a lei nova tornou-se formalmente aplicável à partir do último dia 29.03.2000.

A despeito da postergação de seu termo inicial de vigência, o seu regulamento executivo - previsto para ocorrer em cumprimento de seus mandamentos básicos (art. 8o) - teve antecipada edição, eis que o Executivo Federal, já em 31.01.2001, isto é, quando ainda em curso o prazo de "vacatio" da nova lei, fez publicar, no mesmo DOU, o Decreto 3.737, de 30 de janeiro de 2001, que, dando cumprimento ao art. 8o da lei, incumbe-se de detalhar "modus operandi" a tornar aplicáveis os novos dispositivos legais.

O decreto assumiu também "vacatio", postergada sua vigência para 28.03.2001 (art. 24 do Decreto 3.737/01).
Portanto, em 29.03.01, tornaram-se vigorantes e formalmente exeqüíveis tanto as disposições da lei nova quanto as de seu regulamento executivo.

O início de vigência formal da lei, que potencializa a eficácia de seus novos comandos, determina a análise criteriosa de seus postulados eis que, introduzidos agora no cenário jurídico nacional, assumem poder de comandar ou restringir condutas e posturas que venham a adotar o perfil que ela descreve.

Sobretudo quando se lance a lei nova à disciplina - ou à re-normatização - de "thema" inserido em competência pré-fixa de Ente Público interno da Federação, o primeiro exame imposto ao intérprete não diz propriamente com a análise episódica dos novos institutos e comandos formalmente criados pela novel prescrição.

O primeiro passo, obra da imposição do Maior Texto do ordenamento jurídico nacional (art. 59 da CF), deverá ser a aferição de higidez do próprio critério legislativo e a pontual observância, nele, da hierarquia delegacional de poderes normativos, que tenha permitido e assegurado, ao legislador infra-constitucional, impor a nova disciplina.
Noutras palavras, o exame de constitucionalidade essencial - ou material - da própria lei nova torna-se inerente e prioritário a toda e qualquer cogitação aplicativa que quanto a ela se implemente.
Desse exame se poderá (ou não) obter a convalidação essencial da norma cuja vigência formal se positiva com a publicação.

É o exame de fundo - e não apenas de forma - que pavimentará o meio para que prossiga o complemento cognitivo sobre a higidez dos novos disciplinamentos.

Estabelecida a vigência da lei, e aferida a sua legitimidade essencial - segundo a regência que a Constituição preveja e comande, como princípio hierarquicamente superior - apto estará o regramento infra-constitucional para a geração de efeitos (formais e materiais) que o seu conteúdo adote.

Obstada a convalidação essencial, por divergência temática ou inobservância de postulado da Constituição, o texto novo infra-constitucional perde em eficácia material.

A inconstitucionalidade, portanto - ainda que formalmente não localizada (em virtude de regularidade do processo legislativo) - pode decorrer de colidência essencial das disciplinas (do Texto da Carta com o texto da lei).
A questão, que aqui tanto importa e que constitui tema central da presente abordagem, é a de que, ao nível do controle abstrato ou concreto, a aferição de constitucionalidade (formal e essencial) da lei nova antecede, sempre e compulsoriamente, o do exame da juridicidade episódica de seu disciplinamento.

No caso específico da Lei 10.052/00, não se pode, "a priori", imputar-lhe inconstitucionalidade formal - eis que admitida, na atualidade, utilização do instrumento normativo de seu porte (lei ordinária) para disciplinamento, inclusive tributário, destinado à instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico, vez que o Supremo Tribunal Federal, em aresto sobre tais contribuições (intervencionistas), já considerou inaplicável a regra do art. 154, I, da Constituição Federal às exações definidas no art. 149/CF (RE 182120/RJ, j. em 24.04.98, unânime, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO).

Desse modo, tanto para a restante temática da lei nova (Lei 10.052/00) quanto, especificamente, para a instituição, por ela, de contribuição tributário-intervencionista, admite-se a edição de mera lei ordinária, dispensada utilização de lei complementar (art. 69/CF).
Formalmente constitucional, resta aferir-lhe - à lei 10.052/00 - a higidez essencial, frente aos disciplinamentos restantes da CF.

Chega-se, então, ao ponto central do presente questionamento.
A citada Lei nova de aqui se cogita - 10.052/00 - tem, como universo normativo, o seguinte objetivo: "Institui o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - Funttel".
Pode-se, então, nominá-la, simplificadamente, "Lei do Funttel".
Qual terá sido a "ratio" essencial - ou o móvel - determinante da edição desta "Lei do Funttel"?

A razão lógico-essencial está consagrada, textualmente, no "caput" do seu primeiro artigo.
Diz o art. 1o, da Lei 10.052/2000, que, por ele, acha-se "...instituído o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - Funttel, com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei no 9472, de 16 de julho de 1.997".

Portanto, a lei nova:
a) fornece, de modo expresso, específico objetivo, ou a sua temática finalística: "...estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capita...";

b) delimita a natureza ou o gênero desta temática, dizendo-a inerente e direcionada ao incremento da "... competitividade da indústria brasileira de telecomunicações...";

c) fundamenta a origem jurídica de sua propugnação, fixando-a, "in verbis", "...nos termos do art. 77 da Lei 9.472, de 16 de julho de 1997...".

Delimitado, assim, e por ela própria, já na "abertura" de seu conjunto normativo, tanto o objetivo material visado pelo legislador federal ordinário quanto a natureza da atividade social e sua correspondente origem jurídico-legal, aspectos selecionados para sujeição à nova disciplina, impõe-se conferi-los, a todos os elementos da lei - estrutura, fins, meios e fundamentos - com os postulados que a ela são superiores, e dela se tornam vetores, especialmente os da Constituição Federal.

Pois esta lei nova, para isso, fixa-se, antes de qualquer outra cogitação, em dada meta ampliativa, qual a da competitividade "da indústria brasileira DE TELECOMUNICAÇÕES" e, de modo associativo, no amparo que lhe estaria a assegurar o "art. 77 da Lei 9.472/97".

Por essa linha de raciocínio - que é, antes, a adotada pelo próprio legislador ordinário - estão destacados, para sujeição à novel disciplina, um aspecto da atividade nacional de telecomunicações e um específico disciplinamento pré-existente, inserido na anterior Lei 9472/97.

A Lei 9472/72, não apenas por sua ampla e nominal abrangência - eis que textualmente editada para "...organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n. 8, de 1995" - mas por seu genérico espectro normativo, constitui lei geral, aliás, a "Lei Geral de Telecomunicações", que o meio, inclusive, convencionou conhecer e referenciar como "LGT".

Pois, sendo a LGT norma geral, ou a "Lei das Telecomunicações", não poderia e nem poderá ter mudados, disciplinados, revogados, por lei especial, quaisquer de seus regramentos.

Tal, o comando explícito do art. 2o, § 2o, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei 4657/42).
Desse modo, a nova Lei 10.052/2000, lançando-se, textualmente, a disciplinamento de não mais do que específico tema já anteriormente inserido na Lei Geral de Telecomunicações (especialmente em seu art. 77), constitui clara norma especial, cujo regramento deverá, antes, se compatibilizar com os da própria norma geral, à qual devotará obediência hierárquica, sem poder revocatório próprio.
Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
" É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei da mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu conceito." (STJ-RT 720/289).

Diz-se isso, aqui, para acentuar-se, com mínima lógica normativa, que toda a disciplina da lei especial nova - que se tornou optativamente remissiva da temática e do fundamento da lei geral a ela anterior - somente poderá ver-se aferida, em sua validade e alcance essenciais, mediante uso dos regramentos pré-definidos, a esse mesmo respeito, na LGT e, por esses, na Constituição Federal.

Falamos, inclusive, em Constituição, como fonte normativa primeva de todo o tema da lei nova, porque, ao lançar-se à disciplina "de telecomunicações" e faze-lo de modo remissivo à própria Lei Geral de Telecomunicações, está a nova lei, como conseqüência inarredável, habilitando-se à - ou, dispondo-se à habilitação para - regulamentação dos serviços (de telecomunicações), eis que a "atividade de telecomunicações" constitui, para a lei brasileira, conjunto operacional-material que essencializa o conceito de certa modalidade de serviços (art. 60, da Lei 9472/97).

Esses serviços - consubstanciados naquele conjunto da atividade material (de telecomunicações) - integram, por sua vez, expressão da competência formal da União, Ente da Federação.

A integração formal advém de comando da própria Constituição Federal, que, em seu art. 21, inciso XI, instituiu a intangível competência.

Aliando-se, por último, a esse aspecto formal, o fato de que a atividade, em si, de telecomunicações constitui, em sua ampla abrangência de possibilidades, meio atendimento do universo dos interesses comunitários-nacionais, tem-se que, por "telecomunicações", tanto em seu sentido material quanto formal, se entende, à luz do direito brasileiro, uma "specie" de serviço público, ou, precisamente, de utilidade pública, cuja exploração acha-se sob competência, constitucionalmente definida, da União Federal.

Acentua-se isso para afiançar-se que, sem qualquer dúvida, o exame de validez essencial da nova lei - a Lei 10.052/2000 - somente poderá ser feito, com adequação, através da direta conferência que se faça de seus regramentos em face da Constituição Federal e da LGT, dos quais emanados vetores de definição, extensão, restrições, organização, tributação, dos serviços públicos de telecomunicações.

Estamos, no entanto, - e após aprofundado o exame que, sobre certo fundo de telecomunicações (o Fust), havíamos consolidado em recente trabalho doutrinário ("As Telecomunicações e o Fust", ed. Del Rey, 2001) - a deduzir, em relação à citada lei nova, sucessivos e distintos aspectos de inconstitucionalidade, que lhe impedem a aplicabilidade essencial.

São os seguintes os aspectos de inconstitucionalidade:
1 - A inconstitucionalidade estrutural - deduzida quanto ao "modus" de estruturação, na lei, do FUNTTEL;
2 - A inconstitucionalidade arrecadatório-tributária - deduzida quanto ao critério de instituição de contribuição intervencionista, imposta às prestadoras de Telecomunicações para o FUNTTEL
3 - A inconstitucionalidade aplicativo-finalística - deduzida quanto à forma e proporções definidas para o destino dos recursos do FUNTTEL.

Estas específicas restrições de constitucionalidade, na medida em que reconhecidas, privarão a norma, correspondentemente, de integral, ou parcial, aplicabilidade.
Passemos ao exame de cada um dos citados aspectos.


FERNANDO NETO BOTELHO (fernandobotelho@terra.com.br):
- é Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do Tribunal de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível;
- foi Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas Gerais em Belo Horizonte;
- possui MBA - Master Business of Administration em Gestão de Telecomunicações, pela FGV/Ohio University-USA (2001/2002);
- foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL (mandato 2002/2003);
- é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001);
- é Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações;
- foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG;
- é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de telecomunicações;
- é Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e Coordenador da Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG;
- é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. Thomson IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" (ed. Quartier Latin-ABETEL, 2.006).
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