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Leia na Fonte: Teletime
[02/10/09]  Punição renovada - por Mariana Mazza

O setor de telecomunicações está prestes a passar por uma revolução no sistema de sanções.

No último mês, a Anatel entrou na reta final para a construção de um novo Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas, o que pode alterar toda a sistemática de punição da agência reguladora. O trabalho de reformulação vem sendo conduzido desde o início da gestão do atual presidente da agência, embaixador Ronaldo Sardenberg, sob a tutela da superintendenteexecutiva, Simone Scholze. Depois de muitos debates com os técnicos e a análise das contribuições feitas na última consulta pública sobre a reforma, realizada em 2007, enfim a área técnica chegou a um veredito sobre o novo regulamento.

O último passo para a construção de uma nova sistemática de punição das empresas foi dado no dia 17 de junho, com a conclusão de um amplo parecer jurídico sobre as alterações sugeridas pela área técnica. Longe de apenas avaliar o que foi proposto pelos técnicos, a equipe da Procuradoria Especializada da Anatel fez uma série de sugestões sobre o método mais adequado para a aplicação das sanções. Mas a proposta da área jurídica, compilada em 104 páginas, pode gerar uma reviravolta na tramitação do novo regulamento.

Tudo porque algumas sugestões são inovadoras frente ao texto proposto pelos técnicos, mesmo com dois anos de debates internos realizados pela agência.

Assim, caso a proposta da Procuradoria seja aceita pelo Conselho Diretor da Anatel, ou mesmo parte dela, é bastante provável que seja feita uma nova consulta pública sobre o texto.

Apesar do provável alongamento da tramitação da proposta de regulamento, o quadro geral das sugestões, sejam elas técnicas ou jurídicas, mostra que o trabalho atingiu um alto nível de maturidade, o que pode compensar o “eventual atraso” com a consulta no momento da composição final do texto.

Exemplo externo

O grande catalisador do processo de mudança do sistema de sanções foram, sem dúvida, as provocações dos órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU). Desde 2005, o TCU cobra da Anatel medidas mais claras para a punição das empresas, aumentando a eficiência do modelo sancionatório.

Em relatório produzido nesta época, o tribunal já alertava para a baixa efetividade das penas aplicadas pela Anatel, considerando, em termos gerais, as multas “insignificantes”.

Para orientar-se no projeto de reforma, a Anatel não se baseou apenas nas análises do TCU e nas contribuições das empresas coletadas por meio de consulta pública. Três órgãos da administração indireta foram fontes de inspiração para a agência reguladora de telecomunicações.

A procuradoria buscou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a experiência necessária para alterar o regulamento da Anatel para a aplicação de sanções.

“Uma coisa importante de se ressaltar é que essas três autarquias têm grande experiência na questão e todas elas já estão na segunda versão de seus regulamentos de sanções”, conta a procuradorageral da Procuradoria Especializada da Anatel, Ana Luiza Valadares. A última reforma feita pela ANS gerou um arquivamento de aproximadamente 20 mil processos sancionatórios, número este que pode dar uma dimensão tanto do fluxo de investigações na área de saúde quanto da profusão de processos abertos que, muitas vezes, não geram nenhuma eficiência na atuação da autarquia.

Caso a reforma na Anatel venha a cabo, é provável que um movimento de arquivamento semelhante venha a ocorrer nas telecomunicações.

Inovações

Alguns pontos são estratégicos no processo de mudança do sistema de sanções.

E muitas inovações podem vir por ai. A ideia central mais clara da proposta, compartilhada entre as equipes técnica e jurídica, é assegurar uma melhor efetividade das penas aplicadas e modernizar o sistema punitivo do setor. Uma das novidades que deverá passar a existir oficialmente na regulamentação é a figura dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Apesar de não estarem previstos hoje no arcabouço regulatório da Anatel, a agência lançou mão algumas vezes dessa punição “alternativa” e, agora, quer consolidála na regulamentação. A área jurídica apoia a ideia, mas sugere que seja produzido um regulamento específico sobre este instrumento de controle nas telecomunicações. A substituição de penas também está na berlinda. A sugestão técnica de “trocar” multas por outras punições, como investimentos controlados, ainda é bastante polêmica e não tem apoio jurídico.

Mas mesmo quando não há consenso, as propostas deixam clara a intenção da agência de sofisticar o método de sanções, estimulando que as empresas de fato cumpram as punições. Esse aspecto talvez seja o mais sensível de todo o processo de alteração regulatória.

“A Anatel não tem hoje uma estatística de eficiência das multas aplicadas”, revela o procurador federal Victor Teixeira, gerente de Procedimentos Regulatórios e responsável pela coordenação do grupo que elaborou a proposta da procuradoria da agência.

Para Teixeira, é fundamental que a mudança no regulamento venha seguida de um maior cuidado na avaliação da efetividade das penas. Foi com esse alvo que a equipe da procuradoria sugeriu, por exemplo, a criação de um sistema mais detalhista sobre como dosar as multas e estimulou a adoção de ferramentas mais amplas de estímulo ao cumprimento das penas. Mas uma coisa é certa para os procuradores.

“O novo regulamento melhora a aplicação das sanções, mas não a celeridade dos Pados”, alerta Victor Teixeira.

Processo mais amplo

Para que os Pados tenham uma tramitação mais rápida, outras mudanças estão sendo promovidas dentro da agência.

A mais forte é a alteração do Regulamento de Fiscalização, proposta esta que já está sob análise do Conselho Diretor da Anatel. Em princípio, a agência decidiu que as duas propostas não precisam tramitar em conjunto e é bastante provável que a mudança na fiscalização ocorra primeiro do que a de aplicação de sanções. Os dois processos, no entanto, estão intimamente ligados.

Para a procuradora-geral Ana Luiza Valadares, as duas atualizações deveriam estar sendo feitas de forma associada para que as mudanças tenham impacto real no aumento da eficiência da Anatel.

Com a crescente cobrança da sociedade para que a Anatel seja mais forte no controle das operações de telecomunicações no país, as alterações que estão para acontecer são mais que bem vindas e podem inaugurar um novo ciclo virtuoso na regulação do setor.

O que pode mudar?

A mudança estrutural na aplicação das sanções deve atingir praticamente toda a sistemática utilizada hoje pela Anatel para punir as empresas. Confira abaixo algumas ideias das equipes técnica e da procuradoria sobre o que deve mudar com o novo regulamento:

1) Pedidos de reconsideração - O recurso contra a decisão do Conselho Diretor nos Pados pode ser extinto, para dar mais celeridade na análise dos processos.

2) Poder às gerências - Uma das propostas é a delegação para gerentes gerais e escritórios regionais das decisões sobre Pados com multas inferiores a R$ 5 mil.

Procuradoria sugere suprimir as gerências como instâncias deliberativas.

3) TACs - A possibilidade de fixação de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) é uma das novidades da reforma e pode acabar ganhando um regulamento específico.

4) Substituição de sanções - O estabelecimento de “penas alternativas” é uma das propostas técnicas, mas não tem apoio jurídico.

5) Caducidade - Com base na Lei Geral de Telecomunicações, a pena máxima contra as operadoras pode ganhar escopo mais amplo no novo regulamento, podendo ser usada como punição a qualquer infração considerada “grave”.

6) Multa mínima - Como não há uma determinação legal sobre o assunto, o “piso” das multas pode deixar de existir.

7) Retroatividade - Uma das sugestões técnicas é que a parte “benéfica” do novo regulamento retroaja aos Pados ainda em tramitação. Análise jurídica é contrária à ideia.

8) Reincidência específica - Nova proposta poderá tratar como reincidência infrações da mesma natureza, mesmo que não sejam completamente iguais (como problemas no reparo de telefones a clientes residenciais e não residenciais).

9) Grupo econômico - A figura do “grupo econômico” deve ser consolidada também para a aplicação de sanções, o que poderá afetar o impacto das multas.

10) Óbice à fiscalização - O óbice à fiscalização e a sua dificultação podem ter tratamento diferenciado na hora de punir as empresas, valorando as penas de acordo com os obstáculos impostos pelas empresas.

11) Efeito suspensivo automático - A área técnica propõe que, caso os recursos não sejam analisados em 15 dias, a pena poderá ser suspensa automaticamente até a deliberação. A equipe jurídica discorda.

12) Escala das multas - Inicialmente, a Anatel poderá deixar de trabalhar com as gradações máximas do regulamento vigente (multa leve, até R$ 10 milhões; média até R$ 25 milhões; e grave até R$ 50 milhões). O tema ainda não foi esgotado.

13) Infrações graves - Problemas que coloquem em risco a vida passam a compor as infrações consideradas “graves”. A “reincidência” pode deixar de ser uma qualificadora da multa e ter tratamento apenas de agravante da pena.

14) Má-fé e vantagem - Parte da agência defende que a “má-fé” deixe de qualificar as multas, antes considerada falta “grave”. A vantagem auferida pela empresa com a infração também pode perder o status de “qualificadora” das multas e incidir apenas na dosimetria da pena.

15) Consumidores - A área jurídica propõe que o número de clientes atingidos pelas falhas seja usado somente para pesar as multas que serão aplicadas.

Em seu lugar no rol das infrações graves seria inserida qualquer falha que impeça o usuário de “gozar o serviço de telecomunicações” 16) Infrações médias - O grupo pode passar a ter algumas “qualificadoras”, como a violação a direitos do usuário e posturas anticompetitivas, que já não tenham sido classificadas como “graves”.

17) Infrações leves - Este grupo pode passar a ser apenas residual, quando as falhas não são classificáveis como “graves” ou “médias”, na opinião da procuradoria.

18) Falhas involuntárias e escusáveis - A equipe técnica sugere que esses problemas sejam considerados infrações leves, mas a análise jurídica aponta para a possibilidade de elas não serem punidas com multas.

19) Atenuantes - As circunstâncias atenuantes podem ter peso maior em favor das empresas para estimular o cumprimento das sanções. Hoje esses aspectos podem reduzir a multa em até 10%. A nova proposta prevê queda de até 35%, mas este índice pode aumentar ainda mais.