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[02/08/13]  Crime sem castigo - por Mariana Mazza

Muitos jornais e portais na Internet noticiaram nos últimos dias a decisão da Anatel de rejeitar recursos apresentados pelas empresas de telefonia para escapar de multas por descumprimento de obrigações. Os processos, alguns de 2009 e outros do ano passado, preveem multas milionárias como punição pelas infrações cometidas. Daí o interesse geral no assunto. A cada notícia que temos de que as operadoras estão sendo punidas onde mais dói em todos os empresários (no bolso) cresce a sensação de que alguma justiça está sendo feita e que as companhias serão compelidas a melhorar suas ofertas de serviço. Mas, na prática, nem tudo são flores.

Uma das grandes fragilidades da Anatel desde seu nascimento é a dificuldade em arrecadar essas multas. Ela abre o processo, constata a falha, aplica a multa e as empresas não pagam. É praxe recorrer à Justiça para suspender as punições, especialmente as mais pesadas. E ainda hoje há uma grande taxa de sucesso das empresas em protelar o pagamento da punição.

Os números oficiais mostram de forma contundente essa realidade. No Relatório Anual da Anatel de 2012 a agência declarou ter aberto mais de 4 mil processos contra as diversas empresas que atuam na área de telecomunicações no ano passado. Por outro lado, mais de 13 mil processos foram encerrados no mesmo período, gerando um total de multas de nada menos do que R$ 1,2 bilhão. Acontece que somente 4% desse total, R$ 72,3 milhões, foi de fato arrecadado pela agência em 2012. Ainda de acordo com o relatório, mais da metade das punições aplicadas pela agência foi suspensa judicialmente.

Ao observarmos todo o período em que a Anatel puniu as empresas, a realidade fica ainda mais crítica. Entre 2000 e 2012, a agência encerrou processos contra as operadoras no valor total de R$ 2,2 bilhões, mas arrecadou apenas R$ 448,7 milhões. Estatisticamente, mais da metade dos processos foi concluído com sucesso (leia-se "a empresa pagou a multa"). O fato de a arrecadação financeira não ter ultrapassado a casa dos 20% do total das punições entre 2000 e 2012 e 7% em 2012 é explicado pela própria Anatel. "Embora, em termos físicos, apenas 1% das multas constituídas estivessem, no final de 2012, suspensas judicialmente, em termos financeiros, elas somavam 66,6% das multas – resultado do fato de que as empresas de grande porte, que tendem a recorrer ao Judiciário, respondem por sanções de alto valor."

O que a Anatel sutilmente avisa os consumidores em seu relatório anual é que quanto maior é a empresa, menor a chance dela pagar as multas. É evidente que uma operadora de grande porte tem mais fôlego para enfrentar a agência reguladora na Justiça. E é fácil entender que o que acaba ditando a decisão de protestar ou não uma multa é o valor da punição. Quanto maior a pena, maior a disposição para não pagá-la. A empresa esperneia, diz que terá problemas financeiros caso seja obrigada a recolher a multa e acaba vencendo, mesmo que temporariamente, a briga com a agência reguladora. Mas quem pensa que a Anatel é apenas uma vítima nessa história se engana.

A história tem mostrado que a Justiça realmente não facilita a vida da agência reguladora. Mas a própria Anatel passou anos de certa forma colaborando com a criação deste cenário. Uma das coisas mais importantes para garantir a efetividade das punições é que a autoridade pública tenha consistência no método de punição. E em vários casos a inconsistência da agência foi usada contra ela nos tribunais. Houve também ações mais diretas para enfraquecer as punições dadas.

O caso mais escandaloso aconteceu em 2009 quando a própria Anatel produziu um documento defendendo o perdão das multas contra as grandes concessionárias de telefonia fixa. Você leu corretamente: a Anatel escreveu um documento contra as multas que ela mesmo emitiu. Conhecido como "Informe das Multas", o documento dizia que, caso as empresas fossem forçadas a pagar as punições, o setor corria o risco de entrar em colapso.. Após o caso ter sido denunciado publicamente, a Anatel anulou o informe. Ainda assim, as empresas usam o documento para sensibilizar o Poder Judiciário de que as multas da Anatel são exageradas.

Agora a agência decidiu investir em uma nova estratégia para fazer com que as empresas melhorem seus serviços.: o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Muito usado no sistema antitruste para desmontar cartéis econômicos, o TAC está prestes a entrar no cotidiano do setor de telecomunicações. A ideia é usá-lo para trocar multas não pagas por compromissos de investimento por parte das empresas.

A estratégia, se adotada, trará um efeito positivo imediato nas estatísticas da própria agência. Ao invés de continuar amargurando uma baixa arrecadação de multas, a Anatel terá nas mão a possibilidade de zerar as punições, tratando-as como cumpridas após a assinatura dos TACs. Particularmente, sou favorável a termos de ajustamento de conduta, mas não em processos de descumprimento de obrigações. No fim, esses acordos serão uma segunda chance para empresas que reiteradamente descumprem os compromissos que firmaram com a agência e com os consumidores. É tão absurdo quanto um motorista ser flagrado com os pneus carecas e, ao invés de ser multado, assinar um termo prometendo que irá comprar pneus novos. É a distorção completa do sistema de punição, criado para assegurar que o serviço seja prestado da melhor maneira possível.

No relatório anual, a agência informa que "o inadimplemento das obrigações com a Anatel pode ter implicações como restrição da certidão negativa de débitos e o impedimento de licenciamento de novas estações". Na tabela das multas de 2012, a agência mostra que um terço das punições estão inscritas na Dívida Ativa da União. É bem provável que as grandes empresas façam parte desse pacote de devedores da União. Ainda assim, todos continuam participando de licitações públicas para a oferta de serviços ao governo e licenciando sem problemas novos equipamentos. Sendo assim, a ameaça de novas punições para os mau pagadores está só no campo teórico. Na prática, as falhas cometidas reiteradamente nas telecomunicações continuam sem castigo.