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Leia na Fonte: Band / Colunas
[20/03/13]
Multa boa é multa paga - por Mariana Mazza
O acesso aos serviços de telecomunicações cresceu muito na última década. E,
conforme o consumo desses serviços foi aumentando, os problemas de atendimento
também se avolumaram. Os consumidores insatisfeitos reclamam que as empresas
precisam ser punidas com mais rigor. Mas, apesar do apelo coletivo para que as
penas fiquem mais duras, também cresce a impressão de que de nada adianta multar
as companhias. A velha máxima de que é preciso doer no bolso para que as
empresas atendam melhor sua clientela já não vale como antes.
Essa sensação de que as multas são inúteis existe há muito tempo dentro do órgão
regulador, a Anatel. Há anos a agência discute uma série de propostas para mudar
a forma de penalizar as companhias telefônicas. Acontece que as vias estudadas
são bastante polêmicas e os métodos debatidos com as empresas têm colocado ainda
mais combustível na relação entre os técnicos da agência e das operadoras.
Uma das grandes jogadas da Anatel é apostar na troca das multas por promessas de
investimento. Para levar a cabo o projeto, a agência iniciou uma consulta
pública para permitir a criação de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Os
TACs são acordos que permitem que as companhias corrijam as falhas localizadas
sem serem penalizadas com as multas. Normalmente as empresas apresentam planos
de investimento que devem ser cumpridos para que os acordos tenham validade.
Mesmo antes de aprovar o regulamento dos TACs a Anatel já vem colocando em
prática esses acordos. O mais recente, embora não tenham ganhado o nome de Termo
de Ajustamento de Conduta, foi selado com as operadoras móveis após a suspensão
das vendas de novas linhas no ano passado. Pelas informações divulgadas até
agora pela agência reguladora, os planos de investimento estão sendo cumpridos,
mas ainda não há um efeito perceptível nos índices técnicos das empresas.
Um aspecto que precisa ser analisado com cuidado nestes casos é que esses
acordos de ajustamento de conduta não precisam, necessariamente, eliminar as
multas. O fato é: se a empresa descumpriu uma obrigação na oferta dos serviços,
ela deve ser punida. E a punição administrativa básica é a multa. Trocar a pena
pecuniária por uma promessa de investimento é dar uma segunda chance para
empresas que sabiam muito bem que estavam descumprindo as regras do setor. Sendo
assim, os TACs devem ser preventivos e não remediadores de falhas comprovadas.
Mas por que o agente regulador abriria mão do poder de multar as companhias?
Simplesmente porque a Anatel não consegue fazer com que as empresas paguem essas
punições. E boa parte da responsabilidade pela baixíssima efetividade das multas
aplicadas é da própria agência. Brechas nos métodos utilizados pela Anatel para
calcular as multas tem permitido que as empresas consigam na Justiça o direito
de não pagar as penas. Isso sem contar nas centenas de processos que acabam
prescrevendo pela demora da agência em finalizar os casos. Na tentativa de
resolver este último problema, o órgão regulador se afundou em uma situação
ainda mais crítica.
Há pouco mais de três anos, o então procurador-geral da União José Antonio Dias
Toffoli realizou um mutirão para avaliar o tamanho do prejuízo à União gerado
pelas prescrições de processos nas autarquias federais. Na época, a Anatel era
uma das campeãs em processos à beira do arquivamento por não terem sido
concluídos no prazo de cinco anos. Para resolver o problema, a agência adotou
uma tática bastante questionável. A escolha foi consolidar em um único documento
processos semelhantes contra uma mesma empresa. Com essa jogada, a autarquia não
só ganhou tempo, mas também teve um ganho de eficiência enorme uma vez que, na
contagem dos processos, a unificação garantiu uma queda sensível no número de
processos em tramitação na agência.
Mas, como tudo tem seu preço, a estratégia se mostrou extremamente ineficaz. Ao
consolidar os processos, o valor das multas acabou ficando muito acima do
considerado razoável na administração pública. Na prática, o método escolhido
deu mais munição para que as empresas se esquivem das multas ao recorrer na
Justiça. A mudança também não garantiu uma maior celeridade na análise dos
processos. Moral da história: a AGU calcula que ainda existam processos no valor
aproximado de R$ 25 bilhões à beira da prescrição dentro da Anatel.
No início deste ano, esse fantasma voltou a assombrar a agência. O resultado
desta vez foi a publicação de uma sequência de multas contra as empresas, todas
milionárias.
O maior alvo foi a Oi, que já acumula mais de R$ 50 milhões em multas apenas nos primeiros meses deste ano. Não há dúvida de que as penas são merecidas, geradas a partir da comprovação de falhas na operação das empresas. Mas o que na superfície parece uma ação dura da agência reguladora, na verdade oculta a falta de um método claro de penalizar as empresas e a lentidão dos processos administrativos nesse setor. No fim, a própria Anatel tem consciência de que, mal aplicada, a multa não tem utilidade alguma. Ignorar os princípios da administração pública, como a razoabilidade das penas, não traz benefícios para ninguém. Ao contrário, cria uma falsa impressão de zelo, ocultando o fato de que as empresas jamais pagarão multas tão pesadas e poderão continuar sem nenhum castigo pelas falhas que cometeram.