Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2000       Página Inicial (Índice)    


07/08/2000
Grampeando a Internet

Na coluna "A privacidade nas comunicações" de 17 de julho foi discutida a questão de interceptação de telefonemas, atribuição dos agentes de lei em muitos países inclusive o Brasil, quando devidamente autorizada por um juiz. Com a importância crescente de comunicação pelas redes, e especialmente pela Internet, era de se esperar que surgisse um interesse na interceptação da correspondência eletrônica.

Tecnicamente, isto poderia ser feito de diversas maneiras. O mais simples seria através dos servidores de correio eletrônico, computadores responsáveis por intermediar o envio e recepção das mensagens. Todos as mensagens que passam por estas servidores são guardadas temporariamente no seu disco. É muito simples ler ou copiá-las nessas horas. A princípio, cada administrador de rede poderia ler a correspondência que chega para qualquer um dos seus usuários, mas geralmente isto não acontece, porque este administrador não teria este interesse, e muito menos o tempo necessário para fazê-lo.

Agora, vamos supor que existe alguém que possua o direito de acesso do administrador e que tenha interesse em ler mensagens enviadas por, ou endereçadas a, uma pessoa específica, ou que contenham palavras de uma lista que possa incluir "droga", "bomba", "assalto", "pedofilia", e assim em diante. Um programa de computador poderia vasculhar todas as mensagens em trânsito pelo servidor, para localizar aquelas de interesse, e fazer cópias apenas destas. Parece ficção? Bem, isto já existe.

No dia 11 de julho, foi noticiado no Wall Street Journal que o provedor Internet Earthlink (http://www.earthlink.net/) havia rechaçado a tentativa do FBI (Federal Bureau of Investigation) de instalar na sua rede um dispositivo com exatamente esta função. O aparelho, chamado Carnivore, supostamente seria usado apenas para o monitoramento em apoio às investigações de crimes. Porém, o seu controle ficaria à carga do FBI, e não seria possível saber se seu uso estava circunscrito desta forma. No mesmo dia, a ACLU (American Civil Liberties Union)(http://www.aclu.org/) enviou carta sobre o Carnivore para a subcomissão constitucional da comissão de justiça da Câmara dos Representantes do Congresso norteamericano. Nesta carta é qualificado o funcionamento do Carnivore como de um grampo sobre toda a correspondência eletrônica de um provedor, e é questionada a constitucionalidade do procedimento da FBI, pois feria a privacidade dos indivíduos não sujeitos a investigação.

Menos de uma semana depois, no dia 17 de julho, John Podesta, chefe da Casa Civil do governo norteamericano, falou sobre o assunto de interceptação de correio eletrônico, declarando que deveria ser criada uma legislação nova, que utilizaria os mesmos critérios já usados para a interceptação telefônica. A interceptação se divide entre escuta telefônica (grampo), e quebra do sigilo telefônico (saber quais ligações foram realizadas do telefone suspeito). Atualmente as exigências legais para interceptação telefônica são mais severas do que para o correio eletrônico, pois a autorização precisa ser aprovada por um alto oficial no DOJ - Departamento da Justiça, além de ser concedida por um juiz. Adicionalmente, somente será permitida a interceptação telefônica se for demonstrada que já foi ou provavelmente ainda será cometido um crime sério. No caso do correio eletrônico, o pedido não precisa ser autorizado pelo DOJ, e não há limitação da espécie de crime envolvido. Esta nova legislação evidentemente iria requerer a aprovação da legislativa, o que seria impossível no segundo semestre de um ano eleitoral.

No dia 24 de julho foi realizada uma audiência pública da subcomissão constitucional da Câmara (http://www.house.gov/judiciary/con07241.htm), com a participação do DOJ, do FBI, da ACLU e da CDT - Center for Democracy and Technology (http://www.cdt.org), entre outros. Os representantes do DOJ e da FBI apresentaram o Carnivore como uma espécie de packet sniffer, que seleciona, através de "filtros", apenas as mensagens de interesse à justiça, e registra para estas apenas as "informações transacionais", ou seja, o conteúdo das cabeçalhos From e To das mensagens eletrônicas, ignorando as demais informações interceptadas, como, por exemplo, o conteúdo das mensagens. Isto significa que estaria sendo usado para quebra de sigilo mais do que para escuta clandestina. Afirmaram ainda que seu uso começou há dois anos, e tem sido infreqüente. Os críticos do Carnivore concentraram seus comentários no seu potencial de devassa indevida da privacidade, uma vez que ele capta todo o tráfego de mensagens em trânsito pelo provedor, para depois selecionar apenas os itens de interesse. Uma falha de configuração dos seus filtros ou um uso não autorizado por seus operadores poderiam resultar no registro indevido de mensagens de qualquer pessoa. Foi solicitada ainda uma avaliação independente do seu funcionamento e correção através da publicação do fonte do software usado.

Na semana seguinte, houve dois desdobramentos. No dia 1o/8, um juiz deu prazo de duas semanas para que a FBI dissesse quando seriam divulgadas publicamente informações sobre o Carnivore em resposta a solicitação encaminhada pela ACLU e a EPIC - Electronic Privacy Information Center (http://www.epic.org/), dentro das provisões da Lei de Liberação de Informações (FOIA - Freedom of Information Act, de 1966). No dia seguinte, numa tentativa de aplacar os críticos do Carnivore, a Secretária da Justiça, Janet Reno, prometeu abrir para um painel de peritos, a serem escolhidos pelo DOJ e a FBI, os detalhes do seu software. Porém, afirmou pretender mantê-lo em funcionamento, embora prefira que seja rebatizado com nome menos pitoresco.

Nos últimos anos o Congresso e os tribunais dos EUA se tornaram um palco de luta entre órgãos do governo, especialmente o DOJ e o FBI, que querem armas mais sofisticadas para o combate ao crime moderno, e as organizações libertárias, tais como a ACLU, a CDT, a EPIC e a EFF - Electronic Frontier Foundation (http://www.eff.org), unidas na defesa dos direitos constitucionais de privacidade e liberdade de expressão. Nesse país, marcado por uma cultura vigorosa de individualidade e liberalismo, está sendo trabalhoso deter a diminuição destes direitos perante a pressão do governo. No Brasil, por outro lado, mal começou a discussão pública do impacto sobre os direito do indivíduo das novas tecnologias de comunicação. A princípio, o dispositivo constitucional definindo a privacidade individual, citado na coluna de 17 de julho, deveria ser suficiente para tornar sem efeito as propostas de escuta eletrônica e interceptação de mensagens. Mas o exemplo dos EUA deve servir de alerta às dificuldades futuras de reconciliar estes direitos com as conveniências do estado.

ICANN: o final das inscrições

Encerrou-se em 31/7 o registro de afiliações de membros individuais para votar nas eleições deste ano. Aparentemente, houve uma severa degradação do sistema de afiliação depois do dia 26/7, por motivos não explicados, e o número total de afiliações aumentou em apenas 10% nos últimos cinco dias, terminando com 158.593, sendo 6.486 da região AL&C, dos quais 5.197 (80%) eram do Brasil (http://members.icann.org/pubstats.html). Se eu fosse da China ou Taiwan, eu iria ficar muito desconfiado dos números finais, que foram bem aquém das tendências comentadas na coluna de 31 de julho. Em particular, o número de inscritos da China aumentou em apenas 4.936 nos últimos 5 dias, contra uma média diária de em torno de 8.000 nos dias anteriores. No caso de Taiwan, o número de inscritos nos últimos cinco dias teve uma queda de 1.587, o que é no mínimo estranho, quando o aumento diário anterior foi acima de 2.000. Aliás, não se entende como o número podia ter diminuído, se o sistema de inscrição estivesse funcionando corretamente, No dia 1o/8 foram publicados os nomes dos candidatos pré-aprovados pela ICANN. Para a região AL&C estes candidatos são Ivan Moura Campos (Brasil), Patricio Poblete (Chile) e Raul Echeberria (Uruguai) (http://www.icann.org/nomcom/nominations.htm).