Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2000       Página Inicial (Índice)    


10/07/2000
Legislação para o comércio eletrônico

Voltemos a discutir esta semana o tema de criptografia e suas aplicações.
Numa coluna anterior, "Segurança na comunicação governamental", foi comentado o decreto 3.505, que se limita aos problemas de comunicação do próprio governo.
Porém, é muito difícil ignorar as necessidades de comunicação segura entre o governo e o resto da sociedade, e também da comunicação não governamental, e é fácil defender que sejam adotadas soluções técnicas compatíveis para toda a comunicação segura, independente de quem participe dela, pelas economias que resultariam da utilização do mesmo software.
Em outras palavras, soluções comuns para a segurança deveriam ser elaboradas para todas as operações realizadas eletronicamente, tais como a entrega do ajuste anual do imposto de renda, a realização de encomendas e pagamentos no comércio eletrônico, e a assinatura de contratos imobiliários.
Embora o sigilo nas comunicações seja desejável nestes casos, o requisito fundamental é a sua autenticidade, com o uso de assinatura digital como garantia da identidade do responsável.

Esta questão vem sendo abordada em vários outros países, especialmente nas últimas semanas.
No dia 30 de junho, foi promulgada a Lei de Assinaturas Eletrônicas em Comércio Global ou Nacional, lei S. 761 do Senado dos EUA.
Esta lei valida o uso de documentos e assinaturas digitais, em lugar dos documentos e assinaturas convencionais, além de autorizar o governo a celebrar tratados de comércio eletrônico com outros países.
No Reino Unido, em 25 de maio foi adotada a Lei das Comunicações Eletrônicas 2000, com intenções semelhantes. Outro país que adotou legislação em suporte de comércio eletrônica recentemente foi a Índia, que promulgou a Lei da Tecnologia de Informação em junho.
Com estas adesões já são treze os países com legislação própria para o comércio eletrônica, com o objetivo de dar esteio legal ao que já vem sendo praticado amplamente no âmbito da Internet.

Não deve surpreender o fato que a ONU se interessa pelo comércio internacional.
Em 1966 foi criada a UNCITRAL - a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - cujo lema parece ser "Uma Lei de Comércio para um Mundo de Comércio".
A UNCITRAL promove o alinhamento internacional de legislação comercial, e cria modelos de propostas de leis para eventual adoção em países membros (o Brasil faz parte da UNCITRAL). Em 1996, publicou seu modelo de lei de comércio eletrônico, que trata da validade de documentos e assinaturas digitais.
De modo geral, este modelo de lei é bastante genérico, precisando ser adaptado em cada país que o adote.

O Congresso Nacional vem desenvolvendo trabalhos legislativos nesta área.
Atualmente, segundo levantamento apresentado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, há três projetos de lei em tramitação, sendo dois na Câmara e um no Senado.
Entre estes, o que está mais adiantado é o último, de autoria do senador Lúcio Alcântara, que aguarda o parecer do relator José Fogaça na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Este projeto é baseado no modelo da UNCITRAL.
O projeto do Deputado Luciano Pizzatto, associado ao nome da OAB/SP, inclui a proposta de tornar competência exclusiva dos atuais cartórios a certificação da autenticidade das chaves públicas usadas para validar as assinaturas digitais, estendendo desta forma para o domínio dos documentos eletrônicos o atual monopólio dos cartórios sobre a legalização dos documentos em papel.
Ninguém deve se esquecer que, quando foi introduzida a informatização dos serviços dos cartórios, o que normalmente levaria à diminuição dos seus custos, ao invés de repassar os benefícios aos usuários dos seus serviços, de modo geral os cartórios aumentaram seus preços, com a cobrança de taxas adicionais a título da informatização. Poderemos esperar algo diferente destes estabelecimentos se for modernizado o mecanismo de autenticação dos documentos e assinaturas?

Supondo que sejam resolvidos os problemas de ordem legal com o uso de meios digitais para a apresentação de documentos e assinaturas, ainda não poderemos considerar acabado o trabalho de modernização das relações de comunicação entre os membros da nossa sociedade.
Uma vez sacramentada a substituição de um documento impresso por outro eletrônico, abre-se a porta para efetuar grandes economias nos custos das organizações pelo uso do correio eletrônico em lugar da comunicação por escrito, eliminando as despesas de papel, do correio e dos salários das pessoas que manuseiam os documentos.
Um pouco de reflexão revela que há duas preocupações principais.
A primeira trata do problema de confirmação do recebimento da comunicação eletrônica, o que não pode ser garantida absolutamente.
Por isto, a legislação norteamericana abre certas exceções, mantendo comunicação por escrita para mandados de despejo, testamentos e notificações judiciais, entre outras.

A segunda preocupação é até mais séria em países com baixo grau de penetração de comunicação eletrônica.
Foi estimado recentemente que apenas 5% da população deste país têm acesso à Internet atualmente.
A situação da Índia é ainda muito pior, com acesso por apenas 0,1% da sua população.
No caso indiano, o governo quer um aumento substancial do número de usuários da Internet nos próximos anos, para permitir o uso amplo da comunicação eletrônica.
No caso brasileiro, s e for mantida a taxa recente de crescimento do número de usuários da Internet, em breve será alcançada a cifra de 30% da população, o que permitiria a adoção deste paradigma novo de comunicação.
A experiência da Receita Federal com a submissão digital dos formulários do Imposto de Renda também é encorajadora.
Porém, boa parte da população ainda não paga o Imposto de Renda.
Para alcançar estas pessoas, abrindo-lhes acesso eletrônico aos serviços governamentais, por exemplo, talvez ainda seja necessária a provisão de meios de acesso público ou subsidiado à Internet.