Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2000       Página Inicial (Índice)    


31/07/2000
Os eleitores da ICANN

Na coluna de 24 julho falamos das próximas eleições para a ICANN - a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (http://www.icann.org), quando deverá ser eleito pelos membros individuais um diretor para a região América Latina e o Caribe (AL&C).
No texto foi incentivada a afiliação de interessados como membros individuais da ICANN, o que poderia ser feito até o dia 31 de julho.
O tema dessa coluna foi também o assunto de artigos na Folha de São Paulo no dia 26 e no Jornal do Brasil no dia 27, entre outras publicações.
Adicionalmente, vários indivíduos tomaram a iniciativa de noticiar as eleições e o prazo de afiliação de membros individuais através de listas de discussão na Internet brasileira.
Finalmente, o próprio Comitê Gestor promoveu o envio de uma mensagem a respeito às pessoas registradas como contatos pelo Registro.br (o registro nacional de nomes e endereços da Internet).
Com isto, o assunto foi amplamente divulgado, e isto resultou num aumento expressivo no número de membros individuais do Brasil.

Segundo a própria ICANN, que vem divulgando os números de inscritos de forma irregular através da URL http://members.icann.org/pubstats.html, a evolução para os maiores países da região AL&C até o dia 26 de julho é descrita na seguinte tabela, onde as porcentagens são relativas ao número total de inscritos na região:  

Pais

19 de julho 24 de julho 25 de julho 26 de julho
Brasil 98 14,3% 362 28,9% 569 36,6 4731 80,9%
Argentina 134 19,6% 20 17,6% 236 15,2% 278 4,8%
México 208 30,5% 246 19,7% 249 16,0% 250 4,3%
Chile 57 8,3% 138 11,0% 181 11,6% 217 3,7%

Esta tabela mostra nitidamente o efeito da mutirão nacional que foi realizada para tirar o País da posição incômoda ocupada no dia 19.
Se for mantida esta tendência, dificilmente o Brasil deixará de contar com o maior colégio eleitoral da região, e poderá ficar com a maioria absoluta dos eleitores.

É interessante também observar que fenômenos parecidos foram registrados em outras regiões do mundo. Os países com os maiores números de inscrições no dia 26 de julho tiveram a seguinte evolução dos seus membros inscritos durante a semana anterior:  

País Região 19/7 24/7 25/7 26/7
Japão Ásia/Australásia 20261 27886 30201 33227
China Ásia/Australásia 71 12441 20873 28732
Estados Unidos América do Norte 12115 15778 16998 18012
Alemanha Europa 8674 14685 16119 17409
Taiwan Ásia/Australásia 71 5898 8729 10780
Coréia (dop Sul) Ásia/Australásia 1146 3953 5190 6247
Brasil AL&C 98 362 569 4731
França Europa 997 1790 2234 2583
Reino Unido Europa 1633 1962 2032 2080
Canadá América do Norte 1348 1788 1844 1975
Rússia Europa 56 456 1122 1859

Evidentemente, alguns dos países incluídos nesta tabela demonstraram notável capacidade de mobilização dos seus habitantes para participarem nas próximas eleições da ICANN, pois, formalmente, as regras do jogo foram definidas pela ICANN apenas no dia 16 de julho, na última reunião dos seus diretores.
Nesta data havia apenas 44.000 membros individuais inscritos.
O número destes em 26 de julho já excedia 141.000, e deverá superar 200.000 até o final do prazo das inscrições no dia 31.

Estes números devem confirmar os receios dos críticos deste processo eleitoral, que temiam que a distribuição por país dos membros individuais da ICANN não refletisse adequadamente os verdadeiros usuários da Internet.
Os países que demonstram as anomalias mais evidentes são a China a a Alemanha.
O censo da Internet de janeiro de 2000 (http://www.isc.org/ds/WWW-200001/dist-bynum.html) revela que a China (incluído o Hong Kong) tem menos de 8% do número de computadores na Internet do Japão, líder na Ásia, e que o número de computadores da China é superado também pela Austrália, por Taiwan e pela Coréia, outros países da mesma região.
A Alemanha é superada em termos de computadores na sua região pelo Reino Unido e pela França.
Os números do Brasil também são anômalos, porém o Brasil é o maior país na Internet na região AL&C, e o número de membros individuais inscritos apenas exagera esta liderança.

A eleição da metade dos diretores da ICANN por membros individuais, definida desde a criação da ICANN, já vinha sendo questionada, por poder gerar um resultado imprevisível.
Para limitar suas conseqüências, em 16 de julho deste ano foram modificados os estatutos da ICANN para reduzir de nove para cinco o número de diretores eleitos este ano, e permitir votação por regiào.
Em função das anomalias na afiliação dos membros individuais identificadas no parágrafo anterior, é quase certo que sejam alteradas novamente as regras que vigorarão para futuras eleições em que votem os membros individuais.
Já está prevista, inclusive, uma revisão do próprio conceito de membros individuais da ICANN, e dos diretores que elegem, a ser realizada depois da posse dos diretores a serem eleitos este ano.

Para os novos membros individuais e eleitores da ICANN, o processo eleitoral começa no dia 1o de agosto.
Foi constituída uma comissão de indicação (nomination committee), que deverá publicar nos próximos dias uma lista de candidatos a diretor selecionados a partir de indicações já recebidas.
Como este processo é reservado, não saberemos quais nomes teriam sido excluídos por esta comissão.
Depois da publicação desta lista, outros nomes poderão ser indicados por qualquer membro individual até 14 de agosto, mas para serem incluídos na eleição terão que contar com o apoio de pelo menos 2% dos membros individuais da região, em pelo menos dois países.
Existe ainda um limite de 7 candidatos por região, incluindo os pré-aprovados pela comissão.
Estas regras também foram sacramentadas na reunião de 16 de julho, e podem ser considerados casuístas.

Em suma, a ICANN é no momento a única entidade que temos para a governança da Internet, depois da privatização das funções da IANA.
Portanto, deveremos dar-lhe nosso apoio agora. Por outro lado, este apoio deve ser acompanhado de uma visão crítica da entidade e dos seus objetivos.
Sua organização e estrutura parecem não encontrar boas soluções às questões fundamentais de representação e estabilidade, postas em destaque pelo processo eleitoral em andamento.

Talvez a saída para a futura governança da Internet nem seja pela ICANN.
Uma análise recente (http://www.pfir.org/statements/policies), publicada pela PFIR - People for Internet Responsibility, pondera que a importância da Internet é tamanha para o mundo em que vivemos, que a ICANN é simplesmente inadequada à tarefa de governança, por causa das suas origens e estrutura.
Para assumir esta tarefa propõe-se a criação de uma nova entidade que é verdadeiramente internacional. Diferente da ICANN, não haveria membros individuais.
Em vez disto, a entidade estaria baseada numa representação equilibrada de interesses comerciais e não comerciais do setor privado, e de interesses do setor público, atualmente excluídos da ICANN.
Estes interesses públicos incluiriam organizações e órgãos governamentais e instituições educacionais.
O papel do setor público é considerado imprescindível para harmonizar as iniciativas governamentais, e evitar que os governos assumam apenas um papel reativo a novidades introduzidas pelo setor privada.
Este comportamento governamental vem sendo identificado em muito países e em diversas frentes, tais como o comércio eletrônico e a privacidade, discutidos aqui em colunas recentes.