Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


19/02/2001
Peer-to-peer: a volta da Internet participativa

Com quase 1000 participantes, foi realizada na semana passada em San Francisco, EUA, uma conferência que juntou alguns dos nomes associados a uma série de novidades no uso da Internet, coletivamente chamadas de aplicações "peer-to-peer" (literalmente, "entre pares"), ou P2P. O principal responsável para sua realização foi Tim O`Reilly, presidente da O`Reilly and Associates (www.oreilly.com), conhecida editora especializada em livros técnicos sobre tecnologia Internet. Uma descrição desta conferência oportuna se encontra em www.openp2p.com , sítio dedicada à comunicação P2P.

Para entender a significância deste evento, é preciso reconhecer que o grande aproveitamento da Internet nos últimos tempos têm sido através de uso de correio eletrônico e acesso à Web para informação e entretenimento. Estes serviços são providos através de servidores, localizados em provedores Internet, portais e empresas, com conexões permanentes à Rede, e identificados através de endereços IP e nomes DNS fixos. Cabe ao usuário doméstico adquirir um computador pessoal (PC), basicamente para funcionar quase apenas como a plataforma para uso de software de correio e de navegação, como os "browsers" da Microsoft ou da Netscape. Tipicamente a conexão à Internet é através de acesso discado, portanto, não é permanente. Os endereços IP usados pelos PCs, quando não sejam de espaços privados escondidos atrás de uma parede corta-fogo, são de uso precário, sendo diferentes a cada acesso. Portanto, não se identifica o PC doméstico por um nome do Domain Name System (DNS), por este ser inadequado para seu caso.

Para exibir apenas esta funcionalidade extremamente limitada, o equipamento na ponta é razoavelmente complexo e caro, custando em torno de R$2.000, ou aproximadamente US$1.000. Se estimarmos em 200 milhões de PCs hoje usados para fazer acesso à Internet em todo o mundo, cada um com um processador de 100 MHz e um disco de 500 MB, estamos falando de um investimento global em equipamento de US$200 bilhões, com 20 bilhões de MHz de capacidade de processamento, e 100.000 terabytes de espaço em disco. A onda P2P procura tirar vantagem destes recursos, aliados evidentemente à sua capacidade de comunicação.

Por exemplo, SETI@Home, contribuição popular ao projeto Search for Extraterrestrial Intelligence (Busca de Inteligência Extraterrestre) (www.seti-inst.edu), é a atividade de processamento distribuída mais bem conhecida na Rede, envolvendo 2,7 milhões de pessoas em 226 países. Já contabiliza 500.000 horas de uso, e tem uma capacidade agregada de processamento que é o dobro do maior supercomputador na planeta. Os participantes de SETI@Home contribuem voluntariamente seus recursos e seu tempo. Outros projetos mais recentes, como Popular Power (www.popularpower.com), pretendem remunerar os participantes em aplicações comerciais.

Uma segunda linha de aplicações que fogem da linha tradicional de aplicações Internet é representada por ICQ (web.icq.com), que permite comunicação instantânea entre usuários ligados à Rede. Um aspecto interessante de ICQ é o vínculo da identificação usada a uma pessoa, e não a um sítio físico, como é o caso com correio eletrônico. Isto significa que o ICQ não utiliza o Domain Name System (DNS) para localizar as pessoas, e teve que ser criada um "espaço" de nomes, distinto do DNS, para cumprir esta finalidade.

A primeira aplicação realmente popular que procurou capitalizar na vasta quantidade de espaço em disco distribuído nos PCs domésticos foi Napster, já bem conhecida por causa dos problemas legais que vem enfrentando, e já abordados numa coluna anterior. Napster, e suas comparsas Gnutella e Freenet, procuram criar um serviço de arquivos, onde, além de cliente, cada computador participante pode se tornar também um servidor, prestando serviço para terceiros.

O importante em todas estas aplicações é que elas mudam o caráter do uso da Internet, de ser orientado ao "consumo" de informação pelo usuários, no melhor estilo da televisão não interativa, para uma participação mais ativa dos usuários, através da oferta de serviços, como evidenciada mais claramente nos casos de Popular Power e Napster, ou pela dispensa da intermediação de servidores para estabelecer comunicação direta entre PCs. Por isto estes PCs, que ora funcionavam apenas como clientes dos servidores remotos, numa relação assimétrica, agora passam atuar também como servidores de outros PCs, ou de estabelecer relações paritárias de comunicação com estes, como seria o caso de comunicação instantânea, ou, eventualmente, com aplicações multimídia interativas como telefonia ou videotelefonia.

Curiosamente, quando foi criado, o modelo de comunicação usado na Internet era chamado de "peer-to-peer", e ele permite que se estabeleça comunicação direta entre qualquer par de computadores simultaneamente ligados à Rede. Durante os anos de crescimento vigoroso da Rede, a atenção foi desviado para um modelo hierárquico de serviços, com a discriminação entre os clientes (simples) e os servidores (complexos e caros). Estamos portanto vendo agora uma volta às origens, porém com uma comunidade de usuários milhares de vezes maior, com todo o potencial e energia que isto pode trazer.