Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2001 Página Inicial (Índice)
24/06/2001
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A concorrência na oferta de
telefonia
Foi reportada aqui na coluna de 2 de abril a iniciativa das empresas concessionárias de telefonia fixa de longa distância nacional e internacional, Embratel e Intelig, de procurar a justiça para combater a concorrência de empresas oferecendo serviços de telefonia usando a nova tecnologia de "telefonia IP" (telefonia usando a Internet). Com uso desta tecnologia, esta concorrência consegue oferecer um produto por preços da ordem de um terço daqueles cobrados por Embratel e Intelig, e leva o consumidor a indagar porquê são tão mais caros os preços destas concessionárias. Parte da explanação possivelmente se deve ao alegado não recolhimento de impostos pela empresas concorrentes, mas, mesmo assim, este fator sozinho não explica diferença tão grande de preços, que é, na verdade, conseqüência da adoção de tecnologia de ponta, quando as empresas estabelecidas não a possuem.
O recurso à justiça está dando seus frutos. Sei de pelo menos uma empresa que suspendeu já em março seu serviço de telefonia IP, e em junho algumas empresas tiveram suas atividades encerradas e seus equipamentos confiscados em operações conduzidas pela polícia federal (PF), como noticiado pela Ag. Estado (www.estadao.com.br/tecnologia/telecom/2001/jun/13/191.htm) e pelo Jornal do Brasil (www.jb.com.br/jb/papel/economia/2001/06/13/joreco20010613012.html). Como fechar a concorrência mais barata não é uma ação simpática, tendo muito em comum com repressão de camelôs ou de transporte alternativo ("vans"), procurei me informar melhor sobre o que passa, e conversei com o delegado Marcos Uruguai Bentes Lobato, da PF do Rio de Janeiro, que esteve envolvido nos casos noticiados acima.
O delegado, que trabalha na Delecoie (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais), me explicou que a operação realizada em junho decorreu de uma denúncia, proferida pela Embratel, que a empresa em questão estaria realizando atividade ilícita, oferecendo serviço de telefonia internacional sem a devida autorização da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações (www.anatel.gov.br).Em função da denúncia, a ação da PF foi determinada, e realizada com o acompanhamento de um técnico da Anatel, presumivelmente para identificar adequadamente o que deveria ser apreendido. Uma vez cessado o serviço, está sendo levada a cabo uma investigação das possíveis irregularidades envolvidas, como aquisição irregular dos equipamentos usados, remessa de divisas para o exterior (a empresa teria necessariamente relações com parceiras no exterior, uma vez que se trata de telefonia internacional), não recolhimento de impostos, e operação de serviço de telecomunicações sem autorização. Adicionalmente, está sendo contemplado indiciar os sócios da empresa em questão por formação de quadrilha, pois teriam conspirado para cometer um crime.
Formalmente, creio que o delegado esteja coberto de razão em achar motivos para prosseguir com este processo, como também estaria formalmente correto a repressão de atividades de camelôs e vans. Porém, em todas estas três campos, vêm sendo exploradas atividades econômicas em benefício do consumidor, através de oferta de bens ou serviços a custos mais baixos. Não cabe ao delegado mudar a lei, e sim à autoridade competente, que, neste caso, é a Anatel.
A Anatel em 1998 adotou como política para a telefonia o Plano Geral de Outorgas (PGO) de Serviço de Telecomunicações prestado no regime público, publicado como decreto 2.534 (www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2534.htm). O PGO definiu que, até 31/12/2001, o serviço de telefonia seria autorizada através de oito concessões, sendo seis regionais (três existentes e três "espelhos") e duas nacionais (uma existente e uma "espelho"). (Na verdade, o número de "espelhos" hoje é maior, pois, em algumas áreas, as grandes empresas "espelho" abriram mão das concessões, e foram substituídos por várias "espelhinhos".) Depois de 31/12/2001, não haveria mais limitação do número total de concessionárias.
O problema, no meu ver, é que mudou a tecnologia desde 1998, quando não era previsível o impacto da telefonia IP. O PGO apenas visualiza serviços de telefonia oferecidos por empresas muito grandes, mas a nova tecnologia também possibilita a entrada em operação de empresas pequenas, as quais seriam barradas pela tecnologia antiga. Conviria a Anatel desde já se pronunciar a respeito destas novas condições, e as oportunidades que apresentam, depois de 31/12/2001. Na falta de uma posição clara da Anatel, o que estávamos vendo até recentemente, antes das últimas iniciativas da PF, era o início da exploração de novas oportunidades de mercado que deverão ser plenamente legais em pouco mais de seis meses. Com a previsão de legalização a partir de 1/1/2002, já havia começado o processo de ocupação de espaço de mercado, causando desconforto às atuais concessionárias, Embratel e Intelig, que se achavam privadas de suas receitas legítimas.
Sobre o que viria a partir de 2002, quando acabará o atual condomínio de 8 grandes concessões, é interessante a leitura do artigo publicado em 22/4/2001 no New York Times (www.nytimes.com/2001/04/22/technology/22TELE.html), que examina e tenta fazer previsões sobre o mercado de telefonia nos EUA, onde foi adotado em 1996 o Telecommunications Act, mentora da Lei Geral das Telecomunicações (LGT) adotada no Brasil no ano seguinte como a lei 9.472 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm). Nos EUA as empresas regionais de telefonia, lá chamadas de "Baby Bells", pois eram originadas pela quebra do monopólio do Sistema Bell nos anos 80, têm certa semelhança às nossas empresas regionais, Telemar, Telefônica e Brasil Telecom, sucessoras do sistema Telebrás. Em particular, elas controlam as redes de telefonia local às quais quase 100% dos assinantes atuais estão ligados, apesar dos esforços das empresas "espelho". Como aqui tem Embratel e Intelig, lá também tem empresas de longa distância, incluindo algumas muito grandes, como AT&T, Worldcom (dona da Embratel) e US Sprint (dona parcial da Intelig).
Do ponto de vista das grandes empresas de telecomunicações, a principal conseqüência da liberalização do mercado aqui, prevista para 2002, será a competição direta nos mercados de longa distância da Embratel pelas empresas regionais de telefonia, desde que estas alcancem suas "metas de desempenho". De maneira recíproca, a Embratel seria liberada para concorrer na telefonia local. Porém, dispositivos idênticas na Telecommunications Act dos EUA estão tendo como conseqüência o crescimento das Baby Bells, às custas das empresas originalmente de longa distância.
A razão disto é bem simples: as redes de acesso local das empresas regionais são tão grandes e complexas, que nunca será possível uma concorrente reproduzi-las, o que eqüivale a colocar uma segunda ligação a cada casa e empresa ligada à rede concorrente. Na falta de ter rede própria de acesso, as empresas concorrentes terão que pagar às empresas detentoras das redes locais para usar seus fios, perdendo vantagem competitiva devido a esta despesa adicional. Em função disto, já é previsível que a AT&T perca espaço e receita perante o crescimento das empresas regionais, tais como Qwest, SBC e Verizon, que são as maiores e mais dinâmicas das Baby Bells. E elas vão tomando conta do mercado de longa distância já no poder das suas concorrentes. Aplicada esta previsão aqui, o resultado seria o enfraquecimento da Embratel, perante o crescimento da Telemar, Telefônica e Brasil Telecom. Na visão do articulista do New York Times, a única possibilidade de encontrar uma solução alternativa para o mercado de telefonia à altura do tamanho das empresas regionais seria através de empresas, tais como AOL/Time-Warner, que exploram hoje serviços de TV a cabo e Internet e poderiam facilmente acrescentar telefonia ao leque dos seus serviços.
Como vemos, a evolução da tecnologia das telecomunicações vai abrindo novas
alternativas para trazer-nos serviço de telefonia, e a Anatel terá que se
preparar para estas novidades, se quiser continuar a orientar de forma saudável
a evolução das telecomunicações nacionais.