Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2002       Página Inicial (Índice)    


21/07/2002
A tempestade na indústria das telecomunicações

Na segunda metade dos anos 90 ocorreu um enorme boom nos mercados de capitais do mundo, seguindo o exemplo dos mercados de Nova Iorque, onde o índice Dow Jones dobrou entre junho de 1996 e junho de 1999 (www.wallstreetcourier.com/technician/market-indicators/historical-dow-jones.htm), e o índice Nasdaq subiu mais de cinco vezes entre junho de 1995 e fevereiro de 2000 (www.nasdaqnews.com/dynamic/stats.asp). Este crescimento marcante está intimamente relacionado à criação e expansão da "nova economia", associada à Internet e o aparecimento de número expressivo de empresas "ponto-com", e envolveu não apenas as empresas "ponto-com", como também todas as empresas que viriam a contribuir para a montagem da nova supervia de informação, incluindo em grande parte as empresas, tradicionais e novas, da área das telecomunicações, e os fabricantes de equipamentos de computação, de redes e das telecomunicações. Foi um período extraordinário, em que empresas tradicionais e conservadoras correram para não perder as novas oportunidades, expandindo seus negócios através da aquisição de novas empresas com produtos orientados ao novo mercado. E deu início a um investimento expressivo em criação de novas redes de comunicação de longa distância, dentro e entre os países, que somente tem paralelo histórico com o investimento em ferrovias que ocorreu na segunda metade do século 19 em várias partes do mundo. Na Europa os governos faturaram bem quando leiloaram licenças para a chamada terceira geração da telefonia celular. O chavão que norteou este investimento foi "se você construi-lo, eles virão", frase meio mística, adaptada do filme Campo dos Sonhos (de 1989), onde Kevin Costner é induzido a construir um campo de beisebol numa fazenda longe das cidades, contando que as pessoas viriam em procura da experiência interessantes.

Esta bolha de investimento teve seu pico em 2000, e logo em seguida começou o declínio dos mercados e a recessão econômica que continuam até hoje. Na semana passada, o índice Dow Jones chegou abaixo de 8000, valor 30% abaixo do seu pico de dezembro de 1999, e o índice Nasdaq perdeu quase 75% do seu valor de setembro de 2000. Contribuíram a estes números o mau desempenho de muitas das empresas antes consideradas locomotivas da economia. Com a queda de atividade econômica, caíram brutalmente as encomendas de novos equipamentos dos grandes fabricantes, especialmente de equipamentos de telecomunicações, levando estes fabricantes a cortar custos, normalmente através de demissão de funcionários. Em alguns casos, estes fabricantes encolheram muito, pela própria falência das empresas "ponto-com" por eles adquiridos a preços inflados no auge do boom. Um reportagem recente estimou as perdas como 500.000 postos de trabalho e US$ 500 bilhões de investimentos (www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A36589-2002Jul7.html).

As operadoras das telecomunicações são um caso a parte. As telecomunicações têm sido marcadas em todo o mundo por uma mudança significativa no modelo adotado para sua exploração. Na maioria dos países, até bem recentemente (anos 1980 em diante), sua exploração era um monopólio do estado, como existia no Brasil. Mesmo onde não era um monopólio estatal, como nos EUA, era efetivamente um monopólio privado, sujeito a regulamentação para evitar abusos e promover a universalização do serviço. Nos EUA, esta situação foi modificada em 1984, quando o monopólio da AT&T (o Sistema Bell) foi terminado numa célebre decisão na justiça, e a empresa foi dividida entre diversas empresas regionais (LECs ou Local Exchange Carriers), chamadas Baby Bells, e uma empresa de longa distância, que manteve o nome original. Com o passar do tempo, foram criadas novas empresas que concorreriam com as empresas herdeiras do Sistema Bell. Entre estas estavam as empresas de telefonia de longa distância, MCI e US-Sprint, conhecidas no Brasil por sua participação acionária na Embratel e Intelig, respetivamente. Na verdade, é mais fácil concorrer em telefonia de longa distância do que telefonia local, porque a infra-estrutura de rede requerida é mais cara neste último caso. As Baby Bells herdaram a telefonia local, e o contato direto com os clientes que decorre disto. Por ser mais concorrida, os preços da telefonia de longa distância tendem a cair mais rapidamente, comprometendo as projeções de receitas futuras embutidas nos planos de investimento. O mesmo ocorre nas comunicações internacionais, hoje realizadas através de cabos ópticos submarinos que cortam os oceanos e circundam os continentes, como ilustrado pelas redes da Global Crossing (www.globalcrossing.com/xml/network/net_map.xml) e da Tyco Global Network (www.tycomltd.com/solutions/tgn_maps.asp#). Com a livre competição, há muita oferta de capacidade nas comunicações internacionais, e os preços caíram bastante.

O boom na economia norte-americana valorizou as empresas de telecomunicações, ao mesmo tempo em que as obrigaram a investir em aumentar sua capacidade para atender a demanda do uso crescente da comunicação, especialmente da Internet. Investiu-se muito em capacidade de transmissão, com a montagem de redes completamente novas, usando a transmissão óptica, e exigindo grande investimentos em novos equipamentos. Como a exploração das telecomunicações gera receitas graúdas em dinheiro vivo, boa parte deste investimento podia ser feito com recursos próprios, mas a tendência seria de endividar-se para realizar os investimentos, comprometendo receita futura, que deveria ser crescente, é claro. Para as empresas novas, ainda não havia o capital próprio e nem a receita corrente, então todo o investimento seria feito com recursos levantados por venda de ações e tomada de empréstimos bancários. O declínio das receitas ocasionado pela queda dos preços compromete o retorno nos investimentos, podendo este ser insuficiente para pagar os empréstimos contratados.

Isto já está ocorrendo hoje em escala crescente. Este ano pediu concordata a Global Crossing, dona de uma rede internacional de cabos submarinos (v.coluna de 1 de fevereiro), e a qualquer dia espera-se o mesmo da WorldCom, empresa que adquiriu em 1999 a MCI, que já havia adquirido controle da Embratel no ano anterior na leilão de privatização das empresas do grupo Telebrás. Além de operar nos mercados de longa distância no Brasil (através da Embratel) e EUA, a WorldCom também é o maior provedor Internet dos EUA através da UUNET, empresa adquirida nos anos 1990. Os valores envolvidos nestes dois casos são os maiores em toda a história das telecomunicações, e estão causando muitos abalos ao já delapidado mercado de ações nos EUA.

Se a concordata não permitir a sobrevivência destas empresas, seus ativos deverão ser liquidados para pagar os credores. No caso da Global Crossing, isto implicaria na venda, provavelmente em fragmentos, da sua rede de comunicação. É provável que os fragmentos sejam adquiridos por concorrentes, que os usariam para complementar as suas próprias redes, ou por novas empresas que entrariam no ramo, assumindo a infra-estrutura de comunicação sem dívidas, concorrendo com vantagens com os competidores da empresa falida. No segundo caso, a falência de uma empresa poderia levar, por efeito "dominó", à desestabilização dos seus antigos concorrentes.

A outra área crítica parece ser das telecomunicações dentro de cada país. Vemos o caso do Brasil, que é semelhante aos EUA. Em ambos países, existem empresas regionais e empresas de longa distância. Nos EUA, a telefonia local envolve os LECs (Baby Bells) e as suas empresas "espelho", chamadas lá de CLECs (competitive LECs). No Brasil foi adotado modelo semelhante, com as três empresas regionais de telefonia fixa, Telemar, Telefônica e Brasil Telecom, e as empresas espelho, como Vesper e GVT. Tanto aqui como nos EUA, as empresas espelho não conseguiram ganhar muitos clientes. Adicionalmente há a Embratel e seu espelho, Intelig, que atuam no mercado de DDD e DDI. Até o final de 2001, cada operadora regional somente poderia atuar na sua própria região. A partir de 2002, segundo o projeto da Anatel, satisfeitas as metas de universalização, uma empresa passa a poder estender seus serviços. A Telemar e a Telefônica já cumpriram estas metas e foram autorizadas a oferecer serviços DDD e DDI. Já passaram a implantar este serviço para chamadas originadas na sua área de concessão. Entretanto, o entendimento da Anatel era que lhes seria permitido oferecer também serviços fora das suas regiões, concorrendo diretamente com a Embratel e Intelig para o mercado nacional. Por enquanto esta pretensão vem sendo bloqueada na justiça onde a Embratel acusa ser ilegal esta extensão da concessão.

O que está em jogo é a própria viabilidade futura da Embratel. A questão é simples: para fazer uma chamada DDD ou DDI o usuário precisa antes ser assinante de uma das operadoras regionais. Seria muito fácil esta operadora oferecer pacotes bem interessantes para DDD e DDI para seus próprios assinantes. Outra questão é a possibilidade de uma guerra de preços. Numa disputa destes, a Embratel vai perder fatalmente, porque ela terá que repassar uma parte da receita para a operadora regional a título de taxas de interconexão, e o valor destas taxas é prefixado. É verdade que a Embratel começou a tentar se defender nesta situação, montando seu próprio cadastro de clientes e enviando-lhes conta separada da conta da operadora de telefonia local, mas a execução desta iniciativa não foi bem conduzida, e levou a uma inadimplência maciça dos clientes, pela falta de sanções exeqüíveis contra os maus pagadores - a Embratel não pode mandar desligar o telefone de um assinante da Telemar, por exemplo. No longo prazo, parece que somente vai aumentar a desigualdade da briga entre as operadoras apenas de DDD e DDI e as operadoras regionais.

Ocorre situação semelhante nos EUA. Lá, desde 1984 houve uma série de fusões entre as Baby Bells, e hoje sobrevivem apenas quatro: Verizon, Bell South, SBC e Qwest. Pela lei das telecomunicações de 1996, elas são restritas à oferta de serviços nas suas regiões, até que atendam a certas metas operacionais. No caso deles, reconhece-se o monopólio local e exige-se a abertura das suas redes de acesso local para outras empresas concorrentes, especialmente na área de oferta de dados, por exemplo via ADSL. Estas metas não vêm sendo cumpridas de modo geral, mas, apesar disto, estas empresas gigantes começam a pressionar a FCC (a Anatel dos EUA) para abrir-lhes acesso ao mercado de telefonia de longa distância, entrando em concorrência direta com a antiga empresa-mãe-de-todas, a AT&T. Numa briga deste tipo, como no Brasil, as vantagens estão com as operadoras regionais. Inclusive, a iminente falência da WorldCom abre uma oportunidade de ir à luta, se a sua rede de telefonia (ex-MCI) for adquirida por uma destas operadoras regionais. Tem quem acha que a FCC precisa manter as regras demandando o cumprimento das metas de abertura das redes das operadoras locais, mas seu atual presidente, Michael Powell (filho do Secretário de Estado, Colin Powell) não inspira a confiança que isto ocorrerá.

No Brasil, a Anatel está agindo na justiça a favor da Telefônica (e a Telemar) contra a Embratel. Por outro lado, combate as pretensões da Telecom Italia, sócio da Brasil Telecom, que não cumpriu ainda suas metas de universalização. Por conta disto, a Telecom Italia Mobile (TIM) está sendo impedida de lançar seu novo serviço móvel em todo o país. No momento, a Telecom Italia está tentando ganhar no grito, alegando que já pagou muito pela licença de telefonia móvel e para instalar sua rede. Inclusive, já lançou em maio campanha publicitária pelo serviço, usando Ronaldinho como garoto propaganda. A briga está pesada.

Quem ganha e quem perde com esta situação? É evidente que os investidores nos papéis das empresas que faliram perderam seu dinheiro. No EUA isto até cria um problema social, pois muitas das ações estavam em poder dos próprios funcionários, como parte dos seus planos de aposentadoria. Estes infelizes perderam seu emprego e suas poupanças. Mas o problema é mais amplo, pois 99 em 100 norteamericanos são investidores em ações, normalmente através de fundos de investimentos e de aposentadoria. O declínio acentuado de valor das bolsas em geral, e das ações das companhias de telecomunicações em particular, afeta diretamente a poupança e as futuras aposentadorias da população, empobrecendo e assustando-a. Por outro lado, os ativos físicos continuam a existir e poder ser usados pelas sucessoras das empresas falidas, provavelmente beneficiando os futuros usuários por oferta de preços melhores, não pressionados por tantas dívidas. De certo modo teria tido uma privatização das perdas e uma socialização dos benefícios.

Isto supõe que seja mantido o regime de competição, o que pode depender de como será regulada a indústria das telecomunicações daqui em diante. Primeiro, é essencial evitar a volta do monopólio ou criação de cartel das operadoras, o que poderá ser combatido usando a legislação atual. O segundo fator é tecnológico: há muito tempo a regulamentação da indústria considera somente o serviço de telefonia, usando uma tecnologia específica, com a qual todos estamos familiarizados. Entretanto, esta tecnologia é relativamente cara e inflexível, e poderá hoje ser embutida em outros serviços mais abrangentes, por exemplo como um serviço pela Internet. A entrada em operação em larga escala de telefonia via Internet solapará as bases comerciais da telefonia atual. Se isto ocorrer poderá se tornar difícil justificar a manutenção do atual aparelho regulamentário, por sê-la quase irrelevante às necessidades. Só o tempo dirá.