Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2003       Página Inicial (Índice)    


23/02/2003
ICANN vem ao Rio de Janeiro

Já escrevi neste espaço várias vezes sobre a ICANN - Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, responsável em última análise para a administração de endereços IP e nomes de domínios, descrevendo suas origens como a solução para tirar o governo norte-americano do envolvimento direto desta administração, tendo sido ele substituído por uma organização não governamental, com representatividade internacional. Ao longo do ano 2000 descrevi o processo um tanto tumultuado da realização das primeiras (e últimas) eleições diretos pelos usuários da Internet de cinco dos dezoito diretores da ICANN, por um mandato de 2 anos a partir de novembro daquele ano. (Os demais diretores são eleitos indiretamente.) Entre os eleitos de 2000 estava o brasileiro Ivan Moura Campos, escolhido com os votos da América Latina e o Caribe.

A última vez que escrevi sobre a ICANN foi na coluna de 4 de março de 2002, quando foi apresentado o quadro de pressões, inclusive a reação negativa a este processo eleitoral, que levariam a ICANN a reformular sua estrutura organizacional, nesta altura já bastante adiantada. A nova estrutura torna indiretas todas as eleições para diretores, porém fingiu respeitar o processo eleitoral através da prorrogação dos mandatos dos diretores eleitos pelo voto direto em 2000. É notável que todos os cinco diretores que deviam seus cargos ao processo de eleição direta aceitaram a prorrogação dos seus mandatos.

Este processo de reorganização da ICANN pretende fazer mais do que apenas eliminar a eleição direta dos diretores - ele procura também promover a solidez e a independência financeira da entidade, através de uma espécie de imposto anual (de US$0,25) cobrado sobre a concessão de nomes de domínios. Adicionalmente tenta reforçar e aumentar o poder da ICANN de exercer controle sobre a administração da Internet. Um bom exemplo disto é a criação de novos nomes de domínio de mais alto nível. Estes nomes são de dois tipos: são os nomes de mais de duzentos países, todos de duas letras como .br do Brasil, e os nomes ditos genéricos, que têm três ou mais letras. Estes nomes genéricos são poucos, e até 2000, só havia quatro de uso geral: .com, .edu, .net e .org. A administração dos nomes .com, .net e .org foi repassada há vários anos para a empresa Network Solutions, adquirida depois pela Verisign, e se tornou um negócio muito rentável. Nos últimos anos a ICANN estendeu por vários anos esta concessão à Verisign no caso dos domínios .com e .net, mas transferiu .org à Internet Society. Em 2000 permitiu a criação de sete novos domínios genéricos, dos quais quatro são alternativas aos domínios tradicionais (.biz, .info, .name e .pro). Evidentemente, esta administração da escassez (tecnicamente desnecessária) de nomes genéricos tem conseqüências importantes no mundo dos negócios, e serve para demonstrar como a ICANN pode exercer o poder.

Neste ponto é talvez desejável comentar brevemente o papel complementar à ICANN exercido no Brasil pelo Comitê Gestor Internet (CGI) (www.cg.org.br), atualmente presidido pelo mesmo Ivan Moura Campos que é um dos diretores da ICANN eleitos em 2000. O CGI foi criado por portaria interministerial (MCT e Minicom) de 1995 e é composto de 12 membros nomeados pelos dois ministérios. Ele dita a nível nacional as regras de administração de nomes e endereços Internet, e tem como braço operacional o registro-BR (www.registro.br) criado e operado pela FAPESP desde 1989. O registro administra o domínio nacional .br, e cobra dos seus usuários uma taxa de administração para cada nome de domínio concedido. Comparado com a ICANN, o CGI mostrou muito mais imaginação do que a ICANN em criar nomes genéricos, de segundo nível, da forma XX.br, onde XX pode ser, alem dos tradicionais com, edu, net e org, uma entre 53 alternativas listadas em registro.br/info/dpn.html. Entretanto, diferente dos nomes genéricos da ICANN, cuja concessão foi terceirizada, no caso nacional a administração de nomes é um monopólio, sendo que os recursos arrecadados pela concessão dos nomes deverá reverter-se ao desenvolvimento da Internet no país.

Voltando à ICANN, deve-se notar que ela vive um certo tumulto, não apenas em função das querelas sobre a constituição da sua diretoria e sobre o impacto comercial das suas decisões, como também pela contestação do seu poder pelas entidades nacionais que administram os domínios nacionais de mais alto nível - os chamados ccTLDs. Em fevereiro do ano passado, o presidente da ICANN tornou pública sua visão de como a ICANN deveria ser reorganizado (www.icann.org/announcements/announcement-24feb02.htm). Em resposta os registros nacionais europeus, através da seu conselho CENTR, se manifestou propondo uma outra visão de como a ICANN deveria se relacionar com os administradores dos ccTLDs, rejeitando que a ICANN deve servir de um "super-registro para ccTLDs", que determinaria políticas globais para a Internet, pois ela não teria a legitimidade para tal, sendo hoje uma organização norte-americana (www.centr.org/docs/statements/approved-ICANN-response.html). O debate subseqüente tem animado as reuniões públicas da ICANN, por exemplo, a última reunião em China em outubro passado (www.theregister.co.uk/content/archive/27860.html), onde os administradores dos ccTLDs estavam pressionando para alterações na nova estrutura da ICANN para refletir a importância das suas vozes.

O último lance desta guerra surda ocorreu menos de um mês atrás, quando o governo norte-americano publicou de maneira bastante discreta a notícia que pensava em renovar por mais três anos seu acordo com a ICANN, dando 10 dias para receber propostas alternativas. Esta notícia caiu no conhecimento público seis dias depois, e no décimo dia o administrador do ccTLD britânico se manifestou propondo que fossem destacadas da ICANN certas funções pertinentes para os ccTLDs, avisando que o CENTR enviaria sua própria correspondência mais tarde (www.theregister.co.uk/content/6/29259.html). Nas palavras da revista que noticiou estes acontecimentos, "a Internet está a um passo da guerra".

Esta então será a ICANN que se reunirá num hotel de Copacabana entre os dias 23 e 27 de março (www.icann.org.br/rio/). As reuniões serão públicas e admissão é gratuita. Além dos participantes oficiais, haverá também a afluência ao Rio de grupos de interesses, bem como de observadores da mídia, especialmente a eletrônica (v. por exemplo o sítio www.icannwatch.org, dedicado a assuntos da ICANN). O evento do Rio também trará um curso (pago) de direito da Internet, do Instituto Berkman da Universidade Harvard, a ser oferecido juntamente com a Fundação Getúlio Vargas durante a mesma semana num outro hotel em Copacabana (cyber.law.harvard.edu/ilaw/brazil03/brazil.html). Este curso terá um corpo de professores do mais alto nível, incluindo Larry Lessig, hoje da Universidade Stanford (v. coluna de 17 de fevereiro de 2002). Por alguns dias, pelo menos, o Rio se tornará um dos pontos focais da Internet.

Michael Stanton (michael@ic.uff.br), que é professor do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense e também Diretor de Inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), escreve neste espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão disponíveis para consulta.