Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2004       Página Inicial (Índice)    


15/04/2004
Condomínios de fibras ópticas

Na coluna de 21 de março descrevemos como algumas instituições na comunidade acadêmica, nas cidades de Itajubá e Belém do Pará, poderão encontrar meios eficazes e relativamente econômicos para resolver suas necessidades de comunicação em rede através da montagem de redes metropolitanas utilizando infra-estrutura própria e dedicada de telecomunicações. Esta infra-estrutura consistiria de cabos de fibras ópticas e enlaces de rádio. Como o resultados desta abordagem são, ao mesmo tempo, melhorar substancialmente a capacidade do serviço e baixar os custos, é evidente que sua aplicação mais geral é de grande interesse social. Nesta coluna apontamos algumas experiências bem sucedidas de outros países, que apontam soluções para o nosso.

Antes de prosseguir, seria bom deixar claro que a ênfase principal nesta discussão é viabilizar o uso em escala metropolitana de conexões de altas velocidades: no mínimo a 100 Mbps, e potencialmente a 1 Gbps ou até 10 Gbps, utilizando tecnologias de rede local. Estas taxas de transmissão são economicamente inviáveis por rádio, exceto em distâncias extremamente curtas, de centenas de metros, no máximo. Portanto, o problema básico é criar uma infra-estrutura de cabos de fibra óptica que chegue aos locais de interesse. Estes podem incluir: prédios de instituições de interesse público (escolas, hospitais, repartições do governo), empresas e, em última análise, residências. (Embora a inclusão de residências parece ser ambiciosa, deve-se lembrar que vários serviços de comunicação, notadamente TV a cabo, já alcançam milhões de residências individuais no país com capacidade efetiva de centenas de Mbps.)

No esquema postulada para Belém do Pará, seria formado um consórcio de organizações, de educação superior ou de pesquisa, que construiria a infra-estrutura para atender suas próprias necessidades, apenas. As características do modelo mais amplo, que descreveremos a seguir, são de um condomínio, onde os condôminos contribuem sua parte para a construção da infra-estrutura comum, a qual poderá ser usada depois de pronta, ou vendida para terceiros que adquiririam todos os direitos do condômino original. O modelo de construção de prédio comercial em condomínio é bem apropriado, pois o uso feito por cada condômino da sua parte da infra-estrutura é mais governado por regras de bom senso do que por qualquer imposição técnica.

O condomínio de fibras normalmente cobrirá uma cidade inteira ou, talvez, alguns bairros de uma cidade grande. O objetivo é de se tornar útil para servir as necessidades de comunicação das instituições, empresas e residentes da sua área de cobertura. Em boa parte é assim que atua hoje uma operadora de telefonia local ou uma empresa de TV a cabo, procurando construir sua própria rede, que permita atender à clientela potencial na sua área de atuação. Porém, existe a seguinte diferença significativa entre estes dois exemplos e o caso do condomínio de fibras: neste último caso, os eventuais clientes de telefonia e de TV a cabo são tanto os donos (condôminos) da infra-estrutura como são as prestadoras dos serviços de telefonia ou de TV a cabo.

A chave ao entendimento do condomínio de fibras é que cada condômino adquire o direito de uso exclusivo de fibras individuais, para fazer com elas o que bem entende. Elas podem ser usadas, por exemplo, para interligar à sede todas as filiais de uma única empresa na cidade, ou para todas as residências de um determinado bairro se ligarem a um centro de conexões do bairro. No caso de prestadoras de serviços de telefonia ou de TV a cabo, elas podem ser usadas para levar estes serviços aos centros de conexões dos diferentes bairros. Estes centros de conexões são pontos neutros da rede de cabos, onde podem ser instalados equipamentos de comutação ou distribuição de sinais das prestadoras de serviços de telefonia, Internet e TV a cabo, que podem a partir deste ponto neutro atender aos seus clientes através das fibras pertencentes a estes.

É importante observar que este modelo de infra-estrutura condominial tem uma conseqüência de inequívoca importância: ela rebaixa a barreira que dificulta a verdadeira competição entre prestadoras alternativas do mesmo serviço. No modelo tradicional de telefonia local vigente no país, por exemplo, temos em cada cidade uma operadora de telefonia fixa "legada", sucessora da empresa estatal monopolista. Esta empresa herdou a rede de fios metálicos montada pela antiga estatal e usufrui dela em benefício próprio. Para que uma outra empresa concorre eficazmente com a "legada", terá que construir sua própria rede de fios atendendo aos mesmos locais que a primeira, ou recorrer ao uso de outra tecnologia de acesso, por exemplo rádio. Tem evidentemente um custo enorme reproduzir uma rede de cabos existentes, além de ser um uso pouco inteligente de recursos escassos. A alternativa às vezes usadas em certos países, mas com resultados duvidosos na prática, é a empresa "legada" ser obrigada pela agência reguladora de telecomunicações a ceder acesso a sua rede de fios para outras empresas concorrentes. No Brasil isto não chegou a ser experimentado, e as concorrentes sofrem muito da cobrança de "taxas de interconexão", quando prestam serviços de telefonia terminados no telefone acessível apenas pela rede de cabos de outra empresa de telefonia.

O modelo de condomínio modifica esta situação: nele os eventuais clientes são acessíveis através dos centros de fios, pontos neutros, para onde todas as prestadoras podem chegar com suas próprias fibras, obtidas através de participação no condomínio. Isto significa que poderíamos ter facilmente várias empresas de telefonia local concorrendo em igualdade de condições numa mesma cidade. O mesmo vale para prestadoras de serviço de TV a cabo.

Qual é a grande mudança aqui? É o reconhecimento que o negócio de telefonia ou de TV a cabo mistura duas atividades bem diferentes, que deveriam ser separadas: a construção e manutenção da infra-estrutura de cabos, e a prestação do serviço propriamente dito. Este último é prestado com utilização de equipamentos eletrônicos e ópticos, com ciclo de vida relativamente curto e em evolução constante, enquanto aquele envolve uma infra-estrutura passiva, com vida longa e de construção e manutenção de baixa conteúdo tecnológico. Por exemplo, ela necessita de obras civis para sua instalação, quando serão cavadas trincheiras para enterrar os cabos, ou fincados postes para suspendê-los, e ainda construídos ou identificados os abrigos para os centros de fios. Sabendo-se que um cabo de fibra óptica pode encapsular centenas de fibras, vê-se facilmente que os custos de implantação desta infra-estrutura de cabeamento podem ser rebaixados somente se forem compartilhados entre os futuros usuários destas fibras. E é este o grande motivo para realizar tais investimentos em condomínio.

Há quem argumenta que este compartilhamento seria a única maneira logicamente defensável de construir a infra-estrutura de cabeamento, pois, como outros serviços para a comunidade, como distribuição de água, energia elétrica e, talvez, gás de rua, todas consideradas "monopólios naturais", de modo geral somente existirá uma única rede de fibras ópticas que alcance toda uma cidade. Uma vez construída a primeira rede, vai ser muito complicado, além de logicamente desnecessário, construir uma segunda, por causa do alto custo do investimento requerido. Mas evidentemente não deveremos deixar que o "monopólio natural" da infra-estrutura de cabos seja a justificativa para existir um monopólio de serviços de comunicação, com todas as suas desvantagens para a qualidade do serviço e para o bolso do consumidor. Isto poderia ser evitado se o controle da infra-estrutura de cabos não fosse investido numa provedora de serviços de telecomunicações, e ao invés disto administrado por uma entidade neutra, quer seja do governo municipal, quer seja do condomínio dos usuários. Há quem ainda faz analogia entre a infra-estrutura de cabos e a infra-estrutura de ruas da cidade. Hoje, ninguém questiona que é dever do governo municipal manter em bom estado a malha de ruas urbanas, de uso universal para qualquer finalidade de transporte.

Como negócio, a construção de um condomínio de fibras ópticas precisa de capital, que poderá ser levantado dos condôminos que compram sua parte "na planta", antes do início da construção. Evidentemente será necessário um incorporador que prepare o projeto da futura rede de cabos, obtenha as licenças e permissões necessárias para sua construção, e execute a obra. O condomínio deverá incluir condôminos que sirvam de "âncoras" do empreendimento, por servir como pontos estáveis e garantidos na futura rede, mas seria admitida a adesão de qualquer interessado nesta forma de solução. São as âncoras que tornarão mais fáceis fazer deslanchar um projeto deste tipo, e estas poderiam incluir as instituições de interesse público e as grandes empresas da cidade, que não deveriam mudar de endereço a curto e médio prazos. Um empreendimento bem sucedido precisa de várias âncoras para dar o empurrão inicial.

Condomínios de fibra como descritos aqui começaram a brotar no mundo desde 1994. O primeiro caso, talvez o mais famoso, é a Stokab - empresa criada por e pertencente à cidade de Stockholm, capital da Suécia. A Stokab vem estendendo sua rede de cabos ópticos através dos diversos municípios no condado que inclui a cidade, e aluga o uso das fibras a eventuais clientes. A Stokab é explicitamente independente de empresas de telecomunicações e atende a estas de forma igualitária. Para maiores informações sobre a Stokab, v. www.stokab.se/templates/Page.asp?id=2051.

Nos últimos dez anos, o conceito vem sendo transplantado para outras cidades e outros países. Além de se espalhar no interior da Suécia, ele encontrou seus principais adeptos no Canadá e nos EUA. Como já tivemos oportunidade de comentar antes, Canadá é um país que abraçou com entusiasmo a revolução da Internet óptica, e sua rede acadêmica, CA*net, é tecnologicamente a mais avançada no mundo. O principal arquiteto e guru da CA*net, Bill St Arnaud, mantém um documento de perguntas freqüentes sobre rede de fibra óptica, com muita informação bem útil para quem quer entender do assunto. Este documento se encontra em www.canarie.ca/canet4/library/customer/frequentlyaskedquestionsaboutdarkfiber.pdf.

Várias cidades do Canadá já montaram seus condomínios de fibras. Nesse país, é reconhecido o papel central das escolas públicas como âncoras das redes de fibras, por várias razões. Primeiro, colocar as escolas na Internet de grande capacidade é reconhecida como passo fundamental para melhoria da qualidade do ensino das escolas. Em segundo lugar, as escolas formam pontos focais dos bairros residenciais, facilitando uma arquitetura de rede que pretende estender os cabos de fibra até as residências. Além das escolas, outras instituições que também servem de âncoras incluem os hospitais e universidades, além dos órgãos da administração pública. Em muitos destes casos, não foi necessário efetivamente lançar cabos em toda a cidade. Foi possível incorporar no projeto cabos de fibras lançados previamente por empresas que aderiram ao condomínio, ou que lhe aluga ou vende tais recursos. Entretanto, se a idéia for chegar próximo de todos os condôminos individualmente, às vezes é inevitável realizar alguma construção, pois os cabos tronco podem não passar na porta de todos os condôminos.

Nos EUA, tem cidades que abraçaram o conceito do condomínio de fibras com muito entusiasmo, especialmente em cidades menores. O exemplo mais visto, entretanto, é Chicago, onde a administração da cidade havia encaminhado a construção da CivicNet, uma nova rede municipal baseada no princípio do condomínio de fibras, que seria construída pela empresa que ganhasse a licitação pública para provimento durante 10 anos de serviços de comunicação para os prédios públicos da cidade. Isto incluiria os serviços de telefonia e dados de todas as agências municipais, os serviços de habitação e transportes, as 1600 escolas públicas e os colégios de terceiro grau, somando gastos anuais de mais de US$ 30 milhões. Este modelo iria munir a cidade de Chicago com uma infra-estrutura parecida com a da Stokab, sem envolver investimentos diretos. (v. lw.pennnet.com/Articles/Article_Display.cfm?Section=Articles&Subsection=Display&ARTICLE_ID=130648)

Entretanto, parece que o projeto inicial, feito no período da bolha das telecomunicações, até hoje enfrenta problemas financeiros, e ainda não saiu do papel, diminuindo um as perspectivas de estender a curto prazo os benefícios das redes de banda larga barata para os cidadãos dessa grande cidade. (v. www.chicagotribune.com/technology/chi-0304250359apr25,0,6360433,print.story?coll=chi-technology-hed)

Olhando mais para a frente, Bill St Arnaud da CA*net antevê um mundo no qual o usuário final controlará suas comunicações remotas através da transmissão de múltiplos feixes de luz, de cores diferentes ("lambdas"), na mesma fibra, cada um com a capacidade de vários gigabits por segundo. Como se sabe, um lambda atua como uma fibra virtual, a custo menor do que a fibra física, pelo menos para distâncias mais longas. Para St Arnaud, a arquitetura da rede do futuro deverá usar a comutação de lambdas nos pontos de encontros de fibras, e para cada conexão em uso existirá um caminho de luz próprio da origem ao destino pelo qual passará a informação sendo transmitida pelo usuário. Esta visão é admirável e certamente se tornará necessária a médio prazo, para lidar com grande aumento do número de usuários das redes novas.

O que poderá acontecer no Brasil? Este país já possui a tecnologia e a expertise para criar as redes descritas aqui, e já foram citados nesta coluna e na anterior exemplos existentes ou planejados de escala reduzida, para atender apenas as instituições de ensino superior e de pesquisa. A extensão dos benefícios para a sociedade mais ampla envolve uma mudança na maneira de prover serviços de comunicação, especialmente de banda larga. O modelo vigente premia as empresas "legadas" que tiram proveito, que será temporário, das suas redes de cabo metálico usando tecnologia ADSL (Velox ou Speedy), de forma monopolista, adiando o quanto for possível a introdução de infra-estrutura óptica nas suas redes, que é de alto custo, porque financiada sozinho por estas empresas. Não lhes passam pela cabeça realizar esta construção de infra-estrutura óptica em parceria com seus concorrentes e muito menos com os eventuais clientes, pois isto minaria sua posição de provedor predominante nos seus mercados. Vale o mesmo para TV a cabo. Somente mudará este cenário com adoção de uma posição firme dos governos, de incentivar positivamente o aparecimento do modelo alternativo, mais rico em benefícios para os usuários, que apresentamos aqui. Como demonstrado no exterior, é fundamental o papel do governo municipal no caso, que deverá encarar a área de comunicações da forma que encara a infra-estrutura de ruas pavimentadas que já fornece para o transporte urbana - um bem comum para servir a toda sua comunidade.