Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2004 Página Inicial (Índice)
21/03/2004
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O primeiro quilômetro
Na coluna de 3 de maio de 2003 foram descritas as novas maneiras de montar redes de comunicação de alta capacidade e de longas distâncias, utilizando transmissão de luz em cabos de fibras ópticas estendidos entre as cidades. Nesta coluna concentramos nossa atenção no problema complementar de fazer com que as conexões de alta velocidade cheguem até os destinatários finais, e vamos outra vez exemplificar as soluções buscadas no mundo das instituições de pesquisa e educação, que mantém-se na vanguarda do desenvolvimento das novas comunicações, embora seja facilmente extensíveis aos órgãos públicas e às empresas as soluções tecnológicas apontadas. Este problema de como realizar o conexão de acesso às instituições usuárias é tradicionalmente conhecido como da "ultima milha", pois da perspectiva das empresas tradicionais de telecomunicações com uma grande rede de centrais de telefonia, ele é encarado como a extensão final da sua rede ao usuário. Alguns autores preferem enxergar este problema do ponto de vista do usuário, e preferem o termo "primeiro milha" ou, como adotamos aqui, "primeiro quilômetro" por refletir a preocupação deste usuário em fazer sua comunicação chegar até a rede de longa distância que a leve até seus destinatários.
No caso de comunicação por fibra óptica, o ideal é ter uma fibra contínua, fim a fim, entre os pontos em comunicação, que permite que a luz injetada na fibra pelo origem chegue diretamente ao destino, sem precisar ser modificada ao longo do caminho. A continuidade destas fibras é criada pela realização de fusões e emendas ao longo do caminho, técnicas especializadas porém amplamente dominadas no mundo das telecomunicações. Tipicamente dá para transmitir sinais ópticos até uns 80 km sem nenhum tratamento especial. Este limite é devido à atenuação da potência do sinal. Para ir além desta distância ainda é possível amplificar o sinal por meios ópticos, sem interromper o feixe de luz. É possível alcançar distâncias da ordem de 800 km realizando sucessivas amplificações deste tipo, mas para ir além disto requer regeneração do sinal, que envolve converter o sinal óptico em elétrico, seu tratamento eletrônico, e a reconversão para óptico. Com regenerações deste tipo, não há limite às distâncias alcançáveis.
O primeiro quilômetro é problemático pois as empresas de comunicação interurbana tipicamente trazem seus cabos de fibra a apenas um ponto da cidade, que chamamos de "ponto de presença" da sua rede interurbana. Vencer o "primeiro quilômetro" significa manter o caminho de luz também entre este ponto de presença e o usuário final. Em alguns casos, as redes interurbanas pertencem às empresas tradicionais de telecomunicações, que também possuem extensas redes de fibra também dentro das cidades, que são suas chamadas "redes de acesso". Neste caso é relativamente simples para eles prover um caminho de luz fim a fim. Entretanto, devido à crescente diversidade no mundo das telecomunicações, há várias empresas novas que cuidam de comunicação interurbana e urbana e ainda outras que cuidam com apenas comunicação interurbana ou urbana. Em estes casos, as fibras ópticas de uma empresa serão estendidas (e fundidas) com as de outra para fornecer a continuidade necessária.
O que torna especialmente interessante a questão do primeiro quilômetro para comunicação a longa distância é que ela se mistura com outras necessidades de comunicação local dentro da cidade em questão. Por exemplo, é comum uma empresa ou instituição acadêmica estar instalada em diversos locais de uma cidade, e querer promover a boa comunicação entre todos estes locais, principalmente para finalidades internas. A maneira tradicional de resolver esta questão é o uso da rede de acesso do provedor tradicional de telecomunicações, que aluga o uso da sua rede urbana para atender a este cliente. Entretanto, estes operadoras tradicionais não têm o hábito de alugar apenas suas fibras ópticas apagadas a clientes, apesar do fato que esta solução seria o ideal para o cliente. Ao invés disto, sua visão de negócios é a venda de serviços, baseados em uso não apenas das suas fibras, como também dos seus equipamentos.
Nos tempos do monopólio de telecomunicações eles tinham a lei do seu lado, mas os tempos mudaram e o fim do monopólio permitiu o aparecimento do operador de serviço "limitado" de telecomunicações, para atender a uma comunidade fechada, por exemplo a sede e as filiais de uma única empresa. Baseado nesta oportunidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF) construiu sua própria rede de fibras ópticas em 1998, para interligar 12 locais por ela ocupados na cidade de Niterói, RJ (v. www.uff.br/rede-uff). Esta rede é usada hoje para suprir todas as necessidade internas de comunicação da instituição, incluindo a telefonia, e ainda permite acesso Internet de todos os prédios da universidade. Na cidade de Curitiba, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) fez a mesma coisa, e ainda incluiu em sua rede dois campi da universidade católica (PUC-PR), o campus da Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET-PR) e ainda uma empresa de tecnologia (CITS). Esta última rede foi criada como a Rede Metropolitana de Alta Velocidade de Curitiba (ReMAV-Curitiba) no final dos anos 1990, e hoje, com a adoção de tecnologia Gigabit Ethernet (GbE), é o primeiro exemplo de rede metropolitana de capacidade gigabit no país.
Uma rede metropolitana, ou simplesmente "rede metro", é uma iniciativa importante, porque, além de permitir a maior integração interna em alta capacidade das entidades a ela ligadas, permite também a interligação entre elas para fins de colaboração mútua e ainda a colaboração para que, juntas, elas podem vencer o primeiro quilômetro para chegar a um provedor de comunicação interurbana. Isto é especialmente importante para a comunidade acadêmica nacional, servida nacionalmente pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) desde 1992. Com o passar do tempo, a capacidade da rede da RNP tem aumentado sucessivamente, e em breve fará jus à dedicação de caminhos de luz para atender suas conexões interurbanas. Neste contexto, a rede óptica metropolitana complementa de forma natural e canônica a rede óptica interurbana, para permitir que as instituições acadêmicas usufruam dos benefícios da capacidade crescente disponível.
Os exemplos de Niterói e Curitiba já se tornam clássicos. Ao longo dos próximos meses será necessário estender a outras cidades os paradigmas e as lições destes. A tarefa de desenvolver e financiar tais projetos vai necessariamente envolver bastante trabalho, e é essencial que seja encarada pelas instituições beneficiárias como um projeto seu, que requer a energia do seu envolvimento e entusiasmo, e do qual virá uma recompensa adequada. Podemos mencionar duas cidades onde já foram identificadas estas condições necessárias: Itajubá, MG, e Belém do Pará.
Na cidade mineira de Itajubá, há duas instituições federais importantes: a Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), ambas das quais têm conexões de capacidade bastante pequena (1 ou 2 Mbps) à rede da RNP. Uma rede metro, nos moldes da de Curitiba, foi proposta no final dos anos 1990, mas o projeto não prosperou. As condições agora são mais favoráveis, entre outras razões por causa das necessidades de comunicação remota das suas instituições. Como foi mencionado na coluna de 13 de fevereiro, o LNA está intimamente envolvido, como secretaria nacional do projeto SOAR, com parcerias internacionais, de construir e operar um grande telescópio óptico no Chile. Por seu lado, a UNIFEI se envolve em diferentes acordos de cooperação a níveis nacional e internacional. Acrescentamos a isto o envolvimento das duas instituições federais com outras instituições públicas e privadas na cidade, e temos um solo fértil para a busca de uma solução coletiva, que ainda terá que encontrar uma forma adequada de vencer os primeiros 100 quilômetros (ou mais) para alcançar a rede da RNP, que hoje não passa pela cidade. O projeto da rede metro de Itajubá terá que levar em consideração estas duas facetas da questão.
Em Belém do Pará, a rede da RNP chega hoje à Universidade Federal do Pará (UFPA). Há diversos instituições públicas de pesquisa e educação na cidade, mas entre estas apenas a sede da UFPA e o campus do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) hoje têm boa conexões à rede da RNP, ficando de fora inclusive outros locais de ambos dentro de Belém. Está sendo estudada uma solução para interligar não apenas estas duas e suas dependências, como também a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), a Universidade do Estado do Pará (UEPA), o Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará (CEFET-PA), o Instituto Evandro Chagas da Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (IEC) e a sede regional da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Estas instituições, além de serem importantes ao nível nacional, também participam em atividades importantes de cooperação internacional para as quais seja de importância crescente a boa comunicação com os parceiros.
Tanto em Itajubá como em Belém, deverá ser contemplada o uso no projeto de fibra óptica própria onde apropriada, o que significa que o custo de instalar a fibra é justificável em termos das economias realizáveis ao longo da vida útil da rede, algo em torno de 20 anos. Como já foi demonstrado no caso da rede metro de Curitiba, inicialmente montada com equipamentos ATM de 155 Mbps, a capacidade de uma rede metro próprio pode ser aumentado substancialmente com a atualização dos equipamentos usados, sem aumentar o custeio da solução. Em casos onde não é financeiramente viável construir um acesso em fibra, há várias alternativas através de enlaces de rádio (vide, por exemplo, a coluna de 23 de março de 2003), e há muitas situações nas quais estas são bem adequadas.
As redes metro descritas aqui representam mais um passo na direção de reorganização das telecomunicações para incorporar novas tecnologias de comunicação e a prestação de novos serviços ao usuário final. Nesta coluna concentramos nossa atenção no usuário final que é instituição de ensino e pesquisa. Voltaremos ao tema, ampliando o leque de envolvidos e beneficiários.
Michael
Stanton (michael@ic.uff.br), que é
professor do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense e também
Diretor de Inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), escreve neste
espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação
e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão
disponíveis para consulta.