Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2004 Página Inicial (Índice)
03/05/2004
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Competição no mercado de telecomunicações
Creio não ter sido o único observador preocupado com a recente venda da Embratel, resultando aparentemente com a compra pela Telmex, empresa mexicana, havendo vencido neste concurso o consórcio Calais, liderado pela pequena empresa Geodex, com a participação significativa das três grandes operadoras de telefonia fixa no país, a Telemar, a Telefonica e a BR-Telecom. Embora não tenha sido tornado público o conteúdo de todos os acordos entre as empresas parceiras no consórcio Calais, sabe-se que era intenção retalhar em várias a atual empresa Embratel. As preocupações da maioria dos observadores da iniciativa do consórcio Calais eram em respeito da desconfiança das segundas intenções das grandes operadoras, geralmente imaginadas serem de eliminar Embratel como concorrente para os mercados em que todas as estas quatro empresas atuam: telefonia local e de longa distância, acesso Internet e o mercado corporativo.
Sem a Embratel, cada uma das três teles fixas sofreria menos competição em sua própria região territorial, e voltaríamos efetivamente a um efetivo monopólio das telecomunicações, pelo menos na telefonia, como nos velhos tempos da estatal Telebrás. Este monopólio seria informal e privado, ao contrário do formal e público da Telebrás, e calcado em cima de um acordo de não agressão mútua entre as 3 empresas de telefonia fixa, com cada uma confinando suas atividades primariamente à área da sua concessão. Seria assim materializado o pesadelo dos críticos do processo de privatização realizada há tão poucos anos, de converter um monopólio estatal em um monopólio privado.
Por coincidência ou não, há uma semana a Folha de S. Paulo deu grande cobertura ao vazamento do conteúdo de um documento encontrado numa busca policial de um dos escritórios do grupo Telefonica, onde eram discutidas eventuais benefícios da eventual compra da Embratel pelo consórcio Calais, pela "redução ou eliminação dos descontos das tarifas da Embratel, principal concorrente das três teles". O alarde provocado pelo furo da Folha foi tanto que até o ministro José Dirceu comentou publicamente o caso, assegurando existir órgãos competentes para combater o risco da formação de um cartel das empresas do setor para lesar os interesses do consumidor. Nas suas palavras, "Não haverá, tenho certeza, risco de cartel porque as autoridades tomarão medidas para acautelar o País" (v. www.estadao.com.br/economia/noticias/2004/abr/26/40.htm). De qualquer maneira, a Embratel acabou sendo vendida para a Telmex, evitando ao menos em este momento sua sujeição aos interesses das empresas de telefonia fixa (v. www.estadao.com.br/rss/tecnologia/2004/abr/27/221.htm), e o governo resolveu investigar denúncia feita em março pela Embratel de formação de cartel por estas empresas (v. www.estadao.com.br/rss/tecnologia/2004/abr/28/173.htm).
Pessoalmente estou convencido de duas coisas: primeiro, a competição no mercado das telecomunicações é arma excelente de proteção dos interesses do consumidor; segundo, que existem características especiais do mercado das telecomunicações que não permitem a plena competição ocorrer sem adequada regulamentação do mercado. Discutiremos ambas teses aqui.
A primeira é bastante evidente, pelo menos da experiência geral dos últimos anos quando foi liberada a competição nas áreas de telefonia móvel, de longa distância e internacional, cujas conseqüências são sentidas por muitas pessoas. Para os consumidores corporativos, houve declínio de preços ou aumento de serviços, ou ambos, na área de comunicação de dados, contribuindo para um melhor valor para os gastos. O mesmo vale para serviços 0-800. Nestes setores de telecomunicações, houve claro benefício para os consumidores corporativos da competição entre os provedores dos serviços. Provavelmente a principal área sem esta competição forte seja na área de telefonia local, onde as mesmas três operadoras já identificadas, Telemar, Telefonica e BR-Telecom, herdaram para uso exclusivo as redes de cabos atendendo aos usuários de telefonia local, que foram construídos ao longo dos anos do monopólio estatal às custas dos investimentos destes mesmos usuários. Em este caso, o monopólio estatal se tornou um monopólio privado destas três empresas, dificultando de sobremaneira a efetiva e saudável concorrência no provimento do serviço de telefonia local, e outros serviços decorrentes dele, tais como o serviço Internet de faixa larga via a tecnologia ADSL (Speedy ou Velox).
Este fenômeno não é limitado ao Brasil. A situação aqui não difere tanto da situação dos EUA, onde até 1984 a telefonia foi majoritariamente o monopólio privado, porém regulado, do Sistema Bell. A Justiça norte-americana mandou dissolver o Sistema Bell, que foi decomposto em uma empresa de telefonia de longa distância (AT&T), e várias RBOCs (Regional Bell Operating Companies), responsáveis pelo serviço de telefonia local. Esta divisão deve ter servido de modelo para a decomposição do monopólio estatal daqui na década passada, com a separação entre Embratel e as teles fixas.
Atualmente, depois de várias fusões, sobrevivem apenas 4 RBOCs: Qwest, SBC, Verizon e BellSouth. Lá, como aqui, tentam fazer com que nasçam provedores concorrentes para o serviço de telefonia local, mas, como aqui, as RBOCs "incumbentes" contam com o controle das redes de cabos até os usuários. Deve ser dito que a FCC, o órgão regulador de telecomunicações nos EUA, definiu regras abrindo às empresas concorrentes das RBOCs estas redes de cabos, mas as RBOCs estão contestando estas regras na justiça comum, com razoáveis perspectivas de sucesso. Por serem empresas extremamente grandes e financeiramente sólidas, as RBOCs, outra vez como nossas teles, podem usar e abusar de advogados para defender seus interesses.
Pior, parece que as 4 RBOCs estão agindo de forma discriminatória para alcançar seus objetivos de reduzir a competição para o serviço de telefonia local. Pelo menos esta é a forte sugestão feita por alguns observadores (v. www.americasnetwork.com/americasnetwork/article/articleDetail.jsp?id=91547), veementemente negada por porta-vozes das acusadas. Por ser um assunto carregado politicamente, os sinais são mais sutis, mas reconhecíveis para observadores do nosso mercado nacional, e incluem a oferta de serviços a concorrentes a tarifas que excedem os preços ao consumidor (compare com as "tarifas de interconexão" cobradas pelas teles para completar chamadas interurbanas ou para acesso discado à Internet). Mas o sinal mais chamativo, segundo os críticas dos EUA, é a falta de competição entre as próprias RBOCs para o mercado de telefonia local. Lá, como aqui, as RBOCs são empresas eminentemente regionais, tendo herdado pedaços separados da grande rede de acesso local do Sistema Bell. Esta falta de competição entre elas para o serviço de telefonia local tende apenas a perpetuar o status quo, e a sobrevida de todas elas.
O fato que as empresas brasileiras de telefonia fixa tendem a se comportar como suas primas norte-americanas não deve ser interpretado como uma conspiração internacional, apenas como a reação normal de autodefesa dessa classe de empresas. O que funciona lá, também funciona aqui mais ou menos da mesma forma, pois o clima regulatório é parecido. Se quisermos alterar as características do nosso mercado, será necessário alterar as regras do jogo, ou da forma da Anatel agir, o que é quase a mesma coisa.
Nos
EUA, a telefonia fixa das RBOCs está sofrendo outra concorrência, através de
provedores Internet via TV a cabo e de conexão por rádio (fixo e móvel). A
modalidade de telefonia Internet (VoIP) acabará permitindo que a compra de
serviço Internet ou TV a cabo incluirá de graça um serviço de telefonia.
Discutimos na coluna de 15 de abril como todos estes serviços poderão ser prestados usando
novos recursos de comunicação que independem das redes de cabos das provedores
tradicionais de telefonia fixa - as chamados condomínios de fibra óptica.
Mostramos nessa coluna que estes recursos tendem a facilitar a entrada de novos
provedores de todo tipo de serviço de telecomunicações, o que tende a favorecer
o consumidor. Espera-se que o governo de modo geral, e a Anatel em particular,
continue zelando pela manutenção de competição saudável no mercado das
telecomunicações.