Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2005 Página Inicial (Índice)
24/05/05
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A largura da banda larga
No início, quando começou-se a usar o termo "banda larga", supostamente ele significava uma capacidade de comunicação inalcançável usando uma linha telefônica comum equipada com modem, ou seja, mais que 56 kbps. Desta forma, a tecnologia corrente de banda larga no país é a ADSL, que permite usar o mesmo cabo da linha telefônica comum, só em outra faixa de freqüências, permitindo prover capacidade de 256 kbps ou talvez 512 kbps, hoje oferecida por tais serviços como Speedy da Telefônica e Velox da Telemar. Com esta capacidade, é possível realizar muitas atividades que envolvem uso da Internet, por exemplo, realizar carga com relativa facilidade de arquivos de múltiplos megabytes, usar serviços de telefonia Internet como o Skype ou escutar música ou programas de rádio transmitidos por serviço de "streaming". (Streaming é a técnica de transmitir áudio ou vídeo de maneira que a mídia pode ser "visualizada" em tempo real no destino, enquanto ainda continua sendo recebido. Aplicativos como Real Player e Windows Media Player admitem este modo de funcionamento.)
Entretanto, permanece inviável usando estas taxas de comunicação aproveitar os grandes coqueluches da Internet de hoje - a transmissão de vídeo de boa qualidade por serviço de streaming e o uso de videoconferência, com o mídia visual também de boa qualidade. Isto tanto poderia servir para fins de entretenimento, como para atividades profissionais que requerem a participação visual remota, por exemplo, na participação a distância de médicos em procedimentos diagnósticos ou cirúrgicos. Para tanto é necessário um acesso à rede de capacidade de vários megabits por segundo. Para a qualidade de imagem da TV comum serviria um acesso a 2 Mbps, para TV de alta definição, seria necessário pelo menos 20 Mbps. Se for desejado receber múltiplos fluxos de vídeo simultaneamente, precisaria desta capacidade para cada fluxo individual. Deve-se notar que isto tanto poderia ser para um único equipamento na ponta, mas seria mais usual para atender a vários equipamentos, de pessoas diferentes, compartilhando a mesma conexão de acesso à Internet, como no caso de várias pessoas na mesma casa ou escritório vendo vídeos diferentes ao mesmo tempo.
Evidentemente, para viabilizar o uso amplo de vídeo de boa qualidade, será essencial aumentar substancialmente a capacidade das conexões de rede além dos 256 kbps do serviço ADSL de hoje. Felizmente isto é tecnologicamente possível e bastante comum no caso de acesso à Internet feito por empresas. Embora 2 Mbps continua sendo um teto comum para empresas menores, a tendência é aumentar este limite. Consideremos as universidades, que no Brasil tradicionalmente utilizam uma rede própria desde o início dos anos 1990. Embora a grande maioria destas instituições utilizem conexões de até 10 Mbps, está se tornando comum em áreas metropolitanas o uso de taxas de 100 Mbps ou 1 Gbps. Isto é possível devido ao uso de fibras ópticas em lugar das conexões tradicionais de cobre ou de rádio, junto com a tecnologia Ethernet, originalmente desenvolvida para montar redes locais.
A rede experimental do Projeto GIGA, inaugurada nos estados do RJ e SP em 2004, fornece acesso a 18 instituições com taxas de 1 Gbps, e o usuário final desta rede tem no seu laboratório um acesso a seu computador em 100 Mbps, que corresponde a 400 vezes a taxa típica de uma conexão ADSL (v. coluna de 9 de maio de 2004). Isto permitiria, por exemplo, suportar até 5 fluxos simultâneos de TV de alta definição. As tecnologias usadas nesta rede experimental já estão migrando para a rede de produção que atende às universidades, com a instalação a partir do segundo semestre deste ano de redes ópticas metropolitanas em todas as capitais de estado no país, abrindo aos professores, pesquisadores e alunos das instituições localizadas nestas cidades o acesso nestas taxas elevadas (v. coluna de 24 de janeiro).
Devemos perguntar se esta qualidade de atendimento será restrita apenas às universidades. O que facilita atender a esta comunidade de usuários é sua relativa concentração. É mais fácil atender bem a grupos de usuários fisicamente concentrados, pois isto diminui o custo da infra-estrutura de cabos necessária. Entretanto, as operadoras de telecomunicações há vários anos estão estendendo o alcance da suas malhas de fibra óptica em todas as cidades e em muitos casos poderiam atender aos usuários em geral, tanto comerciais como residenciais, da mesma forma, se necessário. Estes usuários também são concentrados, pelo menos nas cidades grandes, em prédios comerciais e residenciais que podem acomodar até várias centenas de empresas ou apartamentos. Uma conexão em fibra óptica até um prédio destes poderia prover um acesso a 10 Mbps, 100 Mbps ou até 1 Gbps para cada um dos seus ocupantes.
Isto não é fantasia. Serviços desta natureza já estão sendo oferecidos comercialmente em alguns países, especialmente na Ásia. No Japão, a operadora NTT desde 2004 oferece um serviço FTTH (fibra até a residência) com acesso a 100 Mbps pelo preço mensal de 4.700 ienes, ou seja, em torno de R$ 110. Em Hong Kong, a operadora HKBN (Rede de Banda Larga de HK) acaba de lançar serviço de 1 Gbps à residência por um preço mensal de US$ 215, que hoje valem aproximadamente R$ 525. A mesma empresa já oferecia serviço a 10 Mbps por US$ 16 (R$ 39) e a 100 Mbps por US$ 34 (R$ 83) (v. www.convergedigest.com/Bandwidth/newnetworksarticle.asp?ID=14545). Segundo a reportagem, 40% das residências em Hong Kong já possuem acesso FTTH que possibilite estes serviços.
Eu creio que não vai tardar muito para serviços desta natureza começarem a aparecer em nossas cidades. Se demorar será porque as empresas de telecomunicações vão considerar este mercado desinteressante, mas acho que isto não vai acontecer por várias razões, relacionadas à maneira de usar as comunicações. Até hoje, as empresas de telefonia fixa (Telefônica, Telemar e Brasil Telecom) têm como seu ganha pão o serviço de telefonia, que herdaram do antigo monopólio da Telebrás quando esta estatal foi privatizada. Entretanto, o serviço de telefonia não é mais monopólio e as empresas de telefonia fixa precisam concorrer, especialmente no mercado corporativo e, de forma crescente, no residencial. Ao mesmo tempo a telefonia local está migrando para o uso do celular, um mercado altamente competitivo, pelo menos nas grandes cidades. Finalmente, a telefonia de longa distância e internacional está encontrando a concorrência de VoIP (voz sobre Internet), que permite conversar sem custo entre dois usuários de computador, usando um serviço como do Skype (www.skype.com), e a custos módicos, mesmo quando um ou ambos usuários estão usando um terminal de telefone convencional.
Em busca de um modelo estável de receita futura, as operadoras precisam aumentar o leque de serviços prestados, que não pode mais se limitar à telefonia. Enxerga-se como alvo desejável o "triple-play", onde uma mesma empresa oferecerá o acesso para voz, Internet e vídeo através de uma conexão única de "faixa larga". O vídeo no caso incluiria, entre outras alternativas, o serviço de TV. Seria uma alternativa à TV por radiodifusão ou à TV a cabo. Por sua vez, as empresas de TV a cabo já entraram no provimento de serviço Internet (Virtua, @jato), e já possuem redes de cabos razoavelmente extensas em muitas cidades, concentrando-se nos prédios residenciais. Há uma briga boa pela frente aqui.
Novidade recente foi o grito de alarme contra as operadoras de telecomunicações levantado pelas emissoras comerciais de TV na recente conferência da ABERT - Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (www.abert.org.br). Nesta ocasião, um dos vice-presidentes das Organizações Globo atacou a convergência tecnológica nas telecomunicações, taxando-a como "algo inventado por engenheiros", que representa uma ameaça predatória ao modelo de negócio do setor. Na verdade, a mesma reclamação contra os engenheiros também poderia ter sido (e provavelmente foi) feita pelas empresas de telefonia a respeito do surgimento da Internet e de VoIP. Cada inovação tecnológica ameaça os negócios montados na base da tecnologia ultrapassada. Devemos por esta razão parar de inovar?
No caso da ABERT, no seu discurso o vice-presidente das Organizações Globo alegava que as novas tecnologias também traziam embutidas ameaças à soberania nacional, pois as empresas de telecomunicações são em grande parte controladas por capital estrangeiro, enquanto as emissoras de rádio e TV são necessariamente brasileiras por preceito constitucional (v. www.aesp.org.br/noticias_envia.asp?id=13172). Para resolver esta questão, sugeriu que as empresas de telecomunicações se limitassem a prover infra-estrutura de comunicação, deixando o conteúdo por conta das emissoras. Esta separação entre infra-estrutura e conteúdo tem apelo, porém o mercado não sempre funciona assim, por exemplo, a disponibilidade dos canais de TV por assinatura é diretamente relacionada à escolha da empresa que instala este serviço em sua casa. A Net, empresa das Organizações Globo, até hoje não distribui certos conteúdos nas suas redes de TV a cabo. Por outro lado, oferece serviço Internet, possibilitando uso de VoIP em concorrência direta com as operadoras de telefonia.
Voltando à "faixa larga", vemos que este termo tem significado mutável, tal como
"alta velocidade" ou "alta definição", que mude de acordo com as possibilidades
da última geração de tecnologia usada para provê-la. Como mudam sempre a posição
do gol, é sempre bom certificar-se quantitativamente o significado da expressão.