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Márcia Furukawa Couto |
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Em 1804, Troxler descreveu fenômeno no qual
um objeto estacionário no campo visual periférico desaparece após alguns
segundos de fixação e reaparece imediatamente caso haja movimento ocular
(figura 2).
Tem sido postulado que o efeito de Troxler ocorra em duas etapas:
(i) inicialmente com a quebra ou adaptação das bordas do objeto estacionário;
(ii) em seguida com o preenchimento perceptual, ou seja, a invasão do padrão
visual circundante para dentro da área do objeto, por interpolação neuronal.
Esse processo é atribuído ao córtex cerebral (Ramachandran et al., 1993) (Safran
e Landis, 1998), sem relação direta com o processo de adaptação de
fotorreceptores retinianos ou pós imagem (Déruaz et al., 2004) (Stürzel e
Spillmann, 2001).
Figura 2
Um modelo experimental baseado no efeito Troxler foi aqui escolhido para
estudar parâmetros de preenchimento perceptual.
Essa escolha deve-se:
(i) à suposição de que o desaparecimento do objeto estacionário periférico
ocorra pelos mesmos mecanismos neurais presentes no preenchimento perceptual,
apesar de não o ser de modo instantâneo tal qual o preenchimento no ponto cego
e as ilusões mostradas na figura 1; e
(ii) à simplicidade do modelo, que é ao mesmo tempo um poderoso instrumento de
investigação, permitindo infinita variação de parâmetros visuais.
Esse modelo experimental foi descrito e utilizado inicialmente por
Ramachandran e Gregory (1991). Consiste na criação de imagem em tela de
computador com um padrão predominante (de textura, cor e/ou brilho) e em algum
ponto da mesma é inserida uma lacuna, ou seja, o padrão está ausente.
Ramachandran e Gregory apelidaram essa lacuna de escotoma artificial. Após
alguns segundos de fixação estabilizada voluntariamente ocorre o preenchimento
do escotoma artificial pelo padrão circundante, fenômeno cuja latência é
influenciada por características da imagem tais como tamanho do escotoma,
excentricidade em relação à fixação, bordas, cor, brilho (De Weerd et al.,
1998), contraste (Sakaguchi, 2001).
A estabilidade da imagem na retina é fundamental para que ocorra o
preenchimento perceptual. Os escotomas gerados pelo disco óptico e pela trama
vascular retínica não são percebidos porque são naturalmente estabilizados na
retina. Nos experimentos com escotomas artificiais, qualquer movimentação
ocular acarreta a movimentação das bordas da imagem projetada na retina,
dificultando ou até impedindo o preenchimento. Aliás, os constantes movimentos
oculares involuntários sacádicos e de refixação são necessários para manter o
funcionamento da visão (Riggs et al., 1953).
Apesar desta dificuldade, o preenchimento de cores em imagens foveais e
parafoveais foi investigado em alguns trabalhos que utilizaram meios
artificiais de estabilização da imagem, como a montagem de lentes de contato
sobre a córnea (Riggs et al., 1953; Krauskopf, 1963), a utilização de flashes
em diferentes formatos para estudar a pós-imagem (Paradiso e Nakayama, 1991) e
sofisticados sistemas de “eye tracking” (Nerger et al., 1993).
Outro recurso utilizado para facilitar o preenchimento foi a produção de
escotomas artificiais com bordas borradas e de baixo contraste (Friedman et
al., 1999). Mas se o escotoma artificial é apresentado fora da área parafoveal,
a fixação e estabilização voluntárias são suficientes para que o preenchimento
ocorra em alguns segundos, desde que seja oferecido um ponto de fixação (Ramachandran
e Gregory, 1991).
O mecanismo neurofisiológico responsável pelo preenchimento perceptual é ainda
desconhecido, mas já existem vários trabalhos psicofísicos com resultados que
permitem suposições a esse respeito. Em um experimento realizado através de
registro eletrofisiológico direto em córtex visual extraestriado de macacos,
foram obtidas fortes evidências de que o preenchimento perceptual é um
fenômeno neural ativo. Os macacos foram treinados e monitorados para manter a
fixação estável, e durante o preenchimento foi observado aumento de atividade
de células de áreas visuais V2 e V3 situadas em área correspondente ao
escotoma artificial (De Weerd et al., 1995).