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Márcia Furukawa Couto |
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Em outros trabalhos eletrofisiológicos foram
estudadas, também em macacos, respostas de células do córtex visual primário (V1)
correspondentes à mancha cega (Komatsu et al., 2000; Fiorani et al., 1992).
Foram apresentados estímulos visuais estabilizados, de tamanho suficiente para
cobrir e ultrapassar a área da mancha cega. Verificou-se que são os neurônios
da camada 4 e 6 que respondem aos estímulos durante o preenchimento
perceptual. São em sua maioria neurônios com campos receptores binoculares
grandes que se estendem para fora da área da mancha cega. Neste caso, têm
preferência por estímulos maiores e exibem seletividade para cores (Komatsu et
al., 2000). A utilização de máscaras fora da área correspondente à mancha cega
induz a interpolação de campos receptores demonstrando atividade celular do
preenchimento perceptual (Fiorani et al., 1992).
Ainda em macacos, foram produzidas lesões retínicas monoculares por
fotocoagulação a laser. Em apenas dois dias, após a lesão, já foi possível
detectar o preenchimento perceptual do escotoma assim induzido. Foi feito
também o mapeamento em V1 da área correspondente ao escotoma, não tendo sido
encontrada qualquer diferença na organização retinotópica em comparação com
áreas normais. Concluiu-se com isso que o sistema visual possui mecanismos que
permitem o preenchimento perceptual de áreas retínicas danificadas após o
nascimento e que para isso não há necessidade de reorganização topográfica em
V1 (Murakami et al., 1997).
Uma outra evidência de que o preenchimento perceptual seja produto de
processamento neural ativo ocorreu em experimento baseado no escotoma
artificial, em que se utilizou tela de computador com ruído de fundo dinâmico,
constituído de pontos em movimentação aleatória, e um quadrado cinza inserido
na tela. Durante o experimento, os indivíduos fixaram o centro da tela, e o
quadrado cinza foi colocado a uma distância do ponto de fixação que variou
entre 12 e 23 graus. Ocorreu então o preenchimento da área do quadrado com os
pontos em movimento. Em seguida, foram retirados os pontos, ficando a tela
toda cinza, da cor do quadrado. Para os indivíduos testados, a sensação de
pontos em movimento persistiu por alguns segundos na região onde havia
ocorrido o preenchimento, mesmo após terem sido desligados todos os pontos da
tela. Este resultado, representado por uma pós imagem complexa, sugere
atividade neural persistente (Ramachandran et al., 1993).
A localização desta atividade neural parece ser o córtex visual, como foi
evidenciado em testes utilizando linhas com orientação definida. Indivíduos
testados relatam persistência das linhas na região do escotoma artificial.
Considerando que a retina e o corpo geniculado lateral não são seletivos para
orientação (Wurtz, 2000), esta pós imagem de preenchimento deve ocorrer em
algum local do córtex visual. Evidência adicional para esta teoria foi obtida
com testes em dois indivíduos portadores de escotomas produzidos por
fotocoagulação a laser. Estes pacientes fixaram uma tela com pontos em
movimento durante 20 segundos e em seguida olharam para uma tela homogênea de
cor cinza e relataram a persistência de pontos movimentando-se nas áreas
correspondentes aos escotomas do laser, durante vários segundos (média de 9.4
segundos). Como esses pacientes não possuem retina nas áreas fotocoaguladas, é
provável que a pós imagem preenchida ocorra por atividade cortical (Ramachandran
et al., 1993).
Durante o preenchimento observado em escotomas artificiais, as informações
sobre a área preenchida não são completamente suprimidas. Mesmo quando a
imagem foi completamente apagada do consciente, percebe-se a introdução de
novas características do estímulo. Se a área do escotoma artificial diminuir
de tamanho ou mudar de lugar, este se torna novamente visível e leva alguns
segundos para ser preenchido pela segunda vez. Se um ponto colorido menor que
o escotoma é introduzido, o ponto passa a ser visto sem interferir no
preenchimento do restante do escotoma. Se dois parâmetros diferentes são
utilizados desde o início, tais como cor e pontos em movimento, verifica-se
que ocorre primeiro o preenchimento da cor e mais tardiamente o preenchimento
dos pontos em movimento. A utilização de variados parâmetros no estudo de
preenchimento de escotomas artificiais com respostas em tempos diferentes para
cada parâmetro leva a crer que canais neurais separados seriam responsáveis
por estas diferenças (Ramachandran e Gregory, 1991).
Nos três experimentos aqui realizados foram investigados os seguintes
parâmetros: (i) variação angular de estímulo acromático, com escotoma
artificial e fundo da tela na cor cinza com diferença de brilho entre eles; (ii)
variação estereoscópica do escotoma artificial que foi produzido na forma de
anaglifo; e (iii) variação de cores e excentricidade do escotoma artificial,
cujas cores foram escolhidas para testar os canais de oponência cromática, que
são processados pelos canais parvocelular (verde/vermelho), koniocelular
(azul/amarelo) e magnocelular (acromático). Em todos os experimentos foram
comparados dois grupos de indivíduos, os tricromatas e os dicromatas. Foram
comparados ainda resultados obtidos entre campo visual superior e inferior,
área perifoveal e perimacular.