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Considerações sobre os Efeitos à Saúde Humana da Irradiação Emitida por Antenas de Estações Rádio-Base de Sistemas Celulares (2) |
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Autores: Maurício Henrique Costa Dias e Gláucio Lima Siqueira |
II.
Efeitos Biológicos Conhecidos e Recomendações de Níveis de Segurança
II.1.
Efeitos conhecidos da irradiação não-ionizante
A irradiação de campos eletromagnéticos é classificada como ionizante ou não-ionizante. O primeiro grupo corresponde a campos em freqüências mais elevadas que as das emissões de luz, como por exemplo os raios gama e os raios-X. Elas são ditas ionizantes por possuir energia suficiente para quebrar ligações químicas. É desta forma que os raios-X podem danificar o material genético das células, levando a doenças como o câncer. Em freqüências mais baixas, nas quais as microondas se incluem, isto não acontece, daí elas serem chamadas de não-ionizantes [5].
Os mecanismos de interação dos campos eletromagnéticos não-ionizante com sistemas biológicos pode ser agrupado em dois grandes tipos: efeitos térmicos; e efeitos não-térmicos, dependendo se eles são atribuíveis à deposição de calor (térmicos) ou à interação direta do campo com a substância do tecido, sem componente de aquecimento significativa (não-térmico ou atérmico) [4]. O efeito biológico mais aparente nas freqüências de microondas é o térmico.
Os efeitos térmicos surgem diretamente do aquecimento do tecido, como resultado da absorção de campo eletromagnético em um meio dissipativo. Parte da potência é refletida pela pele, e parte penetra, dissipando-se rapidamente com a profundidade [1]. Tal absorção deve-se principalmente ao movimento dos dipolos de água e de íons dissolvidos. A proporção de água é um importante parâmetro na determinação das propriedades dielétricas do tecido. A taxa com que o corpo humano absorve energia eletromagnética varia com a freqüência, mas pelo menos numa faixa que inclui a dos celulares esta variação é mínima. Por sua vez, a resposta térmica de um corpo depende: da taxa específica de absorção (SAR); da cobertura do corpo; do sistema termo-regulatório; da condição fisiológica; do meio ambiente; e no caso de irradiação apenas sobre uma parte específica do corpo, da vascularização naquela região. Sob circunstâncias normais, os vasos sanguíneos se dilatam e o aquecimento é removido pela corrente sanguínea. Portanto, o risco principal de dano térmico se concentra nas áreas de baixa vascularização [4], como os olhos e a têmpora.
De fato, o órgão mais suscetível a um dano por efeito térmico é a lente ocular. Sendo composta por uma proteína similar a albumina dos ovos, ela fica brancaquando aquecida, formando catarata. Este efeito é de interesse particular para alguns profissionais que operam transceptores portáteis em que a antena fica muito próxima aos olhos [4]. Pesquisadores médicos concordam que a formação de catarata poderia ser induzida por aquecimento se uma SAR de 100 W/kg fosse medida continuamente por mais de 100 min [1]. Queimaduras externas ou internas, exaustão e choque térmico são outros efeitos térmicos conhecidos que ocorrem apenas sob exposições de alta intensidade [5].
Entretanto, as taxas a que os usuários
de telefones celulares estão submetidos estão muito abaixo disto, seja pela
irradiação emitida pelo aparelho, seja pela emitida pelas ERB. Mais
especificamente, os dois casos que deram margem aos questionamentos em geral
sobre os efeitos da irradiação são: a irradiação emitida localmente sobre a
cabeça de um usuário por seu terminal em conversação; e a irradiação
recebida pelo corpo inteiro de uma pessoa qualquer que fique muito próxima da
direção principal de irradiação de uma antena de uma ERB. A primeira situação
é a mais estudada, por ser obviamente muito comum, e por apresentar os maiores
valores de taxa de absorção. Porém, ambas são tratadas nas diretrizes e
recomendações de exposição em níveis seguros desenvolvidas
internacionalmente.
II.2.
Recomendações de níveis de exposição seguros
As normas de exposição internacionais são elaboradas para proteger contra todos os danos identificados causados pela energia de RF. Até o momento, tais danos estão associados tão somente ao efeito térmico, o que não corresponde a uma situação muito provável de ocorrer tanto pelo uso de um celular quanto pela exposição a uma ERB [3]. De modo geral, os comitês de especialistas que elaboraram as diretrizes atuais avaliam que os relatos indicando potenciais efeitos não-térmicos não constituem evidência consistente o suficiente para se estabelecer novos limiares.
Nos EUA, a recomendação de referência
é a norma C95.1 desenvolvida pelo IEEE. A atual C95.1 foi adotada pela ANSI (American
National Standards Institute) norte-americana pela primeira vez em 1966. Foi
renovada e atualizada em 1974, 1982, 1991 e 1999, estando em constante revisão
(atualmente mais de 1400 artigos estão sendo avaliados) [3]. Os comitês que
elaboraram a norma eram compostos por membros universitários, da indústria e
do governo.
Na revisão de 1991 [2], estabeleceu-se uma diferença entre exposição “controlada” e “não-controlada”, sendo a esta última dado um fator adicional de segurança de 5, ou seja, as taxas limite para exposição total e parcial ficaram iguais a 0,08 W/kg e 1,6 W/kg, respectivamente. A versão atual [15] é praticamente igual a de 1991. Apenas foi incorporado ao texto a norma suplementar IEEE C95.1a-1998. Esta incorporação acarretou em pequenas mudanças associadas à certos requisitos de medida e de cálculo de médias.
Um dos principais motivos da margem adicional de 5 da revisão de 1991 da C95.1 é a possível existência de indivíduos mais sensíveis aos efeitos da irradiação que outros. Ainda assim, tais grupos não foram de fato descobertos [5].
Os limites de SAR que a C95.1 especifica devem ser tomados num período mínimo de 30 minutos, tanto para a exposição global, quanto para a local. Na exposição global, toma-se a média obtida no corpo inteiro; no local, toma-se a média obtida sobre qualquer 1 g de tecido. Embora na faixa de freqüências em questão a SAR seja a medida que melhor permite avaliar os efeitos da irradiação eletromagnética, na prática não há como medí-la diretamente em um indivíduo. As técnicas atuais empregadas para se estimar SAR incluem a simulação em computador e a medição do campo induzido em maquetes artificiais imitando o corpo humano (ou parte dele, como a cabeça), preenchido com algum material (normalmente líquido) com propriedades elétricas similares às do corpo humano (ou da parte específica que se deseja avaliar, como o cérebro ou os ossos) [4].
A situação de exposição local
mais estudada é a do uso do terminal junto à cabeça. A estimação da SAR
depende fortemente da posição exata do aparelho com relação à cabeça, e do
formato exato e características elétricas da cabeça – todas quantidades
variáveis. Todos estes fatores podem levar os valores de SAR estimados próximos
aos limites recomendados. De fato, simulações indicam que, para uma situação
típica na qual um celular irradiando 0,6 W rms por uma antena monopolo afastada
2 cm da cabeça do usuário, a SAR atinge valores em torno do limiar de 1,6 W/kg
[4].
Ainda assim, o FCC entende que a
maioria dos celulares digitais não irradia potência alta o suficiente para
causar efeito térmico. Isto se reflete em uma de suas determinações, que
obriga os fabricantes de terminais portáteis a apresentar valores de SAR se a
potência puder ultrapassar 0,74 W, quando a maioria dos aparelhos trabalha no máximo
com 0,6 W. O Japão e diversos países na Europa adotam esta mesma regra [1]. E
recentemente, as autoridades suecas publicaram os resultados de medidas de SAR
dos aparelhos portáteis de 21 fabricantes. Nenhum alcançou o valor limite da
norma européia. O estudo utilizou os aparelhos em sua máxima potência, embora
raramente eles operem no máximo, já que os sistemas celulares controlam a potência
transmitida do aparelho de acordo com a distância para a ERB mais próxima.
Quanto mais próximo da ERB, menor a potência de transmissão do aparelho [16].
equivalente é a densidade de potência de onda plana equivalente.
A densidade de potência associada
aos limiares da norma C95.1 é dada por:
f/150
[W/m2] (1)
onde f
é a freqüência em MHz. A tabela 1 apresenta alguns valores típicos de
densidade de potência que retratam o teor das diretrizes atuais.
Densidade
de potência [W/m2] |
Efeito
associado |
5
a 10 |
Limiar
C95.1 (0,9 e 2,0 GHz) |
40 |
Relatos
não confirmados de efeitos |
400 |
Efeitos
reproduzíveis |
1000 |
Perigo
claro |
Tabela 1. Densidades de potência e efeitos térmicos associados [5].
Na Europa, a ICNIRP (International Commission on Non-Ionizing Radiation
Protection) publicou em 1998 suas diretrizes [12], transformadas em recomendação
pelo CENELEC (Comitté Européen de Normalisation Eletrotechnique) que inclui 19
países [4]. Esta diretriz é muito semelhante à C95.1. A SAR limiar é a mesma
da C95.1, para exposição de corpo inteiro (0,08 W/kg). A diferença recai no
tempo de exposição (6 minutos). Para exposição local, o valor é um pouco
diferente (2 W/kg), além do tempo de exposição (6 minutos) e do peso da
amostra tomada (10 g). A fórmula de densidade de potência, por sua vez, é
dada por:
f/200
[W/m2] (2)
onde f
é a freqüência em MHz. A legislação de outros países como Rússia, Canadá
e Austrália também apresentam pequenas diferenças com relação à C95.1 [4].
Aqui no Brasil, a tendência é seguir a norma européia, conforme sinalizado
pela ANATEL [11].
A base atual de evidências científicas
indicando riscos à saúde humana em níveis de exposição iguais ou menores
que os limiares recomendados é limitada e controversa em diversos aspectos. O
único consenso aparente com relação a tais indícios é que novas pesquisas são
necessárias. Entretanto, mesmo entre os cientistas defensores da periculosidade
da exposição em níveis baixos, em geral os níveis de exposição associados
à irradiação do terminal portátil é que são questionados [4], e não os
associados à irradiação de uma ERB, normalmente muito mais baixos, conforme
detalhamento na seção seguinte.