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Considerações sobre os Efeitos à Saúde Humana da Irradiação Emitida por Antenas de Estações Rádio-Base de Sistemas Celulares (1) |
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Autores:
Maurício
Henrique Costa Dias e Gláucio Lima Siqueira (*) |
Este
trabalho aborda a questão dos efeitos biológicos da irradiação de rádio-freqüência
das antenas de estações rádio-base (ERB) de sistemas celulares. O assunto tem
sido abordado de forma leviana por publicações não-especializadas de grande
penetração na população em geral, levando a uma histeria que tem se
refletido em ações na justiça contra as operadoras locais e na atuação
recente de autoridades municipais que vêm sendo cobradas para legislar e
fiscalizar as ERBs. Diante do quadro atual, e da experiência própria com medição
de campo, nosso grupo de pesquisa resolveu apresentar uma visão crítica sobre
o tema. Inicialmente, discutem-se os chamados efeitos térmicos, que são os
mais conhecidos e estudados, e formam a base das atuais diretrizes
internacionais que recomendam limiares máximos de exposição à irradiação
na faixa de freqüência dos celulares. Tendo em vista estes limiares, o texto
apresenta ainda uma avaliação teórica sobre os valores típicos de irradiação
esperados, e estimativas baseadas em medições do próprio grupo e de outros
pesquisadores. Um resumo atualizado sobre as recentes pesquisas que tentam
associar a irradiação dos celulares ao câncer e a outros efeitos fisiológicos
e comportamentais também é apresentado. Por fim, é feita uma breve análise
sobre o comportamento da sociedade quanto à esta controversa questão.
Quase 20 anos depois do início das operações dos primeiros sistemas
analógicos no padrão AMPS em Chicago nos EUA, a tecnologia dos sistemas
celulares se incorporou de modo definitivo ao dia-a-dia de milhões de pessoas
no mundo inteiro. Não há dúvidas que o telefone celular pertence ao seleto
rol das invenções que marcaram profundamente a evolução da humanidade no último
século.
A camada física do sistema celular
é essencialmente uma ligação duplex via rádio, entre um usuário móvel que
carrega um terminal portátil, e uma estação fixa – a estação rádio-base
(ERB). Nos sistemas atuais e futuros, a comunicação se dá por modulação
digital de uma portadora de microondas, seja na faixa de 800 – 900 MHz, seja
na mais recente faixa de 1800 – 2000 MHz. Ou seja, a operação do sistema
nesta camada implica na irradiação de ondas eletromagnéticas em alta freqüência.
Em 1993, um cidadão estadunidense
apareceu num programa de grande audiência na TV daquele país (“Larry King
Live”, da CNN), alegando que o uso do telefone celular havia causado ou
exacerbado o câncer que matara sua esposa [1]. David Reynard havia processado
tanto a empresa que desenvolvera o aparelho, quanto a operadora local de
telefonia da qual ele e sua família eram assinantes. Uma discussão frenética
e controversa assolou a mídia local àquela ocasião, e no centro dos debates
aparecia uma norma do IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineering),
a C95.1-1991 [2], que estabelecia limiares de segurança quanto à exposição
à irradiação não-ionizante, que inclui a de microondas. Tal norma estava
inclusive para ser adotada pelo órgão regulador de telecomunicações
norte-americano, a FCC (Federal Communications Comission) e representava o
resultado de 8 anos de trabalho de 125 engenheiros, biofísicos e pesquisadores
de câncer. Mais ainda, o COMAR (Committee on Man and Radiation) do IEEE havia
recém emitido uma declaração afirmando que os celulares eram considerados
seguros em uso normal.
O processo judicial de Reynard foi cancelado por uma corte federal em 1995 por falta de evidência científica válida [3]. Processos semelhantes desde então não vêm obtendo sucesso nos EUA. Entretanto, a polêmica gerada pela questão revelou que as respostas existentes àquela época não eram inteiramente satisfatórias. Surgiu então uma nova onda de pesquisas explorando possíveis efeitos da irradiação dos celulares à saúde humana. Em particular, o efeito que vem dominado as discussões públicas tem sido o câncer, mas este não é o único efeito pesquisado.
A literatura gerada sobre os estudos dos efeitos biológicos da irradiação de microondas é da ordem de milhares de trabalhos, que vêm sendo feitos desde a Segunda Guerra Mundial [3]. A grande maioria não apresenta evidências convincentes sobre possíveis efeitos adversos. Algumas
centenas de pesquisas,
entretanto, apresentam resultados convergentes e reprodutíveis que dão margem
a preocupações. Tais artigos formaram a base para o estabelecimento de normas
ou diretrizes de segurança quanto à exposição à irradiação de ondas não-ionizantes,
como a C95.1 já citada e outras muito semelhantes emitidas em outros países
[4].
Na verdade, mesmo os estudos que
fundamentaram a elaboração das diretrizes de segurança existentes não podem
ser considerados ainda como prova cabal de que os celulares sejam totalmente
seguros. Poucos dos estudos que verificam se a exposição a RF é perigosa para o
tecido animal envolveram trabalho padrão de toxicologia (o tipo que um laboratório
químico ou farmacêutico precisaria realizar para obter aprovação
regulamentar de um novo produto). Mais ainda, poucos destes estudos lidam
especificamente com os tipos de modulação pulsada atualmente em uso, ou com
condições de exposição típicas às produzidas por aparelhos celulares [3].
O rol de pesquisas é controverso em
diversos aspectos. Alguns efeitos verificados por pesquisas com animais ou com células
isoladas por exemplo, não são ainda bem compreendidos quanto a reais implicações
de dano à saúde. Vários destes efeitos são relatados mesmo quando em níveis
estatisticamente baixos, e comumente não conseguem ser reproduzidos por outros
pesquisadores. E alguns trabalhos reportam efeitos mesmo sob baixos níveis de
exposição. É importante salientar que os comitês de elaboração das
diretrizes de segurança tiveram acesso a tais pesquisas, mas via de regra têm
concluído que elas não provêem base suficiente para algum tipo de recomendação
[3].
Uma das mais completas referências
atuais sobre o assunto é o “International
EMF Project”, um projeto de pesquisa estabelecido em 1996 pela World Health
Organization (WHO – www.who.int/peh-emf/)
para avaliar as evidências científicas existentes sobre possíveis efeitos de
campos eletromagnéticos à saúde, incluindo os emitidos por celulares e suas
ERB. Uma revisão crítica sobre a literatura existente associando possíveis
efeitos biológicos à irradiação emitida especificamente por ERB de sistemas
móveis é disponibilizada ao público, sendo atualizada periodicamente [5].
Na contramão do comportamento usual
dos comitês de especialistas, um grupo formado pelo governo britânico emitiu
recentemente um relatório com a análise sobre os possíveis efeitos maléficos
dos celulares, que incluía ainda recomendações de segurança ao público em
geral. O grupo era liderado por Sir William
Stewart, e o relatório ficou conhecido como “relatório Stewart” [6]. Como
com os demais comitês, concluiu-se que o balanço de evidências não indica
efeitos à saúde da população em geral, quando exposta a níveis abaixo dos
limiares de segurança atuais. Entretanto, acrescentou-se não ser possível
naquele momento afirmar que a exposição à irradiação de microondas seja
totalmente livre de causar potenciais efeitos adversos à saúde. A bem da
verdade, este último comentário caberia para qualquer tecnologia, mas foi
utilizado como gancho para a abordagem adotada em suas recomendações, que
incluem uma série de procedimentos cautelares. Em particular, a recomendação
para se evitar a instalação de ERB próximo a escolas, e a que desencoraja as
operadoras a promoverem o uso de celulares por crianças, ainda que bastante
questionáveis [5], ganharam atenção especial da mídia local e internacional,
com reflexos inclusive no Brasil.
Apesar dos esforços da comunidade científica em esclarecer a população
sem gerar temores infundados generalizados, observa-se que infelizmente esta última
tendência é a que tem sobressaído aqui no Brasil. A mídia não especializada
vem publicando matérias em volume cada vez maior, com foco distorcido sobre a
realidade científica dos fatos, causando temor desnecessário à população.
Em particular, a distorção mais clara que se constata é a associação das
ERB, e não dos aparelhos, aos potenciais efeitos biológicos, quando o consenso
na comunidade científica é que justamente a situação inversa corresponde ao
problema pesquisado na maioria esmagadora dos casos [5]. Outro fator que tem
agravado o frenesi sobre o assunto foi a divulgação maciça, na mídia não
especializada, de um trabalho da Universidade Federal da Paraíba, inédito no
país, avaliando alguns efeitos da irradiação de microondas em ratos de
laboratório [7]. Embora claramente destacado pelos autores que os resultados são
preliminares, carecendo ainda de confirmação por repetição e cuidadosa
interpretação das estatísticas medidas, algumas reportagens não
especializadas conferem ao trabalho um status de evidência definitiva da
nocividade dos celulares aos leitores leigos [8]-[9].
Tomando equivocadamente as ERB como
“bode expiatório”, a população vem se mobilizando para se proteger de
eventuais danos à saúde, de modo semelhante ao que já havia ocorrido em
outras partes do mundo. Até mesmo uma associação, a ABRADECEL (associação
brasileira de defesa dos moradores e usuários intranqüilos com equipamentos de
telecomunicações celulares), foi criada para pressionar as autoridades a
agirem preventivamente contra as operadoras [10]. O cenário regulamentar
conflitante ajuda a aumentar o caos. Há interpretações da Constituição
Federal que entendem como competência municipal legislar sobre níveis de proteção
de irradiação, como ocorre em Campinas e Porto Alegre, por exemplo [4].
Entretanto, legislar sobre telecomunicações é privativo da União, cabendo à
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) esta tarefa. Embora a ANATEL
tenha posto sua proposta de regulamento de exposição
a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos na faixa de radiofreqüência
(RF) [11] à consulta pública por duas ocasiões em 2001 (285 de 30/03/01e 296
de 8/05/2001), até a presente data o regulamento ainda não havia sido
publicado. A base da proposta são as diretrizes de segurança da
“International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection” (ICNIRP)
adotadas na Europa [12], e citadas pela própria ANATEL como a referência
provisória adotada pela agência desde 1999.
Diante do confuso cenário atual,
começam a surgir diversas ações na Justiça contra as operadoras, com ganho
de causa, ao contrário do que acontece em outros países. Recentemente, sob
alegação do temor em relação à saúde, os moradores de um prédio no
Rio de Janeiro conseguiram impedir na Justiça
a instalação de uma antena no edifício vizinho [13]. O argumento usado foi um
artigo do Decreto municipal 19.260, de 8 de dezembro de 2000 [14], que proíbe a
instalação de antenas a menos de 30 metros de outra edificação de altura
superior. É interessante salientar que a distância limite do referido artigo
é um parâmetro urbanístico, sem qualquer referência a proteção de níveis
de irradiação, que o próprio decreto (art 2o) destaca como algo a
ser regulado pela ANATEL.
aborda os efeitos
conhecidos e as diretrizes que estabelecem níveis de exposição máximos de
irradiação não-ionizante, que protegem essencialmente contra aqueles efeitos.
A seção III apresenta uma análise teórica e relatos de medidas (próprias e
de outros pesquisadores) dos níveis de densidade de potência esperados ao
redor de ERBs. Em seguida, um resumo das pesquisas sobre os potenciais efeitos
biológicos não totalmente conhecidos é apresentado, avaliando ainda a controvérsia
envolvida em algumas pesquisas e na interpretação de seus resultados, começando
com o câncer e suas variações na seção IV. Os demais efeitos em estudo são
apresentados na seção V. Uma breve análise sobre o atual comportamento da
sociedade quanto ao assunto em questão é tecida na seção VI. Por fim, a seção
VII oferece algumas considerações finais.
(*)
Os autores:
Maurício
Henrique Costa Dias
(mhcdias@cetuc.puc-rio.br) nasceu em 25 de julho de 1970. Formou-se em Engenharia de Telecomunicações no
Instituto Militar de Engenharia (IME) em dezembro de 1992. Obteve seu título de
Mestre em Engenharia Elétrica, área de Eletromagnetismo Aplicado, subárea de
Propagação, no mesmo Instituto em janeiro de 1998. Atualmente é capitão do
Exército, e está em doutoramento, nas mesmas área e subárea do mestrado, no
Centro de Estudos de Telecomunicações (CETUC) da PUC-Rio desde março de 2000.
Seus interesses atuais incluem caracterização de canal de propagação, teoria
geométrica da difração, estimação espectral e teoria de “wavelets”,
entre outros tópicos das áreas de propagação e processamento digital de
sinais. Em agosto de 2001, seu artigo “Ray-Tracing Analysis of 3.5 GHz
Propagation at a Typical Urban Environment for FWA Systems” recebeu o
“Amazon Microwave and Optoelectronics Prize” como melhor trabalho de um
aluno de pós-graduação na Conferência Internacional de Microondas e
Optoeletrônica (IMOC 2001) da SBMO/IEEE MTT-S, em Belém – PA.
Gláucio
Lima Siqueira
(glaucio@cetuc.puc-rio.br),
nasceu em Belo Horizonte, MG em 18 de agosto de 1952. Recebeu o grau de
Engenheiro Eletrônico e de Telecomunicações com distinção pela PUC/Minas em
1977 e o grau de Licenciatura em Matemática pela UFMG em 1978. Recebeu o título
de Mestre (M.Sc.) em Engenharia Elétrica pela UNICAMP em 1982 e o título de
PhD. pela Universidade de Londres (University College London), Inglaterra, em
1989. Desde 1989 trabalha no Centro de Estudos em Telecomunicações (CETUC) da
PUC/Rio onde exerce o cargo de Professor Associado. Já publicou vários artigos
técnicos em revistas especializadas e em conferências nacionais e
internacionais. Seus interesses incluem caracterização de canal rádio móvel
(medidas e modelamento), propagação em meios aleatórios, atenuação por
chuva em enlaces terrestres, sistemas de comunicação sem fio em geral dentre
outros. Na PUC/Rio já recebeu várias distinções por suas atividades didáticas
e de pesquisa tendo orientado várias teses de mestrado e doutorado. Tem, nos últimos
10 anos, participado de projetos de pesquisa patrocinados por empresas do ramo.
É membro de IEEE desde 1989.