Michael Stanton

WirelessBrasil

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27/12/2000
Votação pela Internet

No meio deste ano que está terminando, muita atenção foi dada ao processo de eleição de 5 dos 18 diretores da ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers - www.icann.org), a organização que dita algumas das regras básicas do uso da Internet. Eu mesmo dei bastante destaque ao assunto nas colunas de 24 de julho, 31 de julho, 25 de setembro e 16 de outubro. As desculpas pela atenção dada eram que o assunto era importante, o País tinha um interesse em estar adequadamente representado na ICANN, e existia um excelente candidato, que acabou sendo eleito. Mas devo confessar que os rumos daquela eleição me deixaram apreensivo a respeito da propriedade e representatividade de votações realizadas através da Internet, e dos sentimentos e emoções gerados. Volto a este assunto agora no rastro de outras votações realizadas em condições semelhantes, que tiveram repercussão ainda maior, pois conjugavam a Internet com o futebol.

"Eleições virtuais viram jogos patrióticos" foi o manchete da reportagem na página D4 da Folha de São Paulo, de 21 de dezembro, e diz tudo. Nela comentou-se três votações sobre o futebol realizadas através da Internet: quem era o maior jogador de século XX, organizada pela FIFA (www.fifa.com), a mesma questão, restrita apenas a Pelé e Maradona, e qual era o melhor clube de futebol do ano 2000, ambas estas organizadas pelo sítio CNN/Sports Illustrated (www.cnnsi.com/soccer). Sabe-se que no enquete da FIFA ganhou Maradona, com 53% dos votos, contra os quase 16% do Pelé, enquanto os números do enquete da CNN/SI favoreciam Pelé, na proporção 73% a 27%. A reportagem ainda comenta que, dos 150.000 votantes na eleição virtual da FIFA, 25.000 (um sexto do total) eram da Argentina, enquanto apenas 5.000 eram do Brasil. No caso da votação CNN/SI, não temos números à mão, mas a reportagem constata que houve uma verdadeira campanha a nível nacional para pedir votos para o Pelé, até por uma questão de "segurança nacional". Esta campanha foi muito bem sucedida, pelo que parece. A terceira votação, segundo a reportagem, favorecia o time turco, Galatasaray, com 41% das preferências, o que teria sido produto de uma campanha ampla na Turquia. A conclusão que se pode tirar dessa reportagem é que a realização de uma eleição via Internet poderá gerar resultados determinados pelo entusiasmo dos torcedores dos concorrentes, e pela eficiência da sua organização.

Nos casos citados acima, seria correto dizer que o resultado tem pouca ou nenhuma conseqüência - representa apenas uma opinião pessoal dos votantes. E como o custo de votar pela Internet é quase nulo, não existe na prática nenhum impedimento ao exercício do voto. Porém, há quem leva muito a sério, ao ponto de organizar campanhas "patrióticas", para que o resultado lhe seja favorável.

Menciono tudo isto porque características semelhantes marcaram a eleição realizada no meio do ano para a escolha dos novos diretores da ICANN. Para recordar os detalhes, os diretores eleitos foram de Alemanha, Brasil, Estados Unidos, Gana e Japão, e, com a exceção solitária do diretor do país africano, os eleitos foram dos países que conseguiram inscrever o maior número de eleitores da sua região geográfica (v. coluna de 31 de julho). Não conheço de perto os casos de Alemanha e Japão, mas apostaria muito que tenham sido organizadas campanhas "patrióticas" nestes dois países, para que fosse garantido o resultado desejado de eleger diretores conterrâneos. De certo isto ocorreu aqui. Sei disto porque eu e outros comentaristas o incentivamos. E ainda se contou com a iniciativa quase oficial de um membro do Comitê Gestor Internet (www.cg.org.br), que assumiu a paternidade da campanha a favor do enfim eleito, Ivan Moura Campos, presidente deste mesmo Comitê Gestor. Esta campanha chegou a incluir o envio de solicitação de apoio pelo correio eletrônico, usando a lista dos responsáveis pelos nomes de domínio no País, mantida pela registro nacional de nomes (registro.br). O resultado da campanha foi impressionante: dos eleitores inscritos da região América Latina e Caribe mais de 80% eram do Brasil.

Na época eu achava isto correto, pois antes do início desta campanha havia grande desconhecimento do processo de escolha dos diretores da ICANN, e era (e continua sendo) importante que seja ouvida a nossa voz. Porém, é mais do que evidente que não poderia ser esta a maneira ideal de conduzir a governança da Internet, nem de nenhuma outro empreendimento sério. Conseguiu-se emplacar a eleição de um diretor brasileiro esta vez, porque os brasileiros mostraram uma capacidade de articulação bem superior aos interessados dos demais países da região. Como foi visto mais tarde no caso da votação da FIFA, quando o número de eleitores argentinos foi cinco vezes o número dos brasileiros, a representação da opinião nacional não é garantida, e precisa ser trabalhada novamente a cada ocasião em que se realiza uma votação.

Esta instabilidade da própria composição do eleitorado é um dos maiores defeitos das eleições virtuais, e é praticamente inevitável, em situações quando não há investimento pessoal significativo por parte dos eleitores. Se todos são potencialmente eleitores, como foi o caso em todas as situações consideradas neste texto, então ninguém se sente especialmente responsável por participar da votação.

Existiria alguma outra maneira de representar a voz dos usuários individuais da Internet? Apenas vejo duas possibilidades: votação direta de membros de uma associação internacional específica, com cobrança de anuidades para sustentar suas atividades; ou votação indireta, onde seriam eleitos delegados nacionais por país, para compor um colégio eleitoral, e estes delegados então dariam os votos finais. Evidentemente, os votos destes delegados no colégio eleitoral seriam qualificados de alguma forma, para representar a população de eleitores representados.

Infelizmente, pode-se apontar defeitos em ambos modelos. No primeiro, cria-se uma exclusividade baseada em ser sócio dessa associação, porém este paradigma já existe no mundo acadêmico, pelo menos, onde já foi criada, inclusive, uma Internet Society (www.isoc.org) com o objetivo de proteger e promover a tecnologia da Internet. No segundo, os delegados podem facilmente se distanciar dos seus eleitores originais, e seria provável haver todo tipo de composição política entre os delegados para chegar às suas conclusões finais. Como exemplo disto basta a recente escolha da sede da Copa do Mundo de 2006, resolvida em favor da Alemanha de forma bastante polêmica, pois dependia do voto de um único delegado da Oceania, que não seguiu a orientação dos seus eleitores.

Representatividade e imputabilidade de representantes eleitos são assuntos complexos, e pouco explorados no mundo virtual da Internet. Porém, se quisermos ter uma Internet onde os usuários puderem participar de decisões sobre seu uso e objetivos, será necessário encontrar soluções a estes desafios.