Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2001       Página Inicial (Índice)    


17/06/2001
ICANN: a questão da representatividade

ICANN, a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (www.icann.org), entidade responsável pela administração política dos nomes usados na Internet, já foi o assunto da coluna de 9 de abril, quando discutimos o impacto da chegada de 5 diretores novos, eleitos pelos usuários da Internet em outubro passado. Na semana retrasada, foi realizada uma nova reunião pública da ICANN, em Estocolmo, e houve várias novidades para quem acompanha suas atividades.

Por exemplo, houve a revolta dos ccTLDs, ou seja, dos administradores dos "country code Top Level Domains" (domínios nacionais de nível mais alto), tais como o .br do Brasil (www.registro.br). Pelas regras atuais da ICANN, os ccTLDs devem contribuir para a sustentação da ICANN, sem necessariamente ter uma voz na sua direção. A princípio, os ccTLDs teriam esta voz através do Conselho de Nomes, que elege 3 diretores da ICANN, mas esta participação é diluída pela presença simultânea de 6 outras categorias de organização, e sua capacidade de influenciar as decisões da ICANN parece muito pequena em comparação com suas contribuições operacionais ao funcionamento da Internet global. Em Estocolmo, por decisão unânime, os ccTLDs exigiram ter o direito de eleger seus próprios diretores da ICANN.

Mas a questão mais polêmica continua sendo o futuro da representação dos usuários da Internet, que deveriam eleger nove dos dezenove diretores, dos quais apenas cinco vagas foram preenchidas através da primeira eleição realizada em outubro. É preciso compreender que a inclusão de diretores eleitos pelos usuários não fazia parte da proposta original submetida em 1997 ao governo dos EUA, que precisava aprovar a transferência para a ICANN das responsabilidades antes exercidas sob contrato desse governo por uma universidade na Califórnia. Porém, o governo exigiu esta inclusão, e foram modificados os estatutos da ICANN para prevê-la, para ser realizada em alguma data futura. Interinamente, as nove vagas foram preenchidos por pessoas nomeadas, e quatro destas ainda continuam no cargo sem prazo para sair.

A resistência à eleição se deve à desconfiança sobre seu resultado, que os eleitos não seriam pessoas confiáveis, como seriam aqueles que emergem pelos processos complexos adotados para representar as três áreas de Nomes, Endereços e Protocolos, cada uma das quais elege três diretores através dos seus conselhos. A princípio, os nove diretores eleitos por estes conselhos ou são engenheiros ou advogados, com um forte alinhamento com a Internet comercial. Não se deve esperar que os representantes eleitos pelos usuários tenham o mesmo perfil. Na verdade, dos cinco diretores eleitos pelos usuários em outubro, apenas um poderia ser considerado ter este perfil, Masanobu Katoh do Japão. E dois dos outros, Karl Auerbach (EUA) e Andy Mueller-Maguhn (Alemanha), provavelmente tenham sido eleitos por causa das suas críticas à maneira da ICANN se comportar.

O conflito entre as duas maneiras de enxergar o trabalho da ICANN se mostrou na reunião de Estocolmo, quando ambos estes novos diretores falaram de suas experiências no cargo, e da tendência dos diretores de simplesmente aprovarem sem questionamento os encaminhamentos propostos pelos funcionários permanentes da ICANN, os quais consideram muito orientados para os aspectos comerciais da Internet em detrimento dos seus aspectos sociais ou comunitários (www.wirednews.com/news/politics/0,1283,44404,00.html). Na semana seguinte, os dois foram severamente criticados pelo presidente da ICANN, e um dos advogados da organização, que sugeriram que eles representavam apenas uma posição minoritária, mesmo entre os diretores eleitos (www.wirednews.com/news/politics/0,1283,44480,00.html).

A realização da eleição dos cinco diretores pelos usuários realizada em 2000 foi tumultuada pela própria ICANN, que mudou as regras desta eleição várias vezes, e subestimou o interesse que ela geraria. Em janeiro deste ano criou uma comissão de nove pessoas, presidida pelo ex-primeiro ministro da Suécia, Carl Bildt, para reexaminar a questão de como indivíduos podem melhor contribuir à ICANN (www.atlargestudy.org). Esta comissão Bildt vem levantando opiniões a respeito do assunto e pretende apresentar suas conclusões na reunião anual da ICANN em novembro. Na reunião de junho da ICANN foi apresentado um relatório sobre o andamento dos seus trabalhos (www.atlargestudy.org/june_status_report.shtml).

Outra estudo deste mesmo assunto é o NAIS (NGO and Academic ICANN Study) (www.naisproject.org), um projeto internacional que conta com a participação de 14 profissionais de ONGs ou de entidades acadêmicas, entre os quais três que participaram como candidatos (não eleitos) a diretor da ICANN nas eleições de outubro de 2000. Para subsidiar as discussões da comissão Bildt, o NAIS acaba de publicar seu relatório interino, que, além de delinear as questões que precisam ser respondidas por esta comissão, apresentam uma análise do funcionamento das eleições nas cinco regiões do mundo onde foram eleitos os diretores (www.naisproject.org/report/interim).

Achei especialmente interessante ler neste relatório do NAIS os detalhes das eleições de outubro, que tiveram seus resultados distorcidos pela grau de eficiência de registro de eleitores na fase que se encerrou em julho passado. Já foi comentado aqui na coluna de 27 de dezembro de 2000 o sucesso da campanha para inscrever brasileiros como eleitores, e sugerido que poderia ter havido campanhas parecidas na Alemanha e Japão, dois outros países que conseguiram ampla maioria de eleitores nas suas respetivas regiões. Em ambos os países teve efetivamente um campanha amplamente divulgada para incentivar o registro de eleitores, assumida em Japão pelas empresas, incentivadas pelo governo, e na Alemanha pela mídia eletrônica. No Japão havia um único candidato, que foi eleito. Na Alemanha havia três, sendo eleito o menos convencional, o "hacker ético", Andy Mueller-Maguhn.

O relatório interino do NAIS sugere que temos lições a aprender das eleições passadas, e pergunta como encontrar formas mais apropriadas de representação de usuários, que mantenham a voz do eleitor, enquanto evitem cair nas garras de disputas nacionalistas entre diferentes países da mesma região. A próxima reunião da ICANN será em Montevidéu, no início de setembro, quando haverá também uma reunião da comissão Bildt. Até lá muitas destas questões, ainda em aberto, terão que ser respondidas

Michael Stanton (michael@ic.uff.br), que é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço todas as semanas sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos das colunas anteriores também estão disponíveis para consulta.