Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2003       Página Inicial (Índice)    


22/12/2003
Infoinclusão, o OPPI e o FUST

A RITS - Rede de Informações para o Terceiro Setor (www.rits.org.br) - foi mais uma iniciativa da série de contribuições que vêm tornando disponíveis à sociedade civil avanços em comunicação e informações, e que tiveram a participação ativa de Carlos Afonso, ou simplesmente "CA". CA, junto com Herbert de Souza (o Betinho) e Marcos Arruda, foi fundador do IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicos (www.ibase.org.br) - na esteira da redemocratização do país nos anos 1980. Sua contribuição especial nesta época foi a idealização do primeiro provedor de serviços Internet para a população em geral, a Alternex, criado inicialmente usando a tecnologia de BBS (bulletin board system) e migrando para a tecnologia Internet quando esta foi incorporada à paisagem nacional em 1992 (v. coluna de 25 de abril de 2002). Mais tarde, com a abertura comercial da Internet, a Alternex se transformou em mais um provedor de Internet por acesso discado, e CA já transferiu suas energias para a RITS, onde ajudou a criar novo ambiente em apoio ao terceiro setor que requer sempre mais acesso a serviços de informação. Neste empreendimento, juntou-se recentemente outro pioneiro de vários iniciativas socialmente importantes, Sílvio Meira, criador e ex-redator desta coluna, Sociedade Virtual. Sílvio, que é professor da Universidade Federal do Pernambuco e presidente do CESAR - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (da UFPE) - ultimamente vem divulgando sua visão e suas idéias através do sítio meira.com. Este ano Sílvio se tornou presidente do Conselho da RITS, e no início deste mês de dezembro a RITS lançou o OPPI - o Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão (www.infoinclusao.org.br).

Infoinclusão seria um neologismo, que antes era chamada de inclusão digital e trata da extensão à toda a população dos benefícios do acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (as TICs) (v. a coluna de 12 de fevereiro de 2001). O objetivo da portal OPPI é discutir e influenciar a formulação e implementação de políticas públicas nesta área, utilizando especialmente ferramentas baseadas na Internet.

Quem já leu as colunas anteriores de 12 de fevereiro de 2001 e 20 de janeiro de 2003 já deve ter uma noção do alto grau de esperança depositado no uso dos recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para apoiar a Infoinclusão neste país. Para recordar, este fundo, que foi criado há mais de 3 anos, tem como recurso 1% da arrecadação das operadoras de telecomunicações no país, e este dinheiro vem acumulando sem aplicação desde a sua criação, em função das regras legais que condicionam sua utilização. Já foram feitas algumas tentativas de aplicar o dinheiro para a informatização de escolas públicas, dando-lhes acesso à Internet, até aqui sem êxito. As leitores da segunda coluna citada, a de 20 de janeiro de 2003, também saberão que Sílvio Meira é um entusiasta apaixonado por encontrar uma solução para estas dificuldades. Não deve surpreender, portanto, que entre os primeiros assuntos focalizados pela nova portal OPPI esteja o assunto FUST e a nova tentativa de encaminhar a utilização destes recursos, já beirando a importância de 3 bilhões de reais.

As questões principais que precisam ser resolvidas são a possibilidade de aplicar os recursos do FUST para prover "serviços de telecomunicações" do tipo apropriado para permitir a integração das escolas na Internet, e a questão muito polêmico de quem pode ser contratado para prestar estes serviços. Para resolver a primeira questão, a Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações (www.anatel.gov.br) - resolveu definir um novo serviço de telecomunicações, chamado de SCD - Serviço de Comunicações Digitais Destinado ao Uso do Público em Geral. Até 12 de janeiro, a proposta da definição deste serviço está aberta para consulta pública no sítio da Anatel.

Sílvio Meira já fez sua análise desta proposta, que foi republicada na portal OPPI recentemente (www.infoinclusao.org.br/conteudo.asp?conteudo_id=329). Embora tenha sido um pouco difícil entender exatamente o que a Anatel pretende com sua proposta, por causa da escura linguagem usada, chamada por alguns de anatelês, parece-lhe que a principal dúvida importante trata de quem poderá ganhar a concessão para prover o serviço. Disto trata o artigo 59, que faz referência ao "Plano Geral de Outorgas do SCD (PGO-SCD), que definirá a divisão do País em áreas de prestação, número de prestadoras por área de prestação, prazos de vigência e prazos para admissão de novas prestadoras do serviço".

Por quê isto será importante? Temos que lembrar que os dois serviços anteriores outorgados pela Anatel (ou pelo próprio Minicom), de telefonia fixa e de telefonia celular, tiveram áreas de prestação extremamente grandes. No caso da telefonia fixa, o país inteiro foi dividido em 3 áreas. Para telefonia celular, o número era maior, mas nunca uma área era menor do que um estado. Em ambos casos, a tendência do regulamento é de limitar as empresas concessionárias a serem as megacorporações que já conhecemos, muitas deles de capital estrangeiro. Por quê as áreas de prestação do SCD deveriam ser diferentes em escala? Será que não deveremos entregar estas novas concessões às tradicionais empresas de telecomunicações?

A resposta deverá vir de uma apreciação de se o serviço novo, o SCD, funcionaria de forma semelhante aos atuais serviços de telecomunicações, e se os recursos tecnológicos necessários para prestar o novo serviço seriam os mesmos que aqueles usados para prestar os serviços tradicionais.

É interessante recordar que, ao abrir à exploração comercial o mercado de prestação de serviço Internet em 1995, o Minicom especificamente excluiu de participação neste mercado as empresas de telecomunicações (estatais) existentes na época. Em conseqüência desta decisão, foi liberada grande dose de criatividade no empreendimento de provimento de serviço Internet, com o surgimento de centenas de pequenas empresas, algumas das quais continuam funcionando até hoje, enquanto outras já cresceram, absorvendo outras ao longo do caminho. Foi demonstrado na prática que é possível encontrar soluções para atender o mercado Internet no país, sem a necessidade de envolvimento obrigatório do grande capital.

A questão tecnológica é extremamente interessante. As formas tradicionais de prover serviço Internet, na visão da maioria das provedores de telecomunicações, é de instalar conexões ponto a ponto, usando a rede fixa de telecomunicações entre o cliente e um ponto de conexão da rede Internet do provedor. Nos últimos tempos, têm aparecido diversas alternativas novas de acesso, que divergem destas formas tradicionais. Estas podem utilizar as novas tecnologias de acesso por rádio em banda larga (de dezenas de Mbps), ou aproveitar a criação de redes metropolitanas baseadas em uso de fibra óptica e a tecnologia Ethernet, originalmente usada em redes locais de computadores. Estas redes ópticas podem facilmente prover conexões aos clientes em velocidades de 100 ou até 1000 Mbps, consideravelmente maior do que os 512 Kbps oferecidos pelos serviços ditos "banda larga" da Speedy ou da Velox, para citar os serviços oferecidos pela Telefônica e pela Telemar. Provavelmente uma boa solução de engenharia usaria fibra óptica, onde for barato ou fácil instalar os cabos necessários, e rádio em outros casos, por exemplo, nas áreas rurais.

Estas considerações tecnológicas fazem crer que a melhor escala para montagem adequada de provimento de serviço de acesso Internet seja municipal. Em cada município, poderia ser criada uma infra-estrutura de comunicação, preferencialmente em fibra óptica, complementada por rádio de banda larga, que possibilitasse a interconexão, não apenas de escolas, como também de outros prédios acomodando serviços considerados de utilidade pública no município, tais como os prédios governamentais, bibliotecas, hospitais, postos de saúde, telecentros e assim em diante. Este modelo já vem sendo implantado em outros países (Canadá, EUA, Suécia, entre outros) e é conhecido como "condomínio de fibras", onde uma empresa pública ou privada instala a infra-estrutura e a disponibiliza para quem precisa criar sistemas de comunicação. Os usuários deste condomínio poderiam e deveriam incluir empresas comerciais e até residências, permitindo o uso da infra-estrutura para poder oferecer tais serviços como TV por assinatura, e outros serviços de comunicação. Esta infra-estrutura proveria uma maneira nova e inovadora de resolver a questão de acesso em banda larga ao usuário final ("o último quilômetro"), tão problemática com nossa infra-estrutura e tecnologia atuais de telecomunicações.

O incentivo dado pelo investimento de recursos FUST para apoiar a criação de condomínios de fibra em cada município nas mãos de empreendedores locais poderiam trazer outros benefícios importantes. Um grande problema atualmente no colo do governo é o futuro da Eletronet (v. coluna de 3 de maio de 2003), operadora de telecomunicações formada em parceria pela Eletrobrás e a empresa norte-americana AES. Por não pagamento das suas dívidas junto ao BNDES, a AES perdeu sua parte na Eletronet, que poderá ser liquidada como empresa em breve, para pagamento das dívidas dos seus credores. A liquidação da Eletronet jogaria por terra a grande rede de telecomunicações moderna que construiu nos últimos 3 anos, totalizando 16.000 km de extensão, com utilização das linhas de transmissão de empresas do grupo Eletrobrás. Seria mais inteligente e benéfico para a sociedade brasileira manter em funcionamento esta rede, tornando sua operação viável através do sua utilização para integrar as redes de banda larga municipais que imaginamos incentivar com recursos do FUST. Requer uma certa imaginação e engenharia financeira para procurar uma solução inovadora como esta para encontrar simultaneamente soluções para a aplicação de recursos FUST e para evitar a liquidação do patrimônio representado pela rede da Eletronet.

Acreditamos que a adoção da escala municipal para a Infoinclusão pretendida com recursos FUST seja a mais apropriada para gerar os efeitos multiplicadores de envolver capital e empreendedores locais, e ainda estenderia mais amplamente os benefícios obtidos com a grande extensão de acesso Internet de banda verdadeiramente larga. Indicamos em conseqüência a necessidade de adotar uma decisão de granularidade muito fina, de preferência ao nível municipal ou próximo disto quando a Anatel decidir a forma de outorgar este serviço de comunicação digital.