Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2003       Página Inicial (Índice)    


03/05/2003
Como construir as novas redes ópticas

Leitores deste espaço já devem saber da minha absorção pelas redes ópticas, viabilizadas nos últimos anos pela ampla disponibilidade de cabos ópticos instalados em toda parte. Na coluna de 30 de setembro de 2001 foi descrita a situação então vigente no Brasil, quando a capacidade nacional de explorar esta tecnologia já era grande. Nos últimos 18 meses ela só tende a aumentar e a se espalhar geograficamente. Com o fim do duopólio no mercado de telecomunicações, as empresas de telecomunicações vêm correndo para montar a infra-estrutura necessária para estender seus serviços de comunicação para cidades espalhadas por todo o país. A concorrência empresarial neste setor tende a reforçar a multiplicidade de alternativas de comunicação à disposição da sociedade, deixando mais robusta a capacidade nacional de oferecer soluções de comunicação à sua população.

Esta capacidade depende não apenas da infra-estrutura física de cabos ópticos, estendidos ao longo dos leitos das estradas de ferro ou de rodagem, ou seguindo o traçado dos dutos de transporte de gás ou petróleo e seus derivados, ou das linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica, ou ao longo da litorânea no fundo do mar. Cada cabo destes contém, tipicamente, algumas dezenas de fibras ópticas, capazes de conduzir sinais de luz (geralmente da faixa infra-vermelha do espectro) por centenas ou até milhares de quilômetros em condições ideais. Adicionalmente são necessários investimentos em equipamentos que iluminem as fibras nestas cabos ópticos, isto é, que possuam lasers que injetem os sinais de luz que serão propagados. Por motivos históricos, boa parte dos equipamentos adquiridos para esta finalidade pelas empresas de telecomunicações emprega tecnologias usadas neste setor desde os anos 1970, no auge da digitalização das telecomunicações, para transportar grandes números de circuitos de voz (das chamadas telefônicas). É importante reconhecer que as características de tráfego de telefonia tradicional são bastante diferentes do tráfego de dados entre computadores. Há muitos anos, foi demonstrado que a infra-estrutura de equipamentos e linhas de comunicação eficiente para transportar dados é bem diferente do que para voz tradicional, devendo substituir a comutação de pacotes no lugar da comutação de circuitos. Mais importante, os equipamentos usados para dados são hoje bem mais baratos do que para telefonia.

Independente de se são usados circuitos ou pacotes, a propagação por uma fibra óptica de um único sinal de luz carregando informação a 10 gigabits por segundo utiliza apenas 0,02% da capacidade desta fibra! Para tornar mais eficiente o uso de fibra óptica, foi desenvolvida nos anos 1990 a tecnologia WDM (Wave Division Multiplexing) de juntar na mesma fibra vários sinais de luz de cores diferentes, ou lambdas, cada um gerado por um laser separado. No destino os sinais de cores diferentes são novamente separados. É comum hoje usar fibras com algumas dezenas de lambdas, para aumentar a utilização da fibra, assim barateando o custo do transporte. Nestes sistemas WDM, o custo de acrescentar mais um lambda é relativamente barato, pois é compartilhada e reaproveitada a maior parte das funções dos equipamentos usados para os lambdas anteriores.

Com o crescimento da importância da Internet em comunicação remota, o tráfego em redes se tornou majoritariamente de dados, e passou a ser questionado seriamente porque as redes não deveriam ser especializadas para atender a este tipo de tráfego, ao invés de para o transporte de chamadas telefônicas. Hoje em dia é perfeitamente viável oferecer serviços de telefonia numa rede de dados - a chamada telefonia IP. A telefonia IP converte a chamada telefônica em apenas mais uma aplicação de uma rede de dados. Já discutimos em colunas anteriores alguns aspectos regulatórios de telefonia IP (v., por exemplo, a coluna de 24 de junho de 2001). A questão aqui é outra: se a telefonia for um serviço oferecido através da rede de dados, os custos vão cair, por prescindir dos equipamentos (caros) usados para a tecnologia tradicional de telefonia. Este ponto é central na montagem das novas redes ópticas. Como o uso principal das redes não será a telefonia, não faz sentido investir em equipamentos especializadas para este serviço, podendo ser usados outros, mais baratos e apropriados para tráfego de dados.

No Brasil, este pensamento por enquanto só vem sendo elaborado dentro da comunidade de pesquisa e desenvolvimento de redes, não tendo ainda penetrado no mundo das telecomunicações comerciais. Nestas redes novas a transmissão de pacotes é feita diretamente nos raios de luz, sem a necessidade de uso intermediário das tecnologias tradicionais ATM e SDH, presentes na infra-estrutura das redes de comunicação de todas as operadoras nacionais de telecomunicações. A eliminação destas tecnologias intermediárias simplifica e barateia os equipamentos usados, potencialmente tornando pouco competitivo financeiramente o modelo tradicional. Esta nova abordagem de redes ópticas tem sido demonstrado e posto em uso cotidiano no serviço da comunidade acadêmica em vários países, notadamente EUA, Canadá, Japão e da UE. Em todos estes países já existem grandes redes ópticas que interligam as universidades e centros de pesquisa, oferecendo a seus usuários taxas de comunicação de dados de vários gigabits por segundo. As redes destes países também estão interligadas por conexões internacionais e intercontinentais de capacidade semelhante. É nestas redes que estão sendo desenvolvidas e demonstradas as aplicações que serão usadas na Internet do nosso futuro, e que servirão de motivação para sua montagem e operação.

O exemplo dado por outros países da implantação de redes de grande capacidade para servir a comunidade de educação e pesquisa é muito aplicável também no Brasil. A motivação é múltipla: da mesma forma que nesses outros países é necessário desenvolver uma capacitação própria no país para projetar, implantar e operar as redes que empreguem estas novas tecnologias, pois estas caracterizarão a infra-estrutura essencial da nossa sociedade em breve. Na medida do possível, deverão ainda ser desenvolvidos equipamentos e serviços apropriados para estas redes, como já vem sendo feito, por exemplo, no Projeto GIGA, que vem sendo realizado em conjunto pela Rede Nacional de Educação e Pesquisa (RNP) e pela Fundação CPqD com a participação da academia e do setor produtivo nacionais (v. coluna de 16 de dezembro de 2002). Ainda mais podemos observar que o acesso a estes recursos de comunicação modernos nivelará o campo para permitir que nossos cientistas e pesquisadores tenham amplas condições para colaborar com seus colegas em outros países, algo ainda limitado pelas restrições hoje encontradas na comunicação. Finalmente, com planejamento adequado poderemos antecipar a extensão dos benefícios destas recursos de comunicação para outros comunidades de interesse público, especialmente as escolas de ensino médio e primário, as bibliotecas públicas e os hospitais e postos de saúde.

Nos EUA e Canadá está bastante evoluído o desenho de modelos para o planejamento e a construção destas novas redes. No Canadá o governo federal está investindo 110 milhões de dólares canadenses para a organização CANARIE montar e operar a mais recente rede acadêmica nacional, a CA*net4 (www.canarie.ca/canet4/index.html). Uma parte deste dinheiro é usada pela CANARIE para adquirir o direito de uso de fibras ópticas por períodos de até 20 anos, e ela já detém estes direitos para os milhares de quilômetros necessários para estender o alcance desta rede a todas as províncias desse país. Futuramente, as mesmas fibras poderão ser reaproveitadas e iluminadas com equipamentos mais modernos para melhorar o serviço. No Canadá, a CANARIE somente cuida da conectividade nacional e internacional das universidades - em cada província existem redes provinciais usando a mesma tecnologia, que permitem o acesso individual destas universidades e centros de pesquisa.

Nos EUA, a rede ABILENE da iniciativa Internet2 está migrando para uso da mesma tecnologia, o que deverá ocorrer ao longo de 2003. A questão candente nesse país é a maneira de administrar os recursos físicos de cabos ópticos usados para implementar estas redes novas. Há diversas iniciativas interessantes que surgiram nos últimos tempos, entre estas a Fiberco e a USAWaves. A Fiberco (National Research and Education Fiber Corporation) é uma empresa sem fins lucrativos incorporada recentemente para adquirir e manter recursos de fibra óptica e colocá-los à disposição de outras iniciativas, regionais ou nacionais, que objetivem a iluminação desta fibra para a montagem de redes de comunicação para a comunidade de pesquisa e educação. A Fiberco já estabeleceu um contrato com o provedor Level 3, pelo qual serão cedidos direitos de uso por 20 anos de pelo menos 4000 km de fibras ainda este ano, junto com acordos de longo prazo para facilitar a instalação e operação de equipamentos para iluminar esta fibra. Estima-se que mais de 20.000 km da rede física da Level 3 poderão vir a ser usados em suporte de projetos a níveis nacional e regional. (Para maiores detalhes sobre a Fiberco, deve-se consultar a apresentação de Steve Corbató, na recente conferência da Internet2 - www.internet2.edu/presentations/spring03/20030411-Optical-Corbato.pdf.)

USAWaves é o nome de fantasia adotado pela "National Buyers Cooperative" (NBC). A NBC é uma cooperativa de universidades e instituições de pesquisa, inicialmente do sudeste dos EUA, que hoje inclui mais de 80 organizações sem fins lucrativas. Seu objetivo é adquirir serviços de comunicação (fibra apagada ou lambdas) para a comunidade de pesquisa e educação. Inicialmente estabeleceu um relacionamento com a operadora Velocita, mas quando este faliu e teve seus ativos leiloados para a AT&T, a NBC concluiu um acordo de longo prazo com esta operadora. Além de conseguir a cessão gratuita de fibras apagadas da rede NexGen (que havia sido da Velocita), e ainda a doação dos roteadores Cisco da falida Velocita, combinou-se um custo baixo para a futura cessão de direitos de uso de fibra apagada adicional. Além da fibra apagada, o acordo com a AT&T prevê o aluguel de lambdas na sua própria rede de produção, por preços que correspondam ao custo incremental de iluminar esteslambdas. Este acordo permite acesso a preço de custo à maior rede de comunicação existente nos EUA, com pontos de presença em mais de 600 cidades, além de redes de acesso a nível metropolitano em várias cidades. O acordo entre a NBC e a AT&T é considerado uma marca importante no desenvolvimento das redes acadêmicas nos EUA, porque alterou fundamentalmente as práticas históricas nas relações entre operadoras e a comunidade acadêmica. (Para maiores detalhes sobre a USAWaves, deve-se consultar a apresentação de Jerry Draayer, na recente conferência da Internet2 - www.internet2.edu/presentations/spring03/20030411-Optical-Draayer.pdf.)

Estes tempos são considerados ainda propícios para encontrar oportunidades para deitar sólidas fundações para as próximas gerações de redes para pesquisa e educação aproveitando as novas tecnologias de redes ópticas. Nos EUA, as redes extensas de fibras ópticas das operadoras Level 3, AT&T e a falida Velocita, além de diversas outras não mencionadas aqui, foram construídas com grande excesso de capacidade, pois esta capacidade tem um custo marginal extremamente baixo, dependendo apenas da inclusão de mais uma fibra dentro do cabo que já contém dezenas delas.

A situação brasileira não é radicalmente diferente, pois valem aqui as mesmas economias de escala que ditem a colocação em cada cabo óptico o maior número de fibras possível, mesmo que estas fibras não venham a ser usadas tão cedo. Devido à privatização das telecomunicações, o país conta com diversas iniciativas concorrentes de montagem de redes de comunicação óptica de grande extensão, em alguns casos alcançando boa parte da população nacional. Além das grandes operadoras (Telemar, Telefônica, Brasil Telecom e Embratel), existem outras empresas menos tradicionais que também já realizaram pesados investimentos em infra-estrutura óptica, e sabe-se que boa parte da fibra óptica instalada ainda não foi, e talvez jamais seja iluminada. Nos trechos de fibra onde é usada a tecnologia de múltiplos lambdas na mesma fibra, não teria sido esgotado o limite do número máximo de lambdas possível.

Entre as operadoras não tradicionais no país existe uma de grande porte - a Eletronet (http://www.eletronet.com), que construiu uma rede de 16.000 km de extensão, baseada na exploração das linhas de transmissão de energia elétrica do sistema Eletrobrás, radiando das usinas das empresas Furnas, CHESF, Eletronorte e Eletrosul. Por várias razões, foi decidida recentemente a autofalência desta empresa (www.estadao.com.br/tecnologia/telecom/2003/mar/31/131.htm , www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/04/01/eco015.html). Ainda não ficou esclarecida qual será o futuro da sua grande rede, mas supõe-se que, como a rede da Velocita nos EUA, ela seja vendida para outra operadora, uma vez que a Eletrobrás não tem nas telecomunicações seu foco principal.

Este breve retrato do estado da infra-estrutura de fibra óptica no país tem como objetivo demonstrar que Brasil já possui condições objetivos para criar uma nova geração de redes para as comunidades de educação, pesquisa e saúde, nos mesmos moldes que elas vêm sendo montadas nos outros países mencionados. Também, como argumentado acima, temos motivos para fazer isto. Para poder montar e operar estas redes a custos aceitáveis para os cofres públicos, será necessário conseguir o acesso às fibras ópticas em condições tão favoráveis quanto vêm sendo praticadas nos EUA. Precisamos do nosso equivalente da Fiberco ou da NBC, que represente no sentido amplo os interesses da comunidade de pesquisa e educação para negociar acordos de longo prazo com as operadoras de telecomunicações no país, e repassar os benefícios destes acordos para os provedores de rede para esta comunidade e para outras de interesse público. As condições objetivas e a motivação já existem: falta apenas definir como vão ser aproveitadas.