Michael Stanton
WirelessBrasil
Ano 2004 Página Inicial (Índice)
14/06/2004
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Experiências
e perspectivas de redes sem fio
É difícil imaginar que fazem apenas quatro anos quando primeiro fiz acesso à Internet via rede local sem fio, ou por WiFi, como é conhecido o padrão IEEE 802.11b, com taxa de transmissão até 11 Mbps. Esta experiência foi num evento comercial nos EUA, onde fui participar, munido de computador portátil. Na ocasião, foi possível conseguir emprestado um cartão PCM-CIA durante o evento, e a experiência foi muito positiva. Infelizmente para mim, não fui convencido a comprar esse cartão, pois raciocinei que na época não havia onde usá-lo no Brasil. Paguei por esta falta de perspicácia ano seguinte, quando participei em outro evento nos EUA, esta vez da comunidade acadêmica, onde os auditórios estavam todos equipados com acesso Internet, apenas para quem estivesse usando cartão WiFi. Para os novos pobres, que somente tínhamos portáteis com acesso a rede via cabo Ethernet, era reservada uma sala nos fundos do evento para realizar nossa comunicação com a Internet. Pouco depois, investi em meu próprio equipamento WiFi, adquirindo duas placas de rádio e um "ponto de acesso" (ou "roteador de rádio") do modelo Airport da Apple, o qual instalei em casa para facilitar uso mais cômodo da conexão "faixa larga" que já usava nessa época (v. coluna de 18 de setembro de 2000).
No ano seguinte, substituí meu Airport por outro roteador de rádio da Linksys, que também trabalhava com WiFi em 11 Mbps. Este roteador permitia ligar simultaneamente computadores com e sem fio (Ethernet e WiFi), assim atendendo os computadores de mesa de outros usuários da casa. Este roteador da Linksys havia sido recomendado por um colega da UFF, e eu repassei a recomendação para outros, de forma que hoje outros 7 amigos e parentes meus já adotaram o modelo para uso doméstico, e quase todos o ligam a um acesso "faixa larga" usando ADSL (serviço "Speedy" da Telefônica ou "Velox" da Telemar). O Airport havia me custado US$300 em 2001, e o roteador de 11 Mbps da Linksys custou US$150 em 2002, tendo sido ambos adquiridos nos EUA. Hoje o preço deste último no sítio da Amazon.com caiu para US$47,24.
Ainda em 2002, a Linksys havia lançado um novo roteador de rádio de 54 Mbps, que usava o padrão de rádio IEEE 802.11g. Embora mais caro do que o de 11 Mbps, seu preço já caiu bastante, e hoje ele custa US$66,49 na Amazon.com. A Linksys tinha muito sucesso de vendas, mesmo concorrendo com produtos semelhantes da Cisco Systems, o maior fabricante de roteadores Internet do mundo, e ela acabou sendo adquirida em 2003 pela Cisco, embora continue a vender seus produtos sob a marca original.
Eu via vantagens na substituição do modelo de 11 Mbps pelo de 54 Mbps para aplicações profissionais, mas não tanto em ambientes domésticos, porque ambas estas taxas são muito superiores à taxa típica de "faixa larga" para consumo doméstico, que é de 256 kbps, e jamais seria obtida a plena utilização da capacidade da rede local sem fio se for usado um enlace de "faixa larga" destes para acesso Internet. Somente em ambientes profissionais teríamos oportunidade de ligar os roteadores de rádio a redes Ethernet de 10 ou, melhor, 100 Mbps. Inclusive recomendei a meus colegas e amigos para não gastarem dinheiro desnecessariamente no modelo mais caro. Agora não tenho tanta certeza.
O que me fez rever esta posição foi ler esta semana um artigo de Robert X. Cringely, colunista técnico norte-americano. Na sua coluna de 27 de maio, publicado em www.pbs.org/cringely/pulpit/pulpit20040527.html, Cringely chama atenção às características técnicas do equipamento de 54 Mbps da Linksys, e as possibilidades que adviriam da modificação do seu firmware, ou seja, o software usado para controlar seu funcionamento. Como tantos outros equipamentos hoje em dia, o roteador de rádio da Linksys é basicamente um PC que utiliza software Linux. A Linksys vem respeitando o credo do movimento de software livre, e publica todos os detalhes da programação do firmware usado. Isto permite que este firmware seja modificado, e foi exatamente isto que tem sido feito. O firmware novo foi desenvolvido por James Ewing, um programador norte-americano que mora numa ilha na Suécia, sem serviço "faixa larga", e este firmware está disponível a baixo custo através da empresa Sveasoft. Uma pesquisa com Google procurando "linksys" e "sveasoft" revela mais de 3300 acertos, demonstrando o interesse despertado por este trabalho.
Quais são os benefícios adicionais da versão deste firmware feito por Ewing? Na visão de Cringely, os melhores são o suporte dado para priorizar tráfego de voz sobre o das aplicações tradicionais de transferência de arquivos de informação, e a introdução de melhorias no gerenciamento de redes sem fio. Estes dois acréscimos permitem usar bem comunicação de voz (p.ex. telefonia) numa rede de rádio. Para Cringely, isto permite que o dono de um ponto de acesso destes possa atuar como um provedor Internet via rádio (ou WISP, Wireless Internet Service Provider, em inglês), dando acesso a diversos usuários na sua vizinhança inclusive para uso de telefonia IP, ligando-os à Internet fixa através de sua própria conexão "faixa larga" .
Mas o benefício maior adviria da adoção deste modelo por toda uma comunidade de usuários operando os roteadores de rádio, ligados entre si por uma malha dinâmica de conexões de rádio, e tendo apenas alguns deles ligados à Internet fixa usando conexões de "faixa larga". Segundo Ewing, se apenas 16% dos roteadores de rádio estivessem ligados à Internet fixa, os demais nós dessa malha receberiam serviço semelhante, mesmo sem gozar do acesso fixo. Na verdade, esta não é a primeira vez que vem sendo proposto o uso de tecnologia sem fio para montar uma rede para provimento comunitário do serviço Internet. Idéias semelhantes já foram descritas na coluna de 23 de dezembro de 2001. A grande diferença entre 2001 e 2004 é o aparecimento de um equipamento de baixo custo especificamente projetado para implementar tais redes, e esta novidade transforma o conceito abstrato em algo muito real.
Uma possibilidade é utilizar esta tecnologia para espalhar o acesso Internet em áreas densamente povoadas mas sem boa infra-estrutura de comunicação por meios fixos. Já foram criados projetos de atendimento a comunidades através de telecentros. É possível imaginar que estes telecentros sejam os pontos de acesso a uma malha de roteadores de rádio que faria penetração mais profunda dentro das comunidades servidas, especialmente quando combinado com o uso de computadores de baixo custo. Se a Índia pode criar seu computador popular, por quê não o Brasil?
Cringely, pensando na exploração comercial desta tecnologia, prevê que o uso de malhas de roteadores sem fio para prover conectividade consiga transformar o mercado de telefonia. Uma rede sem fio com os recursos incluídos no firmware de Ewing sustenta tranqüilamente um serviço de telefonia IP a um custo marginal muito menor do que se paga hoje pelo serviço dedicado de telefonia local, onde a assinatura básica é (no Rio de Janeiro) em torno de US$10 por mês, ou US$120 por ano. No novo negócio é simplesmente absorvido o custo de telefonia no custo do serviço Internet. Evidentemente, o mercado de telefonia IP nos EUA é mais evoluído do que entre nós, mas a força do exemplo é evidente.
Há apenas um problema que antevejo para o uso desta solução no país: os altos custos dos equipamentos Linksys no país. Acabo de consultar o sítio de um grande revendedor nacional de equipamentos pela Internet (www.submarino.com.br), e notei que o roteador de 11 Mbps da Linksys, vendido pela Amazon.com por US$47,24, está sendo comercializado por R$651,70 (a vista), ou seja, aproximadamente quatro vezes o preço da Amazon. Isto não tem cabimento. Do modelo de 54 Mbps nem tinha menção. Existe claramente uma oportunidade comercial para explorar melhor esta filão do mercado, beneficiando os compradores com preços mais competitivos.
No passado (1995), a Internet comercial no país começou através do esforço de várias centenas de pequenos provedores que trouxeram seu quinhão de usuários para as redes dos grandes provedores de atacado. Parecem existir hoje outras oportunidades para prover serviços na ponta a custos menores do que os vigentes. Estas oportunidades serão aproveitadas?
O uso da Internet sem fio começou devagar. Inicialmente,
era usado ocasionalmente em eventos freqüentados por especialistas em redes.
Depois se estendeu aos escritórios em geral, junto com o uso maciço de
computadores portáteis, como maneira de tornar mais flexível o ambiente de
trabalho. Na coluna de
23 de dezembro de 2001, foi mencionado o início de exploração
comercial desta forma de acesso, que agora se tornou corriqueira em "hot spots"
(pontos quentes) de maior afluência de usuários em potencial, como aeroportos,
hotéis e restaurantes. Agora estamos antevendo a extensão da tecnologia para o
espaço mais geral. Embora estamos acostumados a associar WiFi com computadores
portáteis, é importante reconhecer que estes também estão em mutação, com o
aparecimento dos assistentes digitais, freqüentemente capazes de servir como
telefones. Para convertê-los em telefones IP custa pouco mais do que incluir um
cartão de rádio WiFi. Há quem considera que a famigerada terceira geração (3G)
de telefonia celular jamais cairá no gosto popular, pois será ultrapassada antes
pela quarta geração, que, ao invés de usar a infra-estrutura montada a grande
custo pelas operadoras de telefonia celular, será baseada provavelmente numa
extensa rede de rádio WiFi como sugerimos aqui, e o usuário conseguirá seu
serviço de um "ponto de acesso" próximo. É uma imagem atraente.